Gente da Sicília



Por Jean-Claude Biette 

Gente da Sicília é ao mesmo tempo um filme que resplandece sozinho e um pico da obra dos Straub. Um pico fácil que podemos atingir sem corda. 

Se, segundo a ideia generosa de Manoel de Oliveira, um filme tem por verdadeira nacionalidade aquela do país no qual ele foi rodado, então uma grande parte da obra dos Straub é decididamente italiana, mesmo quando ouvimos nela o alemão ou o francês. 

Pouquíssimos dos seus filmes italianos falam do mundo moderno diretamente: estes são muitas vezes eloquentes peplums de teatro onde a Antiguidade é, sempre, despetrificada, entregue à história viva. 

Com Gente da Sicília adaptado de Conversa na Sicília de Vittorini, é a Itália do século XX: no fim dos anos 30, enquanto Mussolini parodia o Império dos Césares, é já a exploração da Sicília, esta terra quase africana, um sul que resiste como pode ao norte, e o filme o poema preto e branco do mundo ofendido. 

Graças às vozes dos atores que jamais proferiram o italiano tão agradavelmente (o texto foi primeiro desempenhado no palco sob a direção dos Straub), é também a Itália de hoje que é fisicamente representada. Incompleta, com seus vazios, intensa: a alma perdida do cinema italiano. 

Quando se trata como aqui de laranjas invendíveis, de peixes grelhados na brasa, de suspeitas policiais, de retorno à casa da mãe, de encontros noturnos clandestinos no vale que terminam por se assumir, de utensílios que não compramos mais, de perda do pensamento manual, o que se canta então é o excessivo ou o insuficiente com o qual se constrói, como a vida, um filme. 

Sicilia ! foi o texto de apresentação do filme para o ACID, publicado na revista La Lettre du Cinéma n° 11, outono de 1999. Tradução: Miguel Haoni.

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