A LOVE STORY, o caso Humoresque


Por Mary Ann Doane

A love story é, paradoxalmente, não somente o centro mas também um discurso à margem do cinema clássico hollywoodiano
[1]. É o centro na medida em que o casal é uma figura constante na retórica hollywoodiana e um certo tipo de pacto heterossexual constitui seu modo privilegiado de conclusão. Já sua marginalidade é associada ao seu status de discurso feminino – a love story supostamente “interessa” às espectadoras. O filme de terror, como Linda Williams aponta, impele a menina (ou a mulher) a tapar seus olhos[2]; o sinal de masculinidade do garoto está no fato de que, quando confrontado com a love story, ele desvia o olhar. O cinema perde seu efeito cativante, sua função de sedução. Essa exclusão do olhar masculino pareceria ser fatal no contexto de um discurso institucionalizado que prioriza o registro da subjetividade masculina. E de fato o é, pelo menos no que tange à recepção crítica. É frequentemente relegada ao limbo da história do cinema a narrativa fílmica cuja construção é levada ao extremo da definição de um tema amoroso. 

É evidente que há exceções: os filmes considerados “grandes histórias de amor” – narrativas que geralmente são amparadas pelo peso da História e pela soberania da mise-en-scène, filmes como Gone With the Wind, Reds, Dr. Zhivago. O estímulo da História confere um efeito de propósito, de finalidade – área na qual a love story, devido a sua fetichização ou seu afeto, não consegue se inscrever. A love story comum, em vez de acionar a História como mise-en-scène ou espaço, acaba por registrá-la como subjetividade individual fechada em si. A História é um acúmulo de memórias da pessoa amada, e o eixo evolutivo da representação gera uma relação governada por apenas um par de regras: separação e reconciliação. Situada fora do espaço onde a História concede significado ao espaço, a love story comum é enxergada como oportunista por conta de sua manipulação do afeto a fim de envolver o espectador, puxando ele/ela para dentro do discurso. 

O papel exagerado da música na love story é sintomático dessa aparente insistência num afeto irrestrito. A música é o registro que carrega a maior carga nesse tipo de narrativa; sua função crucial é a de representar o irrepresentável: o inefável. Desejo e emoção – o próprio conteúdo da love story – não são acessíveis a um discurso visual, demandando assim investimentos adicionais da trilha musical. A música expande o que a imagem mostra – o que é excessivo em relação à imagem é equivalente ao que é racionalmente excessivo. A música tem uma função anafórica, sistematicamente mostrando que há mais que significados: há desejo. À música é sempre delegada a tarefa de destacar, isolar os momentos de maior significância, mostrar-nos aonde olhar apesar da falta inevitável do olhar. 

Há, entretanto, algo de assustador num afeto que aparentemente não seja amparado pela significação. O efeito grandiloquente da música (seu esforço em direcionar a leitura da imagem) é extremamente visível – e chega a arriscar a fruição do espectador. É como se a música constantemente anunciasse sua própria deficiência quanto à significação. Cúmplice do excesso de emoção associado à love story, não há dúvida de que a música possa contribuir para a sua depreciação. Isso explica, pelo menos parcialmente, uma tendência muito forte no gênero da love story de criar motivos para uma aparente superênfase da música na definição do protagonista masculino – o objeto do desejo feminino – como um músico. Em filmes como Letter from an Unknown Woman, Deception, Interlude, Intermezzo, Humoresque, e When Tomorrow Comes, o protagonista é um pianista, um violoncelista, um compositor ou um violinista. Transformando a música num componente fundamental de seu conteúdo, deslocando-a do nível extradiegético para o diegético, essas narrativas fornecem uma racionalização da própria forma. Além disso, a localização do personagem masculino como músico traz um benefício adicional. Na love story, o homem passa por um tipo de feminização por contaminação – em outras palavras, ele é emasculado por sua própria presença em um gênero feminilizado. Como Roland Barthes afirma, há sempre algo de “feminilizado” naquele que ama: “no homem que expressa a ausência de outrem algo feminino é declarado”[3]. O escândalo dessa feminilidade masculina é parcialmente amenizado pela construção de um forte laço entre o personagem e a única atividade culturalmente “feminilizada” que lhe é autorizada: a arte. É transformando o homem em um artista respeitado – um músico – que esse subgênero acaba por recuperar algumas de suas inevitáveis perdas masculinas na love story

