Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída – Ulrich Edel



Por Serge Daney 


A droga mata, a sociologia também

Um clichê, não é nem verdadeiro nem falso, é uma imagem que não se move. Que não move mais ninguém. Que nos torna preguiçosos. Sobre a droga, os clichês não faltam. Todos eles se encontram em Eu, Christiane F., drogada, prostituída, filmado nesse estilo lúgubre e superficial do novo “novo” cinema alemão. O título faz temer (ou esperar) um filme pornográfico, mas parece que ele não é nada disso: nós assistimos a engrenagem crua e sem artifícios de uma decadência. Nada nos surpreenderá verdadeiramente, mas tudo nos sobrecarregará: a sordidez dos detalhes, as seringas que lavamos nas descargas dos WC, o asfalto e os grandes conjuntos, os rostos pálidos e a tristeza sem fundo das crianças perdidas nas calçadas de Berlim, entre a Sound, a “maior discoteca da Europa”, e a estação Am Zoo. 

Nos dizem (toda a publicidade é feita em torno disso) que Christiane F. realmente existiu, que ela existe, que ela saiu dessa, que ela falou durante horas frente aos gravadores de dois jornalistas, que um best-seller resultou disso (em 78), do qual os direitos de adaptação para o cinema foram rapidamente adquiridos (em 79), precedendo à filmagem realizada por um certo Ulrich Edel (em 80), e o lançamento parisiense do filme (no verão de 81). Mas, uma vez o filme terminado (nessa improvável imagem de recuperação), nós nos dizemos: pra quê? Pra quê essa garantia do real, essa fatia da verdadeira vida, de que serve a verdadeira Christiane F.? Bastava colocar no computador toda a literatura sobre esse tema, das confissões dos antigos viciados aos testemunhos dos dealers, passando pelas fichas policiais e pelos relatórios médicos, para obter Christiane F., a anódina menina de treze anos, o retrato-robô de uma criança decaída, a amostra-sociológica que necessitávamos para ilustrar o roteiro-modelo, o roteiro-robô do filme. Que um cineasta faça um trabalho de pesquisa muito avançado sobre um tema, é uma coisa (isso se fazia até em Hollywood), que ele se sirva dos resultados dessa pesquisa para se proteger, é outra coisa. Ao menos que o seu objetivo seja desarmar o espectador, de culpabilizá-lo ainda mais, de impedi-lo de criticar o filme. É preciso muita coragem para sair do filme dizendo que ele é lúgubre e superficial, atraente e confortável. Por sua vez, é se expor para ser criticado: só um drogado, um perverso, um esteta pode recusar andar nessa “chantagem do vivido”. 

E, contudo, o que vemos em Eu, Christiane F.? Falsas picadas em primeiro plano, rostos desolados filmados de muito perto, o espetáculo penoso de adolescentes fingindo para a câmera a trip, a abstinência, a prostituição, a morte. E o que é que nos dizem? Coisas verdadeiras, tristes, irrefreáveis, clichês precisamente: que se drogam pelo conformismo (ou pior, por uma desilusão amorosa), que a engrenagem é terrível, que não se consegue sair dela: o baseado leva à dose como o soft ao hard, a dose leva à prostituição que leva novamente à dose, até a overdose final. Essa engrenagem tem causas vagas, mas conhecidas: os pais são indiferentes, as famílias desunidas, um amante vive na casa da mãe, as cidades são inabitáveis, o sexo está em todos os lugares, falta o amor verdadeiro. Tudo isso deve ser verdade. Mas uma coisa verdadeira, quando ela encontra uma amostra sociológica, começa a soar falsa. Porque há também a verdade do cinema, do olhar do cineasta. E uma constatação, mesmo que seja implacável (e essa o é), não é necessariamente a verdade. Senão, seria preciso renunciar à crítica de cinema e trazer tudo abaixo da rubrica “Sociedade”. 

Os drogados não têm sorte. Na vida, eles penam (“Não há drogados felizes” lembra o Dr. Olivenstein depois de ter visto o filme). No cinema, tampouco as coisas são melhores para eles. O drogado — sobretudo a criança que se droga — não é um personagem, é um caso. Não nos interessamos por um caso, nós nos debruçamos sobre ele. Nós nos debruçamos cada vez mais de maneira que tenhamos certeza que não iremos esbarrá-lo. Um cineasta, quando ele começa a filmar um drogado (ou qualquer outro marginal) se transforma em assistente social, em médico ou em policial compreensivo, em um cliente reprimido, jornalista perturbado, em psicólogo: nunca um cineasta. Erro. Demissão. Um “personagem” de drogado, isso não existe no cinema: é proibido à ficção. Só conta o caso, a vítima estática, o problema de civilização. A água do banho conta mais que o bebê. Eis porque um filme como Num ano de treze luas de Fassbinder, outra história de marginais muito infelizes, ou mesmo, em Neige, em que o personagem do travesti carece de algo, nos tocam e nos ensinam muito mais que a pequena Christiane F. A verdadeira Christiane F. foi vítima da droga, a falsa (a atriz se chama Natja Brunckhorst) foi vítima do olhar sociológico. 

Há dois tipos de filmes: aquelas que implicam o espectador (são os melhores) e aqueles que somente o concernem. Esses dois tipos de filmes não têm nada a ver um com o outro. No primeiro caso, o espectador está implicado como indivíduo, como “sujeito”, na sua solidão perturbadora de cliente ingênuo. Ele está implicado pelo que não se deve ter medo de chamar a arte do cineasta: o seu significar, o seu savoir-faire, sua moral. No segundo caso, o espectador está concernido como cidadão, pertencendo a uma comunidade “normal” e que vota. O que fazer perante a droga? Se eu sou um pouco preguiçoso, eu reclamo mais verbas para mais centros de desintoxicação, se eu pertenço ao PCF, eu vou denunciar um pequeno dealer árabe da periferia parisiense (mas, isso foi antes de Mitterrand!), se eu tenho uma bela alma e um coração sensível, eu estou arrasado perante tanta falta de amor. Mas é muito tarde. O amor era preciso antes, antes que a engrenagem começasse a funcionar. O amor acompanha a ficção: nós amamos um personagem, não um caso. 

Eu, Christiane F., drogada, prostituída só tem o nome de um filme. Trata-se de outra coisa: de uma simulação audiovisual que, para ser efetivamente eficaz, deveria passar, numa tarde de grande audiência, na televisão, antes de um debate aonde especialistas viriam gravemente nos fazer esquecer que, durante duas horas, nós fomos voyeurs e nada mais. Então, trata-se de fato de um filme pornô. 

24 de julho de 1981 


Retirado do livro Ciné journal – Volume I 1981-1982, p. 32-35. Tradução: Letícia Weber Jarek.  

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