Todos esses anos que nos separam…

Por Axelle Ropert 

E se Negócios à parte fosse o grande filme sentimental – o único – de Claude Chabrol? Isabelle Huppert e Michel Serrault parecem atravessar as provações, palácios de plástico e Antilhas de pacotilha, como se estivessem de partida para um outro mundo, utilizando toda sua astúcia e sua experiência – mas pela última vez. A utilização da habilidade falsária se exerce sem convicção, porque o desafio não é de enganar o imprevisto, de demonstrar (de forma jubilatória) a perfeita mecânica dessa pequena associação, mas de concluir anos de prática comum esvaziando um saber conquistado juntos. A "não-surpresa" dos personagens diante do que lhes acontece, o caráter flutuante das cenas, o cômico repetitivo e quase sem convicção dos diálogos, a cenografia um pouco embaçada, a descoloração desse universo, provocam um efeito de desaceleração geral, como se a travessia das aparências, travessia muito minnelliana do cenário das operações, fosse o fim secreto, fim fixado pelos dois protagonistas antes do filme, delicada resposta para uma inquietação subterrânea: como envelhecer juntos? Posto que se trata de medir a exata neutralidade (familiar, sexual, social) que une um ao outro, os instantes de reencontro que permitem verificar que o parceiro ainda está lá – mas unicamente pelo prazer confiante do gesto – estão entre os mais belos do filme, fornecendo-lhes um sentimento miraculoso de indefectibilidade. A atuação senilizada de Michel Serrault (respiração cortada, olhares para o vazio, alteamentos despropositados da voz), parecida com aquelas dos impostores caros a Pierre Zucca para quem Claude Chabrol foi, ele próprio, o intérprete em Alouette, je te plumerai, permite encarar a atuação ondulante de uma Isabelle Huppert que nunca tinha sido ao mesmo tempo tão meticulosa na escolha da entonação, da inflexão da voz, da direção do olhar, e inconsequente na maneira de lançar um efeito cortando-o de sua ressonância dramática. A atriz está aqui "no auge da sua arte", mas ficcionalmente. Ela recapitula todo o seu poder de atriz afim de passar a outra coisa – ao futuro de sua personagem, portanto de sua dupla. Como subtrair às complicações físicas (velhice), psicológicas (rebelião), afetivas (tentação), um duo a quem nada assegura que saberá neutralizar as ameaças do tempo? A respeito disso, a legenda "Um século depois" marca com sua seriedade literal os planos nevados do fim do filme e inventa uma solução tão elíptica quanto definitiva, o refúgio na eternidade. 

Toutes ces années qui nous séparent… é uma parte do artigo L’envers des histoires contemporaines, publicado na revista La Lettre du Cinéma n°4, inverno de 1997. Tradução: Miguel Haoni.

Womad Woman







Mrs. America, de Dahvi Waller

Por Camille Nevers 

Filmar o inimigo. A inimiga, no caso. Filmá-la à distância certa, conseguindo simultaneamente deslizar-se para dentro de sua pele. Uma segunda pele, "camaleoa", atriz. Permitir assim à inteligência dialética de se desenvolver ao longo dos nove episódios que dura a minissérie de Dahvi Waller (Desperate Housewives, Mad Men), mas sem por um instante comprometer o caminho a seguir e a finalidade, que é a de perscrutar a inimiga obstinadamente, seu rosto, sua condição, de surpreendê-la no seu próprio espelho psicológico. Humanizando-a, extirpando-a de sua ganga. A ficção se endereça também a essa inimiga, não prega só para os (as) convertidos (as). O título do último episódio de Mrs. America, depois de ter escandido nos precedentes e por uma década (1971-1981) os nomes e retratos de suas figuras principais – Gloria, Shirley, Betty, Jill, Bella, etc., feministas célebres vs. antifeministas obscuras –, cai como uma guilhotina: "Reagan". Uma amostra da punição Trump, pela metáfora clara, sem a menor hesitação. Sobre o bottom que prende na sua lapela a Mrs. America do título (Cate Blanchett numa encarnação magistral de amável predadora), lemos o slogan de campanha do campo Reagan e uma vertigem bizarra, de "retomada preditiva", nos pega : "Let’s make America great again". 

