Chantal Akerman: Do Oeste



Por Dominique Païni 

Curiosa época essa pouco sensível às ondulações, às alternâncias de uma aventura estética. No entanto, ao que tudo indica o ecletismo não é estranho à obra de artistas do século XX. 

Curiosa época que se distingue ao prever tudo, a tudo pressagiar e decidir antecipadamente o interesse ou o êxito de uma obra na medida de um quadro intangível no qual inscrevemos dogmaticamente e previamente o trabalho de um artista. 

Os comentários críticos sobre o último filme de Chantal Akerman são o exemplo desses bloqueios de avaliação. A priori, esse filme não poderia ser de Akerman... de tanto que suas condições de produção excluíam toda possibilidade de marca singular. 

Chantal Akerman é uma grande figura do cinema moderno: rarefação de efeitos, fascinação urbana, coreografia de corpos apaixonados, rigor minimalista do enquadramento, interrogação das situações contemporâneas de enclausuramento. Os espectadores e críticos sempre tendem a esperar muito pela repetição, a tranquilizadora renovação dos mesmos efeitos de estilo, sem ponderar que essa expectativa pode engendrar a asfixia para um artista. Os mesmos não deixam de lamentar, de censurar a fossilização, a autocitação, o maneirismo e as receitas estilísticas. Chantal Akerman é uma cineasta cujo estilo é bem facilmente identificável, mas mais complexa do que deixa supor uma pretensa “maneira Akerman”. 

Do Leste é o filme que precede Um divã em Nova York. Ele é radical e lírico, minimalista e aterrorizante. Como imaginar que Akerman pôde oferecer dois anos mais tarde uma obra cuja referência não é mais a ansiedade social e cultural da Europa pós-comunista mas o nascimento do amor entre uma jovem dançarina parisiense e um psicanalista nova-iorquino? Os travellings sistemáticos e os planos fixos das estradas desertas quase straubianos não prefiguravam os movimentos fluídos de câmera no interior de apartamento pitorescos, ou deliberadamente estereotipados, reconstituídos em Babelsberg. Da miséria que ameaça o Leste, Chantal Akerman passou sem avisar à futilidade do Oeste! É provavelmente inadmissível em nome de uma Política dos Autores que se tornou definitivamente muito correta.

Chantal Akerman já tinha demonstrado seu talento de cineasta de comédia, senão mesmo, de cineasta cômica: Golden Eighties (1985), depois de uma maravilhosa maquete do mesmo filme: La Galerie. O apartamento de Samy Frey (A Mudança, 1992) e os inúmeros momentos de outros filmes provaram esse talento capaz de transformar situações autárquicas em catástrofes keatonianas.


Curiosa época então: Chantal Akerman varia, reaparece a cada filme de maneira decididamente inesperada, e confronta-se com a incompreensão e a expectativa necessariamente frustrada. 

Então, é preciso começar do zero com sua obra e considerar esse último filme esquecendo momentaneamente aqueles que o precederam? Apenas momentaneamente, pois é quase certo que essa inocência voluntarista do espectador se opõe à obra inteira. Pois, no fundo, há nesse Divã uma mesma radicalidade, um mesmo empreendimento de redução minimalista. Não é mais a paisagem europeia, perturbada pela queda do comunismo, que é submetida a uma escrita radical, é um gênero cinematográfico, ele também extinto. A cineasta pega emprestado o gênero da “screwball comedy” dos anos trinta hollywoodianos e lhe submete às leis do cinema moderno europeu que não está longe de ser por si só um gênero para os cineastas americanos contemporâneos fascinados pela Europa. 

Diríamos: impossível não pensar em Lubitsch? Mas, afinal de contas, por quê? A referência à “screwball comedy” é suficiente? Na verdade, as relações estilísticas são mais profundas. Como Lubitsch, e particularmente em Ladrão de Alcova, trata-se menos de um encontro de corpos (aqui precisamente, trata-se mais do seu cruzamento e seu distanciamento) que o de sua extensão imobiliária. Conhecemos o imaginário imobiliário de Chantal Akerman, verdadeira poética do espaço. É frequentemente a tensão e a relação entre os espaços que a cineasta mostra. O Quarto, Jeanne Dielman, o apartamento de Samy Frey e o de L’Homme à la valise (1983), os quartos de hotel de Anna... Ela se preocupa principalmente com a cenografia. Aqui são duas experiências – o americano em Paris e a francesa em Nova Iorque – de apropriação de um espaço por corpos estrangeiros. Ela filma então, ainda, uma coreografia. Então, estamos assim tão longes de seus filmes anteriores? É um acaso que Chantal Akerman encontrou um dia Pina Baush? 

