A Marginalização do Cinema













Chega de falar da morte do cinema, mas das realidades que sempre transformam a arte.

Por Kent Jones


Ano passado um diretor de cinema que conheço convidou-me para ver um filme num dos velhos estúdios de Hollywood. Encaminhando-nos à sala de projeção, passamos por um grupo de elegantes e casuais homens de negócios sentados em suas mesas desmontáveis, ouvindo casualmente um dos seus numa conversa casual. Justamente quando estávamos passando, fisgamos a seguinte declaração: "... temos uma pequena máxima por aqui: 'Foda-se o diretor'" - deixa para uma rodada amena de risadinhas cúmplices da audiência casual. Meu amigo, momentaneamente estupefato, resolveu deixar pra lá. Era mais do mesmo. Quase.

Há somente vinte anos, um dos maiores estúdios orgulhava-se em pôr seu logotipo (e um pouco de seu dinheiro) num filme chamado L.A. Confidential - trabalho de um diretor de verdade, contendo ecos poderosos de outro filme feito vinte anos antes por outro diretor de verdade num outro grande estúdio, Chinatown. Hoje, os quarenta anos desde Chinatown parecem um milênio e as quase duas décadas desde L.A. Confidential parecem, no mínimo, um século ou dois. A História - quer falemos da história do cinema, quer da história da cidade de Los Angeles - é hoje ignorada ou tratada como uma preocupação elitista e o diretor, que um dia desfrutou de um mínimo de deferência, tornou-se uma peste, o irritante fator incontrolável no de outro modo ameno fluxo de capital e informação. Faz apenas alguns anos Vício Inerente, outro grande filme da mesma linhagem, voejou como uma borboleta sobre uma paisagem muito diferente, bem mais brutal. E no ano passado outro filme dirigido com beleza, Ponte de Espiões, foi reprovado por mais de um de meus conhecidos como sendo "um tanto bom demais".

O que quer dizer, acho, "um tanto dirigido demais".

Indo direto ao ponto, o cinema por volta de 1996 e o cinema de hoje são dois planetas distintos. Em apenas duas décadas vimos a tecnologia desta forma de arte, em uso durante um século, substituída por outra equipagem completamente nova, que de modo patente fornece resultados distintos; a crescente dominância do visionamento doméstico, e a diminuição da outrora tão importante experiência da sala de cinema; um colapso da produção artisticamente motivada dos "Estúdios" (o termo se tornou obsoleto) americanos e o suporte financeiro sempre menor aos outrora vivos e agora mal existentes movimentos cinematográficos pelo mundo; o rebaixamento de todos os filmes ao estatuto de "conteúdo", iguais em valor aos comerciais, vídeos de gatinhos, ou reduções dos mesmos filmes a suplentes de formatos leves para YouTube; a crescente popularidade do formato seriado da televisão que, como nos disseram, eclipsou o cinema em algo chamado "ressonância cultural"; e a dizimação da comunidade de críticos de cinema em tantos principados e cidades-estado, a maioria delas situada na supostamente "democratizada" Internet. Separadamente, cada um destes desdobramentos, alguns imediatos, outros mais demorados, foi dramático. Mas o efeito cumulativo é algo mais, não muito diferente daquele do furacão Sandy na baixa Manhattan: não o antecipado maremoto, mas um lento alastramento que deixou para trás um ambiente alterado.

