A morte certa ou elogio da geografia


Por Serge Daney 


1. O amor à geografia

Aqui, é preciso considerar o caso — frequentemente citado como objeto de escândalo — dos que empreendem uma viagem ao fim da noite com um livro debaixo do braço (guia turístico ou diário). Aqueles para quem o real é uma terra prometida, o concreto, o que é preciso conquistar, e todo filme, uma maneira de viagem, eterno vai e vem entre as ideias e os sentimentos, o mapa e o território. Cineastas da viagem, eles mesmos viajantes, que estão sempre em seus últimos preparativos, nos itinerários e na febre da partida. (Citemos, de partida, toda uma fração importante do jovem cinema francês: Rohmer, Resnais, Demy, Rouch e, justamente, Jean-Daniel Pollet).

Seu cinema é como o espetáculo — em câmera lenta — de quem vai lançar-se à água. (O que mais se espera de um cineasta? Isso vai desde o admirável prólogo de La Pyramide humaine até o último Robbe-Grillet, que é sua caricatura anódina.) Um homem que vai lançar-se à água, sabendo tudo o que é possível saber sobre a temperatura da água, a altura do trampolim e a arte da natação. Observar-se-á, no entanto, que ele frequentemente se afoga, que o mais leve movimento da vida basta para inverter as bequilhas, para tornar inútil toda precaução e tornar as realidades a abarcar mais rugosas que nunca. Mas sabemos que os grandes viajantes só preparam tudo pelo prazer de ver seus planos contrariados. Abertos a todas as surpresas, prontos a fazer com que todo acaso entre no quadro de uma experiência.

“Homens do risco e da navegação ousada”: para eles, não há partida sem bagagens, travessias sem diário de bordo, experiência sem diário, filme sem ideia — ou preconceito — de partida. Cineastas que redescobrirão incessantemente a América partindo para as Índias, mas que não teriam descoberto absolutamente nada sem esse contratempo, e que, aliás, sabendo disso, preparam sempre seu “próximo erro”, encarregando a vida dos cuidados de reordenar ou desordenar tudo e de fazer, assim, o cinema.

2. A espera, o esquecimento

Jean-Daniel Pollet também é aquele que não poderia intervir. Ele parece sempre nos advertir: o que ele filma não é sua obra, na verdade, ele seria o primeiro a ser surpreendido, o cantor da beleza e não seu fabricante. Esse tempo — infinitamente suspenso —, que é o de seus filmes, não é um efeito da arte, mas como que uma lei da natureza, lei um pouco oculta que exige uma parte de espera antes que as coisas falem. A câmera de Pollet é um microscópio que não termina de analisar isso. Trata-se de deixar as coisas falarem, mesmo que recolhidas em seu silêncio, trata-se de deixá-las viver mesmo que toda duração as gaste, as corrompa… Pois o trágico está justamente nisto: que a verdade e a morte sejam igualmente uma questão de tempo. Dirigir-se a uma é deixar-se vencer pela outra. É pelo tempo que o olhar se faz mais justo, é pelo tempo que o objeto do olhar se deteriora. O cineasta torna-se aquele que restitui o peso da vida pela certeza da morte. Portanto, Pollet seria o cineasta do inexorável: que tudo se encaminha a um grande vazio que é a morte e que a vida só começa realmente em vista desse abismo. A arte, o cinema, consiste, pois, em precipitar-se nele em câmera lenta. O real é um alimento perecível…



O que se gasta, o que não cessa de terminar… Pollet é o cineasta dos últimos momentos “antes que…”. Ele filma entre a condenação e a morte. Tudo é suspensão, agonia próxima, última palavra antes do silêncio. Desde então, fazer um filme consiste em ganhar um pouco de tempo, em retardar o desfecho: mas é sem grandes ilusões, pois só acontece o que deve acontecer. Falávamos de viagens e trata-se precisamente da mais grave de todas: estamos sempre na gravidade da partida, nas últimas poses (mesmo no quadro de um filme claramente paródico como Rue Saint-Denis). O essencial é morrer de sua morte, daquela que secretamos como um veneno ao longo de toda a vida. Nada em comum com a morte segundo Godard, esse acidente banal e insípido, assustador porque não podemos acreditar nele. Antes, seria preciso citar Rilke: “Outrora, sabíamos — ou talvez apenas pressentíssemos — que contínhamos nossa morte como o fruto seu caroço”. Assim, cada impulso se quebra por si mesmo e, na areia das praias, cada onda morre segundo seu desenho. Importa somente adivinhar o cadáver futuro sob um corpo tão pouco presente (é assim que Pollet utiliza Françoise Hardy em Une balle au cœur), o ricto sob o sorriso. Disso decorre uma arte mórbida e pura, que se pode recusar em bloco, mas cujos ecos podemos encontrar em Astruc (Evariste Galois), Zurlini (Journal intime) ou mesmo Ludwig (Gun Hawk): cinema da decomposição dos movimentos e dos corpos quando a câmera faz amor com cadáveres.