São duas autarquias que se afrontam em Um divã em Nova Iorque. Mesmo se o americano e a francesa não são verdadeiramente autárquicos. A mise en scène de Akerman alterna entre dois espaços fechados. Clausura acentuada pelo efeito “estúdio”, até a asfixia dos dois personagens, cuja deliciosa liberação final se realizará pela... sacada (lírico movimento de câmera para trás, para deixar os dois corpos enfim reunidos). 

Qual é, no fundo, o verdadeiro tema do filme? Mais uma vez, o amor à primeira vista, ainda que poucos filmes da realizadora de Toda uma noite (1982) – este filme feito de abraços brutais - tenham feito frontalmente desse o seu tema. Toda uma noite ou Retrato de uma garota do fim dos anos 60 em Bruxelas (1993) são filmes sobre o estiramento, a dilatação, a lentidão temporal que resulta da queda na paixão. Também são filmes sobre o destino da palavra na aventura amorosa.

Para Juliette Binoche, dançarina, frente os pacientes, a palavra prima sobre os efeitos tranquilizadores do sábio domínio de si do psicanalista profissional (as visitas “médicas” lembram as visitas “amorosas” de Jeanne Dielman). Por outro lado, o psicanalista, inclinado a detectar em todos os lugares a linguagem, fica literalmente sem palavras para declarar seu choque amoroso. Do roubo das suas bagagens à desarrumação de suas roupas, seu amor à primeira vista se traduz aliás numa ruína generalizada. É preciso relembrar que Chantal Akerman, mulher de palavra, cineasta da escrita cujo livro constitui um evidente fundamento cultural e espiritual, deve saber muito sobre o que pode arruinar, dessa maneira, a expressão? Amar até não poder mais falar. 

Um divã em Nova Iorque é uma história de amor como o cinema contemporâneo raramente nos oferece: Chantal Akerman sabe descrever – como sabiam os cineastas de gênero hollywoodianos – a perturbação amorosa, a inocência ou o desconhecimento do amor do outro, a ansiedade de não ser amado pelo outro na medida do seu próprio elã, os quiproquós e as usurpações involuntárias que desencadeiam a paixão, os signos exteriores da “decadência” que acompanham a queda amorosa. 

Um divã em Nova Iorque é uma obra ferida. Os acasos da produção não serviram à desenvoltura da cineasta. Mas as descobertas dramáticas são tantas que não conseguimos identificar as feridas do filme. Como esse longo travelling dos dois personagens que ainda não se descobriram e que andam pelo apartamento de Nova Iorque separados pelas divisórias de vidro fosco. A dilatação temporal do encontro é acompanhada aqui de um efeito visual emocionante, como se o informe, o embaçado, materializassem o suspense no processo de descoberta do outro.

Essa elegância plástica pertence somente à cineasta de Do Leste. A videoinstalação a partir desse filme, na Galeria nacional do Jeu de Paume[1], afirmou se é que isso é ainda necessário, a união estreita na sua arte, de uma viagem ou de uma narrativa e de uma concepção muito plástica e arquitetural da mise en scène. Por que supor que, repentinamente, Chantal Akerman traiu-se “passando para o oeste” – o que hoje, de fato, significa tão pouco que outrora, escolher a liberdade? 

[1] De 10 de outubro a 26 de novembro. Catálogo da exposição: Chantal Akerman: d’Est, au bord de la fiction, Réunion des Musées nationaux, Walker Art Center, 1995.

Chantal Akerman: D’Ouest foi publicado no livro Le cinéma, un art moderne, Paris, Cahiers du Cinéma, 1997, p. 88-90. Tradução: Leticia Weber Jarek. 

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