Dos filmes citados, Humoresque (1946, Jean Negulesco) talvez seja o mais excessivo nessa ênfase dada à música como criadora fundamental de significados afetivos. O filme possui três longas cenas de concertos; em duas dessas cenas, o único outro registro evidenciado, além da música, são reveladoras trocas de olhares entre os personagens. Na extensa terceira e última cena de concerto, a alternância entre as imagens do violinista executando Tristão e Isolda num teatro e as do suicídio por afogamento da protagonista resulta na construção dessa morte como um tipo de espetáculo. A música da performance se torna a trilha musical da cena de sua morte; seus últimos momentos coincidem com as últimas notas do concerto e são sucedidos pelos aplausos da plateia. O tempo narrativo investido e gasto pela música é incomum, mesmo dentro desse subgênero. 

Há, portanto, longos momentos de Humoresque que delimitam um espaço de significação quase que completamente fora da linguagem – linguagem em qualquer forma: diálogo, narração ou imagem. Os pilares significantes das sequências – música e imagem – como sistemas semióticos análogos, geralmente são tidos como discursos de pura afirmação. (....) É notório que a negação é o princípio fundador da linguagem verbal, o que a difere da linguagem de sinais animal e também de outros tipos de discursos humanos, como as imagens. A imagem é um indicador de presença e afirmação – na lógica de Metz, uma imagem de um revólver sempre significa, no mínimo, “Aqui está um revólver”. A love story, duplamente dependente da imagem e da música, aparentaria assim ser um discurso duplamente afirmativo. 

Apesar disso, Humoresque, como um todo, é caracterizado por um trabalho de negação sistemática do olhar feminino e, consequentemente, de recusa e de punição às espectadoras. E como há longas sequências em que os únicos recursos de significado são música e imagem, o filme oferece exemplos esclarecedores da tentativa laboriosa de criação da negação num sistema icônico. Ainda mais precisamente: há por todo o filme traços de desejo de negação. 

A narrativa diz respeito a uma mecenas, Helen Wright (Joan Crawford) e seu romance com o jovem violinista que patrocina, Paul Boray (John Garfield). O desejo entre eles é impossível desde o início – não apenas porque Helen já é casada mas talvez mais particularmente porque ela é a representação hiperbólica de uma sexualidade feminina acentuada, que deve finalmente ser eliminada. Sua presença revela a impotência masculina. Esse excesso, a ameaça criada por sua sexualidade, é estabelecido pela narrativa de várias maneiras. Primeiro vem a noção de que a mecenas é Helen, o que indica uma alteração da tradicional relação de poder homem/mulher no domínio da economia já que o homem aqui é, de fato, “mantido” pela mulher. Em segundo lugar, como já mencionado, Helen personifica uma sexualidade feminina que ignora ou nega limites conjugais e que, por isso, não pode ser confinada numa família. O filme destaca a sua resistência à família ao trazer duas figuras femininas antagônicas: a mãe de Paul, que lhe concede o “presente” inicial do violino e constantemente fiscaliza, com desaprovação, seus comportamentos e atividades sexuais com Helen; e Gina, a convencional e saudável boa-moça, a quem a mãe de Paul já escolheu como sua futura esposa. Em certo momento do filme, a mera presença de Helen, fortemente estabelecida por uma série de planos subjetivos atribuídos a Gina, é suficiente para expulsar Gina, que é incapaz de sustentar o olhar direcionadoa Helen, da sala de concertos. Na saída da sala, é obrigada a passar por uma sequência de grandes pôsteres que mostram Paul segurando um violino. Mas na cena final do filme, closes de Gina, mais uma vez confortavelmente sentada na sala de concertos, e um plano da mãe, chegando atrasada ao seu camarote (espaço anteriormente ocupado por Helen), têm uma direta conexão sintática com o suicídio de Helen. A mãe e a boa-moça, aceitáveis representações da feminilidade, juntam suas forças a fim de afundar a representação da sexualidade feminina acentuada.


