Huston e Bresson

Moby Dick (John Huston, 1956) e Um condenado à morte escapou (Robert Bresson, 1956)

Por Éric Rohmer

É uma empresa temerária levar às telas uma grande obra romanesca. Será por azar ou pelo efeito de uma lei nada simples de se superar que tantas obras-primas literárias, uma vez colocadas em imagens, se encontrem menos profundas, menos poéticas, menos ricas em sutilezas psicológicas que um filme tirado de uma peça de boulevard ou de um romance policial ruim? A verdade é, via de regra, que esse tipo de empresa atrai menos os cineastas de talento que os medíocres e os hábeis, desejosos de emprestar a seu modelo uma glória que não podem extrair de si mesmos.

Que não se pense, contudo, que eu pregue pelo filme de “autor". A direção é uma arte por demais difícil para que um espírito original e respeitoso (um não exclui o outro) possa nela dar toda a medida de seu gênio. Mas esse gênio se arrisca ser esmagado pela sombra daquele sob o qual se abriga. John Huston, que começou como roteirista, é um homem de gosto, a julgar pela lista de temas de que tratou. A ele a honra de ter levado à tela, sem trair seu espírito, um dos melhores romances policiais que existem: O Falcão Maltês, de Dashiell Hammett. Além do mais podemos, através de seus temas favoritos, descobrir uma constante: a ideia do absurdo do mundo e da fragilidade do esforço humano, do "fracasso", como adoram dizer seus comentadores. Eis uma filosofia, aparentemente, mais sedutora que esse otimismo beato que se adorava denunciar ainda há pouco nos filmes hollywoodianos. Se a cota dos valores cor-de-rosa abaixa na América, é a Huston e a alguns outros que se deve o mérito.

Moby Dick pode assim aparecer como uma das obras mais apropriadas a inspirar a imaginação de um cineasta. O símbolo que representa a luta do capitão Ahab contra o monstruoso cachalote branco nós o reencontramos, em estado embrionário, em numerosos westerns, filmes policiais e documentários de todos os tipos. Mas, por uma amarga ironia do destino esse mito, que sob a pluma de Melville nos abrira todos os seus tesouros, resseca-se assim que tocado pela objetiva. Não resta senão uma grande maquinaria de ópera, precisamente digna de um conto de "ficção científica". Seria preciso concluir disso que o filme não pode lutar contra o romance com armas iguais e, no caso presente, que o luxo da metáfora que constitui o valor do próprio modelo lhe é proibido para sempre? Reparemos que se o escritor usa a comparação, é para tornar mais presente aos nossos olhos o que não pode evocar senão com a ajuda das palavras que são todas, em certa medida, mentira. O poeta suscita o verdadeiro com a ajuda do falso, enquanto que o cineasta, escravo da aparência, pode somente sugerir, a partir do verdadeiro, uma infinidade de metáforas latentes. Convém ainda que essa verdade seja mostrada sem truques ou, pelo menos, já que a arte não pode prescindir de certa trucagem, que o cineasta saiba esconder-se com a modéstia necessária para fazer brilhar o que mostra com todo o seu fulgor natural. E se esta poesia é, penso, impossível de conquistar de imediato, talvez ela tivesse surgido de uma descrição rigorosamente precisa, talvez ela tivesse sido dada como acréscimo a quem, mesmo tão seco e pouco lírico como Huston, não tivesse ignorado o peso de um harpão, confundido com a plácida baleia o fogoso cachalote.



A quem duvida, o último filme de Robert Bresson, Um Condenado à morte escapou (ou O vento sopra onde quer) vem oportunamente nos dar a resposta. Baseado nas memórias do comandante Devigny, evadido do forte de Montluc durante a ocupação, o filme tem, na precisão do comentário e da imagem, a secura de um manual. O caráter documentário e didático é aos meus olhos seu primeiro mérito, aquele do qual nascerão os outros, erronea ou corretamente mais estimados. Falou-se bastante da ascese bressoniana. O autor de As Damas do Bois de Boulogne poda de tudo que é supérfluo sua proposta, que não é necessariamente a de um esteta, de um puro formalista. Todas as artes tiveram, no decurso das eras que chamamos clássicas, uma boa relação com seu tempo. Tal retrato ou tal quadro de batalha do século XVI ou XVII é um documento, sem por isso deixar de ser uma obra, enquanto que Guernica nos ensina mais sobre Picasso que sobre a guerra da Espanha, qualquer que seja o pintor. Um Condenado à morte escapou é portanto não somente um dos mais belos filmes inspirados pela última guerra, mas uma das raras grandes obras advindas num tempo onde a reportagem se arroga uma função outrora atribuída à arte.

