Morte de Buñuel


Por Serge Daney


Primeiro, as cifras redondas. Buñuel nasceu em 1900, pouco tempo depois do cinema e da psicanálise. Ao mesmo tempo que o século. Com trinta anos deixa todo o mundo estupefato (A Idade do Ouro, 1930). Com cinquenta efetua seu primeiro come-back mexicano (Os Esquecidos, 1950). Com sessenta volta a chocar seu país natal (Viridiana, 1960) e com setenta diz-lhe adeus (Tristana, 1970, sublime). Segundo a lógica, Buñuel teria devido morrer em 1990 ou em 2000, mas a eternidade não lhe dizia nada que valha. "Morrer e desaparecer para sempre não me parece horrível, mas perfeito. Ao contrário, a possibilidade de ser eterno me aterroriza de verdade."

Sobre a obra de Buñuel, tivemos todo o tempo para tudo dizer. Haverá sempre os voluntários para lhe interpretar e os naïfs para pensar que o cinema é feito de símbolos. Sobre o que não cessou de obsedar-lhe, durante toda sua vida, não tem nada a acrescentar. Sobre os -ismos com que cruzou no caminho (surreal-, comun-, fetich-, catolic-, onir-) tudo já repousa nas histórias do cinema. Sobre si mesmo e o que quis dizer, não tem nada a dizer: uma vida ordenada, um casamento próspero, uma boa dose de seriedade [sérieux, também equivale a dose alcoólica de meio-litro] no trabalho e de prazeres simples (o vinho, o whisky). Sobre seu estilo, não tem muito a concluir: filmou sempre o mais frontalmente possível situações complicadas relacionadas ao estudo de costumes, à etologia burguesa e à ciência dos sonhos. Um documentarista.

Onde está o mistério, portanto? Nem na vida, nem na obra. Na carreira. Em seus dentes de serra. E o que morre hoje com Buñuel (depois de Renoir e Chaplin)? Um certo jeito para um cineasta de estar no século e de ter, além da idade de suas artérias, a idade do cinema. A ideia que o tempo não é um inimigo, que perdemo-lo ao querer ganhá-lo, que ele resta sempre. A "carreira" de Buñuel, é uma das aventuras mais simplesmente desarmantes do cinema. Eis um homem que começou por sobreviver modestamente aos três golpes tonitruantes de uma estreia inesquecível (Um Cão AndaluzA Idade do OuroTerra sem Pão). Eis um cineasta que não encontrou nada de melhor que começar seu primeiro filme (pago com o dinheiro de sua mãe) pela imagem de um olho cortado que continua tirando o fôlego [couper le souffle, ou seja, cortando o ar]. Eis um homem que, durante quinze anos, parece ter esquecido de lutar para fazer seus filmes a todo custo. Um ás da avant-garde que aceita produzir (na Espanha) e realizar (no México) puros filmes comerciais. Um espanhol surdo que, no fim da vida, deixou o retrato o mais falado francês da burguesia francesa. Em suma, um homem que não fez sempre o que quis mas sempre fez o que pôde. E que permaneceu ele mesmo.



Quando falamos de humanismo, quando dizemos de alguém que é "humano", designamos assim as fraquezas que, por uma generosidade mesclada de frouxo alívio, decidimos lhe "passar". O humanismo de Buñuel não tem nada a ver com isso. É antes honestidade (a moral) de um homem que aceita permanecer em contato direto com suas próprias contradições, sem sonhar muito em lhes "resolver", sem querer escapar ao destino comum, sem desprezo por esse destino. Um artesão rigoroso que, enquanto declara guerra, bem sabe que não pode não declará-la. Nem ganhá-la. Mas que saberá sempre distinguir entre as concessões do que é secundário e a traição do que é principal.

Como todos aqueles que parecem deixar ao público uma obra em código e mensagens cifradas, Buñuel foi o tipo mesmo do cineasta a interpretar, logo, a recuperar. Mas ele avançou muito lentamente, viveu tempo o bastante para desencorajar seus exegetas. Não porque mudava, ele, mas antes porque mudavam, eles. Algumas ideias tão fixas quanto simples, teimosas como insetos, indiferentes às modas, permitiram-lhe dizer duas ou três coisas, mas em todas as línguas. Aquela da vanguarda, a do melodrama popular, a da qualidade francesa. Pouca coisa, na verdade. Que o desejo faz viver e que seu objeto, finalmente, é obscuro, que o homem tomado como animal erectus é o único objeto de estudo que importa, que o homem-animal social vive numa doce imoralidade, que toda verdade, sobretudo provisória, faz bem dizer.

Nos filmes franceses de sua última maneira, de A Bela da Tarde a Esse Obscuro Objeto do Desejo, teve a última palavra sobre seus comentadores: todo mundo, de repente, redescobriu que um símbolo não deve, forçosamente, ser explicado, que o inconsciente é um alegre rébus, que os fantasmas fazem rir, que o real é irônico e que a burguesia até que tem um discreto charme. Alguns anos antes, ele declarara sumariamente que o desejo de encontrar uma explicação para tudo era um vício burguês. Negando ao seu público tal prazer, ele, de certo modo, "libertou-o". Buñuel permanece um cineasta a parte. Menos um inventor de formas que um documentarista das formas do inconsciente, antes, de suas formações. Cada um de seus filmes, em certo sentido, é como um sonho. Os mais bem-sucedidos têm a clareza dos que conseguimos rememorar inteiramente. Daí sua comicidade literal. Os menos bem-sucedidos são aqueles dos quais não nos lembramos senão por pedaços. Que importa: trata-se sempre de um sonho, de uma capacidade de transcrevê-los e de ser-lhes fiel. É como sonhador muito desperto que Buñuel acompanhou a aventura do cinema, ou antes, forrou-a (como o forro de uma vestimenta [doublèe, doublure, ou seja, também duplicou-a, dublou-a, dobrou-a]). Como homem livre.

1 de outubro de 1983

La mort de Buñuel foi publicado no livro Ciné Journal (Volume II), p. 38-40. Tradução: Eduardo Savella.

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