Poderia parecer uma punição muito drástica, mas sua transgressão é enorme e é representada não somente por seu alcoolismo – Helen bebe excessivamente e é raramente mostrada sem um copo nas mãos (ela bebe como um peixe, poderiam dizer). Sobretudo, o perigo que ela representa tem a ver com o fato de que ela abala e inverte a oposição entre espectador e espetáculo em termos de um alinhamento com a diferença sexual. Helen é o agente da escopofilia – ela prende Paul Boray em seu olhar. Ele toca, ela assiste. Mas sua apropriação quase violenta do olhar não permanece inalterada. Ela é representada como míope (os momentos de sua transformação de espetáculo em espectadora assim capturados e restritos por sua visualização no ato de colocar os óculos) e é eventualmente retirada da narrativa, sua morte associada à de um ponto de vista. Sua miopia simboliza a malícia de sua ligação escopofílica ao homem. Há uma dificuldade no olhar, principalmente em relação ao da mãe, cujos olhares constantes ao filho – geralmente expressando reprimendas morais – também são evidenciados pela narrativa. A mãe de Paul é, par excellence, a mãe fálica – seu olhar é o olhar da sabedoria. Quando ela vê Helen pela primeira vez no recital de Paul, ela percebe imediatamente o perigo que essa mulher representa para o seu filho, e seu olhar a Paul exprime essa constatação. A mãe é representada como uma coleção de aforismos que só podem ser tidos como clichês – quase bordões, sabedoria em sua forma mais primária, incapaz de transformação: “Eu tenho olhos, eu vejo o que está acontecendo”; “Eu não nasci ontem; você não me engana.” Esses aforismos clichês se relacionam ao ver e ao saber, e dão à mãe certo fundamento epistemológico. Ela vê, ela sabe. A visão de Helen, por outro lado, é turva, distorcida, alterada.
Fotogramas 1 - 3

Os óculos emolduram os olhos de Helen de várias maneiras. Eles estabelecem seu olhar como anormal ao visualizá-lo como um gesto único – garantindo assim que ela sempre possa ser pega no ato de olhar. Entretanto, esse emolduramento específico e bastante literal do olhar é apenas uma de uma série de incessantes e elaborados processos de emolduramento que são concebidos para conter uma anormal e excessiva sexualidade feminina. Posto que emoldurar é a estratégia prioritária do filme quando deseja simultaneamente afirmar e negar. No momento em que Helen vê Paul pela primeira vez, ela está em frente a um espelho de moldura bastante ornamentada (fotograma 1) – um espelho que reflete o objeto de seu olhar, Paul. Há um corte para um plano de Paul tocando o violino (fotograma 2), e o contraplano de Helen colocando seus óculos (fotograma 3). O espelho posicionado atrás de Helen assegura que enquanto ela mantém Paul sob seu olhar, podemos mantê-la sob o nosso – sua condição de sujeito coincide com sua condição de objeto. O espelho tem a função de reduzir a necessidade de um longo contraplano que não apenas tiraria de Helen o olhar do espectador mas também feminilizaria o homem como espetáculo. Na moldura geral do filme, Helen é emoldurada ainda mais precisamente pelo olhar masculino. Quase toda vez que Helen é posicionada como espectadora e olha intensamente, um homem a observa no ato de olhar – uma estratégia que é uma negação do olhar de Helen, de sua subjetividade em relação à visão. O olhar masculino apaga o da mulher. Isso é, às vezes, atribuição da mise-en-scène (fotogramas 4 e 5) e outras vezes é função da montagem (fotogramas 6, 7 e 8).

Fotogramas 4 - 8








Nesses casos, o controle vem da periferia da imagem (ou ainda: da periferia da narrativa). O poder do olhar é exercido nas margens da moldura, e é por esse processo que o olhar feminino é posto entre parênteses – daí a agressividade da mise-en-scène. Esse procedimento reproduz, na diegese do filme, a relação entre filme e espectador como resumida na conhecida declaração de Bazin: “o objetivo do plano não é ver o que ela olha, nem mesmo o seu olhar – é olhar o seu olhar”. Heath se refere a esse “olhar o olhar” como uma “segurança totalizadora”, como o “elo de uma coerência da visão”[4]. Essa força totalizadora e a organização da visão trabalham a fim de suprimir, ou pelo menos conter, o olhar feminino.

