Léon Morin - padre, de Jean-Pierre Melville



Por Miguel Haoni

Léon Morin, padre lembra a imagem de uma caixa dentro de outra caixa dentro de outra caixa: dos desejos irrealizáveis, silenciados, da personagem passamos ao claustro do quarto, do escritório, da igreja e do presbitério. São lugares de uma cidade no interior francês três vezes ocupada durante a Segunda Guerra: primeiro pelos italianos, depois pelos alemães, depois pelos americanos, sem grandes diferenças. Estas prisões, porém, têm janelas, e são penetradas por uma luz: a luz do mundo, objeto primeiro da arte. A luz fria - que aquece - dos filmes de Jean-Pierre Melville.

A luz, por mais restrita que seja a sua incidência, é aquilo que nos permite ver. É o que garante ao olhar de Barny (Emmanuelle Riva) romper a distância apropriada e notar os detalhes grosseiros da costura na batina de Léon Morin (Jean-Paul Belmondo). Muito antes de ver que ele era bonito, muito antes de desejá-lo perdidamente. É ela que nos conduz na passagem dos dias, na angústia calma do diário íntimo. 

É a luz (outra luz) que faz também com que estes personagens possam respirar livres mesmo atrás de todos estes muros: o amor pelo conhecimento, aqui encarnado em seus diálogos filosóficos. Tudo começa com uma provocação (a mulher diz ao padre "a religião é o ópio do povo") seguida de uma reação mil vezes mais provocante (o padre responde "nem sempre...") e o que se desdobra a partir disso é uma grande aventura de descoberta. Para o espectador e para os personagens.

Em determinada passagem, Léon desenha um ponto ("este é você") e um círculo ("este é Deus") e expõe uma teoria cósmica da mise en scène, do acordo espacial entre o Homem e as Forças ao seu redor, tal qual um cineasta mostra numa planta baixa do cenário o jogo cênico à atriz: "É Ele que lhe cerca e não o contrário". "E o que Ele espera?". "Que você se mova." Trata-se aqui de uma das mais belas definições do cinema. Melville desenha os movimentos segundo as regras do espaço, e a precisão dos gestos respondem à sua necessidade. Seus filmes nos lembram que clássico é também aquele que tem classe.

No final libertam-se a cidade e a verdade. O futuro dos personagens começa com o som do vento e as marcas da ausência nas paredes traduzem a resignação inflamada diante do amor impossível. Agora eles são livres. Triste liberdade.

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