Ao rodar Diário de um pároco de aldeia, Bresson enriqueceu o patrimônio do cinema. Ele lograva onde Huston acaba de falhar, mas cometia o mesmo erro de intenção: não se trata de um empréstimo das outras artes que enriqueça o cinema, mas sim de que o cinema enriqueça a arte inteira. Se nos nossos dias muitos romances empalidecem ao lado da reportagem, é que a pluma do romancista perdeu a ciência de fazer, como nos tempos de Daniel Defoe, de uma aventura vivida a matéria de uma obra durável; e frustrados em nossa sede de absoluto, preferimos a areia do hebdomadário ou do jornal diário ao mármore do livro. É da areia, pelo contrário, essa experiência, depois de outras mil, nos ensina, que o cinema tira seu mármore mais puro.

Bresson, não tendo mais por patrão um autor mas os próprios fatos, serve-se deles como garantias de um verdadeiro que pode, assim, deixar de ser verossímil. Ele se omite de nos mostrar todos, ainda que o modo com que Fontaine se desembaraça da sentinela alemã fizesse parte da própria técnica da evasão; ele substitui ao efeito que teria tido a cena do combate este outro efeito que é sua elipse mas, de todo modo, em favor da continuidade musical de um filme em que a banda sonora tem, de certa forma, prioridade de passagem. A estética, e isto é legítimo, tem a última palavra em relação ao documento: volto à minha comparação com as pinturas de batalhas. Pouco importa que o belo se afirme, eventualmente, em detrimento da clareza científica: o essencial é que ele não se sirva senão da ciência, no caso a da evasão, sua origem.


Semelhante ao Robinson em sua ilha, o tenente Fontaine refaz a primeira e mais nobre conquista do homem: a da ferramenta. O "milagre dos objetos" é obra da vontade ou de uma atenta Providência? Podemos encontrar ainda essa referência à intervenção divina, tanto no filme como na obra de Defoe, da qual Bresson retoma curiosamente a filosofia. Mas essa filosofia não é outra senão aquela do famoso "paralelismo" leibniziano ao qual se refere implicitamente toda a arte do Ocidente desde a Renascença.

Creio que Bresson - homem do século XVII - esteja tão bem, senão mais a vontade nesse caso moderno quanto com A Princesa de Clèves, que ele pretendia rodar há três anos. Amo demais o cinema para não preferir aquelas dentre suas obras que nos propõem um tipo de beleza de que não encontramos nenhum exemplo em outro lugar. A pintura de uma vontade vitoriosa, no "papel", parece a alguns menos profunda, menos trágica, sem dúvida menos moderna, que a do absurdo e do fracasso, tirada por Huston de Melville. Seria honrar-lhe em demasia atribuir somente à sua filosofia, nascida da admiração literária mais que das próprias coisas, a mediocridade do filme Moby Dick. Mas creio que o cinema ainda não tirou de uma concepção de mundo otimista, ingênua, clássica todas as ilustrações que esta comporta. Quer eu esteja ou não errado, o fato é que o romance de Melville, retirando seu sentido da coisa vista e sua forma da poesia antiga, é mais um exemplo a seguir que uma matéria bruta a pilhar. Que o cineasta aprenda a voltar às fontes, ou seja, às atualidades, à literatura de circunstância sem com isso, como gostariam alguns, por prevenção ou excesso de amor, pactuar com o melodrama. Louvemos sobretudo Bresson, o mais refinado, o mais cultivado autor de filmes por ter, a julgar pelo favorecimento unânime que encontrou esta última obra, reconciliado as pessoas de bom gosto com o cinema, cinema para quem, bem a contragosto, não podemos amiúde declarar senão "culpado". Se o filme de John Huston vem enriquecer o dossiê da acusação, cem vezes mais precioso é o aporte de Bresson ao da defesa.

Huston et Bresson foi publicado originalmente na revista La Parisienne nº 40 em janeiro de 1957 e republicado na coletânea Le sel du présent, organizada por Noël Herpe.Tradução: Eduardo Savella.


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