Fotogramas 9 e 10








Aqui a dinâmica das molduras estende-se até a escrita, daí a possibilidade de negação num sistema icônico. A força dessa contenção e a busca pela negação indicam um momento preciso de perigo ideológico – quando a mulher se apropria do olhar. A tendência então é de reproduzir, rearticular molduras e processos de emolduramento em todos os lugares. Essa dinâmica das molduras se torna particularmente obsessiva na cena-clímax do filme – especialmente após o momento final de diálogo que introduz a longa sequência de Tristão e Isolda (que, como mencionado anteriormente, é constituída somente pelos materiais significantes da música e da imagem). Sem ninguém por perto, Helen se vira em direção à câmera (embora seu olhar se fixe um pouco mais ao lado) e propõe um brinde (fotograma 9) – um brinde que só pode ser direcionado à plateia ou, mais precisamente, às espectadoras: “Um brinde à época em que éramos meninas e ninguém nos pedia em casamento!” A essência de primeira pessoa do plural desse discurso é logo golpeada por processos de emolduramento quase histéricos. Helen vai até o outro lado da sala e abre um álbum com uma foto de Paul (fotograma 10). A representação de Helen (a pintura na parede) domina o quadro; assume e repete, em sua própria configuração, a posição de sua cabeça olhando para a foto de Paul. Seu olhar ativo se torna recatado, como quando uma mulher se sabe observada – assegurado pela repetição de um gesto naturalizado na mise-en-scène por uma moldura diegética. Mas esse colapso narcisista entre o sujeito e o objeto da visão se torna ainda mais pronunciado quando logo depois Helen volta a ser assombrada por sua própria imagem. O plano (fotograma 11) é do reflexo de Helen numa porta de vidro, o oceano ligeiramente perceptível ao fundo do plano. Sua imagem é emoldurada pelo gradil barroco da porta. Helen ergue seu copo (fotograma 12) e o lança pela porta, libertando seu reflexo do aprisionamento (fotograma 13) – ainda que apenas momentaneamente, já que há imediatamente um corte para o outro lado da porta e Helen é duplamente emoldurada pelo gradil e pelo buraco que ela mesma criou (fotograma 14). Helen consegue quebrar sua própria imagem refletida (o objeto do seu olhar), apenas para que produza outra moldura (o buraco no vidro) através da qual se torna visível, emoldurada para o espectador. O insistente e obsessivo emolduramento indica o quão inevitável é a contínua transformação da mulher de sujeito do olhar em objeto do olhar. E aqui, nessa cena que precede seu suicídio, a sintaxe do filme declara que a transformação do feminino em objeto – emoldurado e fetichizado – equivale à morte.

Fotogramas 11 - 14







O plano inicial dessa sequência que mostra o reflexo e a reação de Helen a seu próprio reflexo e o plano discutido anteriormente, em que a necessidade de um contraplano é eliminada pelo espelho atrás de Helen, têm propósitos similares. Ambos planos buscam fundir as divisões que a montagem cria entre aquele que vê e o que é visto – em suma: fundir o plano e o contraplano numa única imagem. Eles produzem uma certa confusão de sintaxe ou dissolução da diferença que só pode ser corrigida, reparada pela morte de Helen. Esse tumulto de códigos é replicado também na trilha sonora; ali o diegético tende a se misturar ao extradiegético. Na primeira parte da cena, Helen escuta a versão de Paul para Tristão e Isolda que é transmitida pelo rádio. A fonte da música é claramente diegética – justificada e localizada. No entanto, durante sua caminhada até a praia, a música, em vez de tornar-se mais baixa devido à distância do rádio, parece intensificar-se e assim torna-se a música extradiegética que acompanha sua morte. Mas essa transição de diegético para extradiegético é revertida mais uma vez. Com o gesto de Helen colocando suas mãos sobre os ouvidos a fim de abafar o som, a música se torna subjetivizada, psicologicamente motivada, e mais uma vez diegética. A música como um objeto cruel, como o lugar da autocomiseração de um afeto excessivo, é limitada por seu confinamento à subjetividade feminina. 

