Tolerância ou reconhecimento?


Por Vera Silva

Texto produzido durante o Curso Nouvelle Vague, que ocorreu na Casa do Contador de Histórias, em Curitiba.

Vocês que viajam na crista da onda em que nos afogamos... 
...pensem em nós com simpatia. 
Bertold Brecht 

Do Cinema já se disse que tem, no seu coração, os filmes – mas que não se esgota neles, incluindo tudo o que se produz antes, durante e depois que o filme se realiza e é exibido. Cinema, então, inclui as idéias que suscita. 

Com este álibi tomo a liberdade de sublinhar um tema que, embora alheio aos filmes enquanto tais, brotou nos encontros deste nosso percurso por uma das veredas do Cinema: a Nouvelle Vague. 

Muitos assuntos vieram e se foram, mas este voltou três vezes, o que tem para mim um signo de advertência: o que incide uma só vez não passa de acontecimento (às vezes, definitivo!); o que volta em segunda edição ainda pode ser pura co-incidência; se retorna três vezes acho que merece atenção especial. 

Vamos ao assunto: 

Bazin era um homem que dava razão a todo mundo com quem falava; Coutinho escutava as pessoas e, por abjetas que pudessem parecer – ou não, sempre acabavam revelando um traço encantador de humanidade; Samuel Fuller mostrava personagens interessantes em seus filmes exatamente por ser capaz de desvelar suas ambigüidades, suas fraturas. 

Esse traço extraordinário que se evidencia em Bazin, Coutinho e Fuller não pode passar batido. Muito menos ser tomado por virtude barata: grandeza “superior” que permite condescendência altaneira para com os diferentes. Não que não se trate de virtude. Sim: é de virtude que estamos falando. Mas de uma virtude muito mais verdadeira, porque enraizada não no narcisismo, mas na destituição subjetiva. 

Tento me explicar: Bazin, Coutinho e Fuller não “dão razão” aos seus interlocutores – apenas reconhecem uma razão que lhes é imanente. E tal proeza, interditada à maioria absoluta da humanidade, penso só ser possível porque eles sabem de si, conhecem em si mesmos as razões estapafúrdias, a abjeção, a divisão inexorável entre pulsão e desejo. Daí, o que conhecem em si podem reconhecer no outro e realizar esse impossível – pensar o outro com simpatia. Longe do imaginário narcísico, eles podem se deixar habitar por uma verdadeira humildade diante do Real (que não se deixa apreender, pois o seu mais próprio é justamente surpreender) – aquela humildade que ensina que a Verdade, qualquer verdade, é não toda. 

Esse papo parece doutrina pela Paz? Talvez seja, um pouco. Mas só um pouco, porque ele comporta, no meu entendimento, uma condição: citando Heilein, nas palavras de Lazarus Long no seu celebrado “Time enough for love”, vale a pena tentar conhecer o seu adversário, atravessar o risco de vir a amá-lo e, na pior das hipóteses, poder matá-lo sem ódio

6 de julho de 2018

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