A passagem do filme ao digital recebeu bastante atenção. Vinte anos atrás, o termo "prints and advertising" não era um mero eufemismo. Hoje, sobrou apenas um valente fabricante/fornecedor de película no mundo inteiro e muito poucos laboratórios em atividade, e enquanto muitos filmes ainda são rodados em película (mais do que as pessoas pensam), o advento de uma cópia em 35 mm é agora um acontecimento. A troca do filme pelas câmeras HD, da animação e dos efeitos especiais híbridos aos completamente computadorizados, da edição numa mesa de montagem KEM para o Avid ou o Final Cut, da mixagem e correção de cor analógica ao digital, transformou a arte do cinema por dentro - ainda por cima, nossos olhos ajustaram-se à claridade da alta definição. Que a textura da imagem e do som seja decididamente diferente é um fato exaustivamente explorado. Que cineastas e técnicos seguem agora um conjunto totalmente novo de etapas mentais e físicas na pós-produção ainda não foi tão bem notado assim. Todo editor, técnico de mixagem ou colorista teve de tornar-se fluente na linguagem técnica dos codecs e taxas de bits, e aprender efetivamente um conjunto completamente diverso de habilidades. Os efeitos colaterais estéticos do digital e do HD foram interminavelmente debatidos, mas ninguém pode negar que os cineastas ganharam bem mais flexibilidade e rapidez. As ferramentas digitais revolucionaram a preservação e a restauração de filmes (as escolhas questionáveis por trás de restaurações particulares são outra história), e as câmeras HD e os softwares de edição e mixagem prepararam enfim o terreno para um verdadeiro cinema democratizado: você pode mesmo fazer seu próprio filme, em casa, se bem que com uma tecnologia um tanto distante daquela das origens desta arte.



Por outro lado, a obsessão simultânea e sempre proliferante pelo lucro tem sido somente debilitante e degradante para o cinema. Desde os anos oitenta, quando o fenômeno do sucesso-de-bilheteria-como-esporte-de-massa começou, a retórica financeira tornou-se totalizante. Marketing e branding ascenderam ao status entre oráculo e deidade. Termos como "acessível", "generoso", "elitista" e "esotérico" são agora de uso comum, aptos a surgir tanto na conversação casual quanto nas críticas. O pior de tudo é a sucessão dos impiedosamente calibrados, pré-testados, completamente intercambiáveis nacos de entretenimento internacional que brotam da linha de montagem, ano após ano. A força contrabalanceadora da arte, outrora aceita como obrigação cultural, foi praticamente neutralizada: a "prestige picture" de Monroe Stahr no O Último Magnata de Fitzgerald, aprovada por ser "bom para a tabela de produção escorregar com um filme que vai perder dinheiro", é uma memória distante e extravagante. Em 1997, Paul Schrader disse que o sucesso de Titanic era ótima notícia pois significava que havia "mais dinheiro escorregando da mesa pra todo mundo". Dezenove anos depois, cada centavo é estocado e escondido muito antes de chegar perto da borda da mesa, redirecionado imediatamente para a produção de mais do mesmo. Então quando James Murdoch proclama que a Fox tem que "fazer filmes melhores", ele não está falando de contratar Paul Thomas Anderson ou David Fincher.

Durante a maior parte de seu primeiro século, a impureza fez o cinema excitante e deu-lhe seu limite. O fato de que esta forma de arte foi predominantemente entendida e experimentada como popular desde sua concepção deu aos cineastas e críticos um modo dinâmico e produtivo de definir a si mesmos. A excitante tensão engatada entre bilheteria e consideração artística que animou as oficinas de Roger Corman e Val Lewton, que alimentou as ambições de grande escala de Lean e Coppola, que levou Ford e Hawks, Truffaut e Ozu à grandeza e provocou os grandes contra-exemplos de Welles, Cassavetes, Bresson, Godard e Tarkovsky, não existe mais. Chegamos agora num estágio no qual "arte" e "popular" foram efetivamente desconectados.

Por que se incomodar com as questões do digital versus película, ou se o primeiro é ou não é cinema, quando tempo e energia seriam melhor gastos promovendo o cinema vivo e disponível como escolha? Por que se incomodar com considerações sobre a relevância cultural ou a ressonância do cinema em comparação à televisão, o vídeo-game e a transmídia? Se estes estão correntemente mais na moda que o cinema, e daí? A menos que, é claro, você esteja preocupado em permanecer num campo culturalmente dominante, o que já é uma outra história. Assim como se juntar a uma banda de rock perdeu muito de seu apelo desde o colapso da indústria musical, perdeu a graça virar um diretor de cinema quando o dinheiro e o prestígio - mas também, para ser franco, o interesse - estão agora na publicidade, nos seriados de televisão e nas narrativas "multiplataforma". Quanto a graça de ser crítico de cinema, é difícil ganhar a vida quando ninguém quer pagar você por isso.