O esquema de fusão de plano e contraplano e confusão entre diegético e extradiegético estão diretamente ligados à subjetividade feminina. Pois a feminilidade excessiva é precisamente aquilo que não respeita limites ou barreiras – ou molduras. Há um subtexto constante no filme que parece resistir às implicações epistemológicas da moldura: uma ênfase em líquidos e na fluidez. Helen bebe excessivamente e está sempre servindo drinks a si mesma ou aos outros. Mas a temática dos líquidos não está contida ou restrita em sua caracterização como alcoólatra. Além da grandiosidade de temas como água/sexualidade/morte invocada no final do filme, há traços dessa obsessão com fluidos atravessando toda a narrativa. Mais ou menos na metade do filme, há uma fixação atípica e nada contida nos anéis de água deixados na mesa por um copo de martini. Muitas transições de uma cena a outra são criadas como transições de um fluido a outro – por exemplo, o corte de Helen colocando água com gás num copo para a rebentação das ondas na praia ou do chuveiro com vazamento no apartamento, que Helen dá a Paul, para o jorrar de uma fonte. Essa ênfase nos fluidos parece se relacionar à sexualidade acentuada de Helen. Na medida em que indica aquilo que excede formas estabelecidas, limites ou barreiras, evoca a construção da feminilidade descrita por Luce Irigaray em seu ensaio The Mechanics of Fluids. Nesse ensaio, Irigaray aponta na ciência um atraso histórico na elaboração de uma teoria dos fluidos e uma “cumplicidade de longa duração entre a racionalidade e uma limitada mecânica dos sólidos”. Sua associação da feminilidade ao que ela chama de “reais propriedades dos fluidos” – fricções internas, pressões, movimento, uma dinâmica específica que torna um fluido não-idêntico a si mesmo – é, com certeza, meramente uma extensão e uma reprodução de uma construção patriarcal da feminilidade. Mas é certamente uma construção presente em Humoresque, que constantemente formula e reformula a sexualidade feminina como uma relação que excede limites ou barreiras. No plano em que o reflexo de Helen é sobreposto ao oceano visto pela porta de vidro, o oceano se torna a imagem espelhada de Helen. E ter a sexualidade feminina, essa excessiva, neutralizada por sua própria imagem revela o propósito do filme – e da love story em geral – como uma demonstração tautológica da necessidade de falha do desejo feminino. 

E ainda assim há certos vazamentos. A lógica de constante diminuição do desejo e da subjetividade feminina parece ceder à força sob o insistente endereçamento às mulheres próprio da love story. O fato de que Helen recebe um limitado mas direto discurso às espectadoras – um discurso que evoca uma época anterior à dupla amarra do pedido de casamento, uma época em que a “menina” ainda não precisa carregar o fardo da “feminilidade” – indica que há algo estranho. Helen não está sujeita a um processo de reforma. Ela deve morrer porque seu excesso é irremediável. 

A morte da protagonista não é exatamente incomum no subgênero da love story. Entretanto há outras formas de se chegar a um desfecho que parecem ser, pelo menos na superfície, mais piedosas, mas que são muito mais problemáticas. A mais marcante dessas estratégias é a de “permitir” que a mulher escolha entre dois homens (ela invariavelmente escolhe o homem “certo”, fazendo com que essa categoria de filmes seja caracterizada pelo “final feliz”). O ato de fazer uma escolha é estruturalmente determinante em filmes como Daisy Kenyon (1947), Kitty Foyle (1940), e Lydia (1941) (embora em Lydia a mulher prefira não fazer uma escolha já que o homem que ela realmente ama não se lembra dela). 

[1] Os filmes discutidos nesse capítulo incluem: Intermezzo (Gregory Ratoff, 1939); When Tomorrow Comes (John Stahl, 1939), The Letter (William Wyler, 1940); Kitty Foyle (Sam Wood, 1940),Waterloo Bridige (Mervyn LeRoy, 1940); Back Street (Robert Stevenson, 1941); Lydia (Julien Duvivier, 1941); Now, Voyager (Irving Rapper, 1942); Leave Her to Heaven (John Stahl, 1945); The Enchanted Cottage (John Cromwell, 1945); Love Letters (William Dieterle, 1945); Humoresque (Jean Negulesco, 1946); Deception (Irving Rapper, l946),The Strange Love of Martha Ivers (Lewis Milestone, 1946), Daisy Kenyon (Otto Preminger, 1947); Letter from an Unknown Woman (Max Ophuls, 1948); The Heiress (William Wyler, 1949); My Foolish Heart (Mark Robson, 1949), Madame Bovary (Vincente Minnelli, 1949). 
[2] Linda Williams, "When the Woman Looks," in Re-vision: Essays in Feminist Film Criticism, ed. Mary Ann Doane, Patricia Mellencamp, and Linda Williams (Frederick, Md.: University Publications of America and The American Film Institute, 1984), p. 83. 
[3] Roland Barthes, A Lover's Discourse, trans. Richard Howard (New York: Hill and Wang, 1978), p. 14. 
[4] Peter Wollen, "Godard and Counter Cinema: Vent d’Est" in Readings and Writings: Semiotic Counter-Strategies (London: Verso Editions and New Left Books, 1982), p. 83.

O excerto A LOVE STORY, o caso Humoresque foi publicado originalmente no livro The desire to desire – The woman’s film of the 1940s de Mary Ann Doane. Tradução: Leodoro Camilo-Fernandes.

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