Três depoimentos sobre Claude Sautet


Jean-Pierre Melville:

Rara é minha amizade. Eu atingi a idade em que não podemos mais dá-la senão numa troca: um cálculo de avarento que só quer seu dinheiro.

Quanto mais cara é a contrapartida, mais a amizade é sólida.

Sautet, ao permitir-me admirá-lo, me fez feliz. Este jovem, cheio de maturidade, deu uma lição de pudor e de eficácia que não parece muito adequada ao momento em que sabemos que só o esnobismo imposto pelos clientes de uma Drug-Store faz e desfaz os talentos e os valores (Uma mulher é uma mulher - Jules e Jim).

Se tenho certeza que em 1965 Claude Sautet será nosso maior cineasta é porque, fora o seu talento, conheço sua coragem tranquila. No caso "Aurel" ele não aceitou nenhuma concessão. E, enquanto que para impressionar película, nós todos conhecemos uma boa centena de pseudo-cineastas que aceitarão todas as infâmias. Sautet, o falso taciturno, tão preocupado quanto seguro de si, espera estar inspirado para filmar.

Mas quando filma, ele põe o coração na obra.

Jamais Lino Ventura pôs tanto o coração num filme como em Como Fera encurralada que, contudo, compartilhou com um Belmondo desconhecido, poderoso e grave, verdadeiro como um homem verdadeiro.

O segredo da criação artística permanece, com a vulgaridade, um dos dois únicos mistérios absolutos. 

Isto não se aprende. Não mais no cinema que em outro lugar. Em 1896, Picasso nunca tinha tomado a menor lição, nem Errol Garner em 1945. 

A estação de Milão, os correios em Nice, a passagem Doisy (cara a Peugeot e a Rolland)  Sautet não os aprendeu nos filmes dos outros.

Imagine um só instante a história se passando nos States e no México ou no Canadá, com Robert Ryan e Sinatra, e me diga se, transposta desta forma, Sautet não seria grande lá!

Me diga se ele não poderia assinar Deus sabe quanto amei, Homens em fúria, Desafio à corrupção ou O segredo das jóias.

Falamos freqüentemente de filmes onde as relações entre homens, a amizade, têm uma enorme importância. Eu acreditei na amizade de Abel Davos e Stark, absolutamente. Ela é interior e não aparece por intermédio dos diálogos. O comportamento dos dois homens explicita seus sentimentos sem que seja necessário que eles falem, um ou outro, de sua amizade. É um pouco por isso que eu não consigo acreditar na amizade de Jules e Jim que, no entanto, falam dela frequentemente.

Evidentemente, eu não oponho a fatura Sautet à fatura Truffaut: o classicismo absoluto e o cinema novo são duas formas da mesma arte. Resta saber se, em 1965, as duas subsistirão ou se uma, só, substirá.


Jacques Doniol-Valcroze:

Eu não posso julgar Claude Sautet em cima de uma visão – já distante – de Como fera encurralada, mas ela basta no entanto para pensar que ele se revelou, de primeira, como um cineasta autêntico.

Acho que o assunto deste filme – e antes de tudo o contexto: série noir se querendo “humana” – penhorava-o muito grosseiramente para que ele fosse verdadeiramente bem-sucedido.

Mas é no detalhe que Sautet salvou o empreendimento e mostrou seus dons: senso do enquadramento, eficácia do estilo de narrativa, excelente direção de atores, precisão do ritmo. E outra coisa mais misteriosa e que surgia, paradoxalmente, em filigrana desta má literatura: uma nobreza do tom, uma delicadeza dos sentimentos, um lirismo.

Michel Mourlet:

O cinema francês parece sair de seu torpor e de suas histerias. Como fera encurralada é o filme de um homem. Não de um adolescente, não de um intelectual, nem de um esteta, nem de um prostituído, nem de um fracassado, nem de um comerciante, mas de um homem. O fato é bastante singular e merece que insistamos: grande admirador de Hawks, declarando: “Eu amo a vida”, Claude Sautet reuniu um certo número de qualidades sólidas, aparentes já no seu primeiro filme, e que sozinhas permitem conduzir bem uma obra lúcida e controlada. Ele é um dos raros, na França, a ter assimilado a lição do cinema americano. Nada de surpreendente, portanto, que ele esteja isolado num meio onde poucas coisas lhe concernem, recusando os contratos mais mirabolantes, exigindo com paciência um assunto que lhe convenha, perpetuamente na busca do natural e do verdadeiro, atento a não se trair. É preciso ter por exemplar, pela sua justeza e sua saúde, um julgamento como este que ele porta com uma espécie de inocência terrível sobre o formalismo falsificado de um Resnais ou de um Antonioni: “É como se eu visse um mágico que faz um número: não resta nada para mim; na vida, não sei o que fazer disso”.

Témoignages publicadas na revista Présence du Cinéma, n°12, março-abril de 1962. Tradução: Miguel Haoni. 

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