3. Os últimos homens

Um pouco depois, Rilke escreve: “Tinha-se sua morte, e essa consciência lhes dava uma dignidade singular, um orgulho silencioso”. Os personagens de Pollet são homens (jovens) sozinhos. Eles sabem que vão perecer e isso só os torna mais atraentes. A respeito deles, é preciso sempre admitir que têm uma vida íntima, oculta, que não a revelarão por timidez ou que silenciarão por orgulho. Mas eles se beneficiam do crédito de que todo homem frente a frente com a morte usufrui (cf. Genet). A câmera não poderia ir além de seu rosto e eles não poderiam ir além de seu silêncio, ou, se eles falam (Le Horla), é para contradizer-se tanto que as pistas se embaralham. O que os faz agir (Pourvu qu’on ait l’ivresse), correr (Une balle au cœur) ou agitar-se desesperadamente (Le Horla) só diz respeito a eles. O cineasta (portanto, o público) não saberá mais que isso.

Eles fazem pensar um pouco neste personagem de Johnny Guitar que, mortalmente ferido, nota tristemente que é a primeira vez que prestam atenção nele. Tanto e de tal forma que ele pode duvidar deles e de seus segredos. Talvez eles cabotinem de modo ultrajante, talvez eles sejam vazios e ocos (mas o que é oco é profundo), preocupados somente em “fechar com chave de ouro”, ao termo de um belo declínio, de uma decadência fotogênica? Então, eles teriam a coragem dos covardes: preparar infatigavelmente seu perecimento, sempre falar de viagens sem jamais partir…



Em um conto (intitulado justamente O segredo), um personagem de Tanizaki Junichiro confessa: “E eu concebia a ideia de que, simplesmente eclipsando-me do mundo e compondo para mim um segredo artificial, eu poderia dar a minha vida certa nota romântica de mistério”. A impostura não está longe: os atores aceitam posar, o cineasta aceita não questioná-los. Eles estão lá para serem filmados, não compreendidos. Compreende-se que, nessas condições, a câmera não tenha nada a acrescentar, pois ela é a primeira testemunha, portanto, o primeiro cúmplice. Quanto aos personagens de Pollet, eles amam considerar-se como os “últimos homens”: a morte de Francisco é a morte de Montelepre, portanto, o fim de um mundo. A loucura de Terzieff é a vinda do Horla, portanto, a desaparição do Homem. Como se vê, a morte é seu mais belo álibi.

4. As pedras

Mas e quanto às civilizações? Sabemos que elas são mortais. Pollet nos confirma que estão mortas: se ele passeia em torno do Mediterrâneo, ele só vê ruínas e vestígios. Signos cujo sentido foi perdido e isso é ainda melhor, pois o segredo que importa é o que levamos para o túmulo e a testemunha séria é a que está sempre lá e que se cala. Pollet filma as pedras como filma os homens, talvez com mais fervor. É difícil impor silêncio aos homens, é difícil fazer uma pedra falar. No entanto, é onde Pollet aparece em sua melhor forma, Bassae. É que os homens amam a tagarelice: entregar-se, emocionar-se, comentar-se a perder de vista… O Homem talvez seja apenas — cf. Le Horla — um acidente da paisagem, muito imperfeito, vulnerável e provisório, belo se se cala, tedioso se se justifica…



Levaremos o cinismo até a pretensão de que as pedras são superiores aos homens? Isso seria propriamente escandaloso. Pois elas também são apenas, como vemos, acidentes da paisagem na estrada do viajante. Graças a elas, ele pode impunemente pensar em outra coisa.

La mort sûre et l’éloge de la géographie foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma, n° 188, março de 1967. Tradução: Rafael Zambonelli. 

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