Campo: Phyllis Schlafly, a inimiga. Na iniciativa do movimento antifeminista para impedir a ratificação da ERA, a emenda que visa garantir a igualdade de direitos entre os homens e as mulheres em todos os Estados Unidos. Nenhuma cabeça passa, no grupo de donas de casa sorridentes, engolimos todos os sapos. Phyllis, a carismática, dedica-se à sua própria publicidade, à sua vaidade sem limites e, embora fundada sobre convicções de direita, conservadoras e sem artimanhas de dona de casa, sua ação é movida por uma vontade de "emancipar-se". Mas tal palavra, ela a reserva à sua única ambição, sua sede de acessar o poder por dentro, à qual ela assim atesta, pelos meios atribuídos ao mundo "viril". Egoísta, pérfida e manipuladora, a emancipação estilo Phyllis nunca considera a saída do tronco isolado dos homens entre si, estes tratando-a como uma secretária melhorada, no máximo uma first lady áspera e sua cúmplice; ela consiste em servir-se deste jugo e do lugar invejável que ela tem o privilégio de ocupar, à força do mérito pessoal e de qualidades individuais, ela acredita, para subir, se elevar nesse mundo exclusivamente masculino. Sua vida é descrita como uma longa sequência de frustrações táticas e humilhações consentidas. 

Contracampo: o movimento, as amigas, a multiplicidade engajada do women’s rights, bando de caráteres contrastados, ideologicamente, identitariamente. Única comunidade de espírito e federação de lutas diversas, essa sororidade feminista, difícil, mas cuja diversidade democrática valerá sempre mais que a misoginia das inimigas, essas damas sexistas e seu afável "veneno". A série retraça o feminismo americano dito da "segunda onda", dos seventies, em seus meandros de militância pura e de política dura, de multiplicidade discordante, conflituosa às vezes, mas sempre de combate. Mrs. America, ou a complexidade de ficar junto





A "causa" – eis o fio narrativo reinvindicado da série construída em planos de corte entre os dois campos, seus pontos de vista cruzados e intercessores, de uma, depois outra, depois outra, formando um caleidoscópio nominal. Até a grande reunião de "Houston", título do penúltimo episódio, delírio stoner em vacilação bêbada das certezas, e sua aguardada esperança de uma desertora – a "passagem à inimiga" da personagem de Alice (Sarah Paulson numa exultante pura interpretação metalinguística de intolerante homofóbica, proeza assumida da atriz que na vida real nunca guardou segredo de sua homossexualidade). Daí uma visão de conjunto parcial e dialética, soberbamente negociada, eminentemente paradoxal: o espectador sabe qual é "na vida real" a posição das atrizes que, para aquelas dentre as que retratam as Mrs. America, interpretam em voluntária contradição, contra o seu pensamento cívico. A série (a exemplo de obras recentes e anteriores, tais como o filme O Escândalo e a série The Morning Show) representa então com a maior seriedade e com um trabalho impressionante "à maneira da inimiga". Neste jogo de se pôr em cena num papel que não corresponde à atriz, o menor segundo grau autocrítico da atriz frente à sua personagem deve ser indetectável e mesmo ausente. É este poder de fogo das atrizes-autoras interpretando a antítese delas mesmas, em uníssono, que faz dessa uma grande série. 

Incorporar a inimiga 

Mrs. America, é a revanche dos anos fechados, escamoteados, deixados escondidos dos filmes: os anos 1970, os famosos. Nós cinéfilos percebemos o quanto nós somos ignorantes pois, de tudo o que a série relata, não nos vem à mente, de maneira evidente, nenhum filme mainstream da época que teria testemunhado isso. Deixados na perfeita ignorância da segunda onda feminista americana pelas ficções da Nova Hollywood e as produções mais independentes, em que as mulheres são no máximo solitárias, errantes, desclassificadas, sindicalistas e relutantes – Sally Field no Ritt ou Jane Fonda no Pakula – por vezes "sob influência", mas nunca em grupo, em movimento, ativistas entre si, não neuróticas mas liberadas. Já era hora de realizar tais filmes e séries "históricas" sobre esse tema, nunca tratado. O cinema, testemunha indefectível do "que acontece"? O dos anos 1970, embora por outro lado o respeitemos, é o mais machista, sexista, e indiferente ao grande movimento feminista de que foi contemporâneo. 