Isso tudo significa a morte do cinema? Essa questão sempre foi absurda. O cinema não corre mais risco de morte hoje do que corria vinte anos atrás, quando Susan Sontag diagnosticou sua fase terminal. Antes, são as condições de sua existência, com as quais confundimos por muito tempo esta forma de arte em si, que se modificaram.

Nasci em 1960, vi meu primeiro filme com cinco anos de idade e comecei a mergulhar fundo no cinema quando estava com uns 11 ou 12 anos. Os dois pontos de virada para mim foram Cabaret, que estreou num cinema local, e Casablanca, que vi com meus pais numa revival house lotada. A própria ideia de alguém hoje querer fazer Cabaret é tão estranha quanto a de ver um filme em preto-e-branco feito em 1942, naquele tempo um favorito da televisão, passando numa única sala lotada que seria tudo, menos um festival de cinema clássico.



A cultura cinematográfica, da mais melosa homenagem televisiva à mais severa e hermética projeção de uma antologia de Paul Sharits, era um mundo coerente com um sólido centro magnético chamado Hollywood, atrativo e repelente, aceito ou repudiado, venerado ou subvertido, às vezes tudo isso ao mesmo tempo. As ondas da televisão estavam cheias de filmes de estúdio, o que quer dizer que os filmes da juventude de meus pais e de meus avós eram também os filmes da minha juventude, e que os eventos definitivos de suas vidas, que estes filmes representavam - a Grande Depressão, a Segunda guerra mundial, o Holocausto - eram transmitidos também para mim. Até os anos 90, os "Filmes" eram um ponto de referência comum, aparentemente tão sólidos quanto o Grande Canyon. Mas essa ilusão de permanência desmaterializou-se, a continuidade entre o velho sistema de estúdio e o atual universo de entretenimento audiovisual quebrou-se e, como consequência, nossa relação com a velha Hollywood também mudou. A questão do racismo, que corre tão fundo na sociedade como o faz nos filmes que produziu, será sempre espinhosa, complexa e difícil. Mas muito mais dentre o que foi brutal, pernicioso e triunfalista corre hoje o risco de ser descartado ou tão-somente jogado fora como um fruto podre. O alto e homogêneo nível técnico da produção dos anos 20 aos anos 50, os traços de sentimento real projetados ou capturados dentro até mesmo de um filme de rotina - por exemplo, The Great O'Malley (1937) - um melodrama do Lower East Side dirigido por William Dieterle - brilha mais e mais, à medida em que a mediocridade e as bandeiras culturais recedem às sombras. À luz das normas correntes para as imagens e sua criação, assistir 49th Parallel (1941) ou Hangmen Also Die! (1943) é uma experiência de partir o coração, para não mencionar filmes de cineastas menos extraordinários, como Dead Reckoning (1947) ou Middle of the Night (1959). A medida de uma cultura de cinema vibrante e viva não é o número de grandes filmes feitos, que é sempre pequeno, mas o número de filmes bons. É uma dolorosa verdade que, neste momento, os bons filmes de ficção de qualquer lugar do mundo não são mais tão bons quanto foram, até mesmo há dez anos, talvez pela falta de uma cultura cinematográfica compartilhada, seja ela local (como foi no Irã, Casaquistão, Taiwan, ou nos Estados Unidos da América) ou internacional. Muitos filmes se parecem agora com pequenas ilhas num vasto oceano de naturalismo portátil de baixa-voltagem. Se há uma área do cinema que está florescendo é a do documentário, como imediatamente responsivo, rico em caracterização e acontecimento, inventivo num nível "transpessoal", assim como o butim do ótimo trabalho produzido pela Warner Bros. durante seu dias de ouro pré-código.



Aqui vai uma outra história de um outro cineasta. Este estava com um par de executivos juniôres a fazer o pitching de um filme e, enquanto descrevia as imagens que tinha em mente, foi interrompido pela impagável intromissão: "Isso soa meio estilístico".