Aparecem, com Charlize Theron, Reese Witherspoon, Cate Blanchett e a multidão ao redor, cinebiografias inteiramente dedicadas à interpretação da atriz. Ficções não mais corais – numa base rotativa. Na sombra da antagonista (a personagem de Phyllis e sua turma), a presença consciente, "protagonista" de sua intérprete: a reconhecida posição feminista de Cate Blanchet bem como a de suas parceiras, em rodada mista. Assim, mostrando que o mais profundo, para essas atrizes, é a pele, a peruca e a prótese, a costura plástica, a pintura, a maquiagem, em resumo a "composição composta" de um corpo contemporâneo, o papel se faz re-criação e acessa uma espessura física inédita. Há a assimilação da atriz-autora daquela que ela encarna, e, melhor ainda, incorporação. Saber filmar a inimiga então é saber incorporá-la, dar-lhe uma existência autêntica, inédita, de forma que o contracampo feminino se afirme historicamente como o que vem (depois).




Aqui está o trabalho, árduo e magnífico, da atriz-autora hoje. Filmar, filmar-se num tipo novo de autorretrato chinês: "se eu fosse uma reacionária republicana antifeminista" , "se eu fosse uma apresentadora célebre da Fox News", "se eu fosse uma estrela hollywoodiana bitch e amarga" (a bela minissérie de 2017 Feud, com Susan Sarandon e Jessica Lange como inimigas juradas, Bette Davis e Joan Crawford representadas e frustradas). Elevar a interpretação assim alçada a uma condição estética nova, não mais apenas a metamorfose mimética que a atriz performa, mas pela precisão de expressão transformista da "outra" personificada – que se torna retrato da atriz por ela mesma, de uma condição sofrida e de uma posição tomada, sua livre criação, plena e integral. Política das atrizes, política das autoras. 

Filmar a inimiga, até a derrota. Até que a derrota dela se torne também a nossa. Não somente aquela do movimento de liberação das mulheres para obter a adoção da ERA, derrota no contracampo da não-nomeação de Phyllis ao posto cobiçado, mas o fracasso de todas (as mulheres). A mulher reacionária, da qual tomamos o lugar, é recolocada no seu lugar. E, assim que ela entrou na sua cozinha, ressoou o eco deplorável da derrota mútua, geral. No campo, no contracampo. Phyllis termina relegada à antessala da história, para seu último "primeiro" plano. Ideia duplamente perturbadora, na qual ela retoma: o lugar da dona de casa que se põe maquinalmente a descascar maçãs para a apple pie da refeição por vir, o anônimo papel de esposa de gestual anônimo – e simultaneamente o plano de Jeanne Dielman de Delphine Seyrig descascando metodicamente, como um autômato da rotina eterna, suas batatas. Cate Blanchett refaz esse plano, retoma esses gestos, em citação consciente, depois do excerto secreto do filme de Akerman no episódio precedente (a convenção em Houston) no qual um grupo de mulheres assistiam ao fim criminoso. A possibilidade desse último plano de Mrs. America, punctum em que subitamente tudo faz sentido, é relembrado, no tempo, no espaço, neste projeto de filmar do ponto de vista dessa mulher de uma outra época, akermaniana, absorvida por sua função, na repetição do cotidiano que só o "momento de loucura" (digamos) ou o lance de dados, o gesto desviado de sua rotina poderá romper. Uma ruptura que não virá de fora, da ordem estabelecida, da sociedade dos homens da qual não é preciso esperar nada, querida Phyllis, mas de dentro, de casa, teria dito Duras, da própria mulher que comete, pela retaguarda da vida material, o irremediável, o absurdo. Enfim, o irreversível. 

Womad Woman foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma, nº 767, julho/agosto de 2020. Tradução: Miguel Haoni.