O ridículo do comentário é óbvio, mas o ponto é a proliferação de categorias estagnadas, o que aflige hoje a discussão do cinema em todos os níveis. Pode-se rir do executivo que fareja um investimento arriscado do dinheiro de sua companhia à simples menção de uma ou duas ideias visuais mas, deixando o adjetivo inoportuno de lado (é "estilismo" ou estilicismo"?), as palavras "estilo" e "estiloso" foram usadas de modo vago ao longo dos anos por muitas pessoas diferentes, para fins muito diferentes. Max Ophuls e Harry d'Abbadie d'Arrast eram "estilizados". A "câmera-ao-nível-do-olho" de Hawks era seu "estilo", ou talvez sua "pragmática" falta de estilo, enquanto James Whale possuía "estilo" demais. O estilo de Fritz Lang é "geométrico" enquanto o de Bertolucci é "barroco". Scorsese é "um grande estilista", mas John Huston supostamente não possuía nenhum estilo próprio discernível. Dario Argento é puro estilo, assim como Paolo Sorrentino... e Luca Guadagnino... e Mad Men... e True Detective.

O cinema é muito jovem, então não é surpresa que muito da escrita sobre cinema foi por um lado tão retrospectivamente orientada, por outro tão elástica e imprecisa, e isso inclui a asserção de André Bazin sobre o desenvolvimento do cinema, que tinha de algum modo sido magicamente acelerado. Identificar um estilo de direção distinto foi um modo vantajoso de olhar em retrospecto e validar esta forma de arte, mas que não nos leva muito longe na compreensão de nenhum filme em particular. Além disso, o que nos referimos como o estilo de um filme de uma hora e meia e o estilo de uma série de TV são coisas completamente diferentes. Mad Men, por mais brilhante que seja, tem um estilo "molde". No período temporal compactado de um filme, cada escolha está carregada e interage com cada outra escolha num ímpeto direcionado ao ponto final definido, diferente do gancho numa série que dura seis episódios, ou seis anos. A compressão está no coração do cinema - é um dos grandes pontos-limite desta arte, cuja questão nunca foi a dos grandes gestos, mas das nuances e das mais leves mudanças de ritmo de harmonias suspensas que parecem tangidas num diapasão e deixadas, vibrando, numa matização gradual. Eis porque Manny Farber continua sendo o melhor crítico que já escreveu sobre cinema. Ele teve decerto seus preconceitos e pontos cegos, mas tratou os filmes na alteza justa: aquela das escolhas tomadas pelo artista.



Farber sempre insistiu em rever e reconsiderar os filmes segundo a perspectiva do Agora. E decerto o fato de que Lawrence da Arábia pareceu-lhe um elefante branco em 1962 foi sobrepujado, meio século depois, pela maestria do filme, o que por sua vez sobrepuja a duradoura reputação do mesmo como Clássico Oficial. O famoso corte entre o fósforo e o deserto talvez seja a menina-dos-olhos do Super Panavision 70, mas acontece que é também um corte sonoro extremamente sofisticado, o que dá à transição seu choque impressionante e cósmico, totalmente diverso do impacto do osso para a estação espacial em 2001 - Uma Odisseia no Espaço que está, por sua vez, a um mundo de distância de seu predecessor mais lúdico, o corte do falcão do século XIV mergulhando no céu para o avião do século XX que também mergulha em A Canterbury Tale, para não falar do número de quadros que Lean segura na tomada e no silêncio do deserto antes de trazer à tona a trilha sonora: um pouco mais ou um pouco menos, e o sentimento seria totalmente diferente. Para tomar outro exemplo de 1962, a frequentemente notada fluidez da câmera de Otto Preminger em Tempestade sobre Washington é de fato notável, assim como a força total do conjunto, mas sua outrora celebrada "ambiguidade" encobre na verdade os valores que o cineasta encontra neste e, aliás, em qualquer outro de seus filmes: neste caso, um tom preciso de familiaridade e compreensão compartilhada de poder no seio de um grupo social particular (jogadores políticos de Washington), e a sugestão de uma ansiedade uniforme amadurecendo dentro de seus integrantes. Tais valores são o que anima Tempestade sobre Washington, gesto por gesto - por exemplo, no modo como o lânguido, esguio, quase apagado presidente de Franchot Tone manuseia seu cigarro, enquanto caminha por um quarto de hotel mal-iluminado. De modo similar, a "poesia de Andrei Tarkovsky" não dá conta propriamente da qualidade particular de suas trocas de registro, quando menos se espera - em O Espelho, ser pego repentina e misteriosamente pelo ímpeto emocional e físico da mãe que procura desesperadamente pelas provas no jornal, a câmera deslocando-se junto dela através dos depósitos de papel, ou a troca das imagens de cine-jornal dos soldados russos abrindo caminho na lama para a vista de inverno colorida e apaziguante tirada da memória pessoal através de Bruegel. A maior parte das descrições de Touro Indomável passa ao largo da cuidadosa gradação emocional no rosto de Joe Pesci, no que ele passa da descrença para o lento alvorecer do nervosismo num preto-e-branco mais delicadamente tonalizado, elegante e em harmonia com a luz suja e a trivialidade da exígua sala de estar do Bronx circa 1949, tão estranhamente sobrenatural como uma imagem de Val Lewton. Para tomar um exemplo mais recente, considerar o ataque da tribo nativa a Percy Fawcett e sua equipe no novo e espantoso filme de James Gray, A Cidade Perdida de Z. Fawcett e os homens em seu barco são assediados por flechas atiradas através do rio e sua primeira reação, comicamente estóica, é a de postar-se orgulhosamente de pé e cantar "Soldiers of the Queen". Depois de um momento de silêncio novas flechas, sendo que uma delas atinge a Bíblia que Fawcett segura no alto, um corte de memória para sua vida perdida de volta ao lar com a família, entrevistas em apenas algumas imagens preciosas. A fluência da emoção é sentida na corrente tranquila das imagens, da igreja à pia batismal, à esposa de Fawcett e a Fawcett tomando o bebê nos braços, o que então estabelece um tom impossível de quebrar, uma espécie de estado de graça flutuante que se alonga e sustém Fawcett através do rio, adentro e depois para fora da escuridão da floresta. O movimento da câmera parece ser desacelerado quase que imperceptivelmente no corte para Fawcett enquanto caminha para a tribo reunida, mas talvez não seja exatamente isso: é preciso ver o filme mais algumas vezes para descrever como Gray obtém este senso de perenidade flutuante e meditativa. Estas escolhas não são estanques nem ilustrativas, nem mesmo antologizáveis como "grandes momentos" em coletâneas de cenas - fazê-lo seria privá-las de sua força. Elas vivem apenas dentro de uma corrente ou, para usar um ótimo termo cunhado por Elaine May, dentro da "ecologia" de um filme superior.



Enquanto o cinema diverge do espetáculo audiovisual e assenta-se numa posição mais calma dentro da cultura, aqueles de nós que o conhecem e amam tornar-se-ão mais e mais como os amantes dos livros no final de Fahrenheit 451, de Truffaut. Da mesma maneira, o verniz de autoridade cultural desfrutado pelos cineastas esvanescer-se-á - já está acontecendo, diante de nossos olhos. É claro, nunca foi mais que um verniz. Hitchcock pode ter sido uma estrela com casa em Bel Air, mas quando fazia filmes era um artista tão comprometido quanto Bruce Conner ou Philippe Garrel, a quem ouvi certa vez explicando ao seu velho amigo Monte Hellman que o custo de seu filme mais recente era um tantinho menor que o preço de um Volkswagen estacionado ao lado. O contexto pode ser absurdamente diferente, mas o nível de comprometimento é o mesmo. É apropriado que o cinema daqui em diante seja transmitido, de mão em mão, como livros de poesia, pois sua melhor parte sempre foi artesanal.

A discussão sobre o cinema foi, por muitos anos, tão grande e ampla quanto seu lugar na cultura. Contudo, é possível que agora estejamos num ponto em que até mesmo a palavra "discussão" tenha perdido seu valor. O cinema está destinado a ser compartilhado, e feito, de uma maneira completamente nova. As condições desta forma de arte como a conhecemos e como viemos a amá-la estão morrendo, e mesmo assim não haverá uma morte do cinema. Antes, o cinema está progressivamente sendo marginalizado culturalmente, o que quer dizer que está assumindo um lugar honrado ao lado da poesia, da dança e da música de concerto. Pode-se mesmo dizer que a marginalização do cinema será sua salvação.

The Marginalization of Cinema foi publicado originalmente em Film Comment, Nov-Dez. 2016. Tradução: Eduardo Savella.