Entrevista sobre um projeto — 1




Por Jean-Luc Godard e Chantal Akerman 

Jean-Luc Godard: Enquanto realizador ou metteur en scène, sinto o desejo de falar com outros metteurs en scène sobre o filme que faço. Ora, isso é estritamente impossível, uma vez que os realizadores não falam, e eu mesmo, aliás, contribuí muito para isso introduzindo a mesma noção que existe na literatura, a noção de autor, que faz com que, finalmente, seja como uma criança ou uma propriedade privada: não é fácil falar mal. A rigor, fala-se bem, mas não bem: diz-se que é bom, que é interessante… Preciso falar sobre o filme não com técnicos, que agora só falam disso tecnicamente, mas com pessoas que também fazem filmes. Disse a mim mesmo: “Bem… o único jeito de falar é organizar alguma coisa que faça com que as pessoas aceitem uma requisição de falar durante uma hora sobre o que elas fazem ou vão fazer”. Senão, não se fala, não tenho a ocasião de falar de meu filme com outras pessoas, ou então no canto de uma mesa, mas, nesse caso, não se fala do filme, não é verdade. Portanto, disse a mim mesmo: durante uma hora, deve haver um ou dois segundos em que possa haver uma ponta de comunicação. Falar, portanto, com meus semelhantes no mesmo lugar… Além disso, tomar os planejamentos clássicos: projetos, filmagem, montagem. Tenho um projeto, filmarei em três meses e, então, em três meses farei o que se chama de montagem, ou, pelo menos, é assim que as pessoas chamam minha atividade, mesmo que eu não chame isso assim. O que a interessava nesse pedido? 

Chantal Akerman: Tinha mais a ver com você que com qualquer outra coisa. 

Godard: Mas tivesse sido um jornalista a lhe propor isso… 

Akerman: Acho que não teria aceitado, porque há jornalistas demais que me fizeram perguntas e, em geral, quando é um jornalista, eu respondo de modo a fazer meus filmes passarem. 

Godard: Mas, se sou eu, é o eu conhecido ou o eu enquanto metteur en scène

Akerman: Ah, de modo algum! Na verdade, é porque foi um pouco vendo seus filmes que tive vontade de fazer filmes. É por isso que isso me interessava. Não sei se você se dá conta do que é descobrir seus filmes aos 15 anos sem nunca ter ouvido falar de você. Eu estava em Bruxelas, não gostava nada de cinema, achava que era para os idiotas, só haviam me levado para ver Mickey Mouse e coisas do tipo. E, quando entrei por acaso para ver um de seus filmes, isso me deu vontade de fazer cinema. Portanto, é realmente uma coisa afetiva. 

Godard: Um projeto é ter vontade de fazer alguma coisa. Então, um projeto de filme é ter vontade de fazer o quê? 

Akerman: Antes disso, eu escrevia um pouco, digamos, como os adolescentes escrevem. Acho que, quando somos adolescentes, escrevemos para desemaranhar um pouco todos os fios em torno de nós, uma vez que é o momento em que começamos a pensar e a ser confrontados por coisas de que já tomamos consciência, como ser violenta ou não… Então, vi Pierrot le Fou [O demônio das onze horas] e tive a impressão de que falava de nossa época, do que eu sentia. Antes, era sempre Os canhões de Navarone, e eu não estava nem aí para essas coisas. Não sei, mas foi a primeira vez que fiquei emocionada no cinema, mas então… violentamente. E sem dúvidas quis fazer a mesma coisa com filmes que seriam os meus. 

Godard: Eu tento me apresentar como um marciano ou um imbecil ou um cara muito inteligente. Portanto, se você tem um projeto, é porque agora você tem vontade de deixar as pessoas no estado em que você estava? Ou é você quem você quer deixar nesse estado? Por que isso lhe deu vontade de fazer filmes? Poderíamos pensar que outra pessoa diria: “Bem, ora essa, vou viajar e perguntar onde há outros filmes assim”. 

Akerman: Mas foi o que tentei fazer. Tentei ver outros filmes e encontrar a mesma coisa, mas isso nunca mais aconteceu. No fundo, Pierrot le Fou cumpriu o papel do cinema dominante para mim, ou seja, não pude fazer outra coisa por causa disso. Isso ocultou os outros filmes para mim, uma vez que buscava sempre algo que tinha conhecido uma vez. As coisas não se repetem assim. Precisei de certo tempo para começar a gostar de outros filmes. 

Godard: Você se lembra do primeiro plano que filmou? Eu me lembro: filmei meus pés. 

Akerman: Filmei minha mãe entrando em um grande prédio e abrindo a caixa do correio. Estava animada pela vontade de fazer alguma coisa e, então, isso se fixou, como uma obsessão, isso se fixou no cinema. E depois, uma vez que comecei a fazer cinema… Não me perguntei pelo porquê nem pelo como, não pus em questão essa vontade, eu a segui quase que cegamente. E não sei por quê… 

Godard: Sim, mas se alguém lhe perguntasse: “eu preciso saber por mim mesmo, porque, pelas respostas, posso encontrar algo de útil para mim mesmo…”. Se dissessem: “Para que serve fazer salto em altura?”. Pode-se dizer: “Serve para exercitar os músculos das pernas”. “Ah, tá, eu não sabia, então, como preciso fazer isso, vou fazer um pouquinho de salto em altura”. Então, o que é ter um filme em projeto? 

Akerman: É formidável, porque ocupa o tempo! 

Godard: É mais interessante ocupá-lo assim do que, por exemplo, com um trabalho que seria tão bom quanto? Porque, em geral, os projetos não são pagos. Como você ocupa o tempo? Como uma jornada é ocupada? Pode-se descrever uma jornada na fábrica, ainda que ela não corresponda em profundidade… 

Akerman: Eu me levanto cedo de manhã e tento escrever. 

Godard: Você tenta escrever em vez de tirar fotos? Mas, enfim, o filme consistirá em tirar fotos? 

Akerman: Sim, mas escrevo muito precisamente o que quero mostrar, com todos os detalhes. Eu descrevo o que vejo na cabeça em vez de tirar fotos. 

Godard: Você acha que se pode descrever o que se vê? 

Akerman: Não, não se pode, mas pode-se tentar se aproximar disso. 

Godard: Não acha que está enganada? Acha que podemos nos aproximar, e não que, ao contrário, nos afastamos? Você aprendeu a escrever? 

Akerman: Sim, aprendi a escrever. 

Godard: Sozinha? Ou foi à escola? 

Akerman: Fui ao colégio até o fim do fundamental e lá aprendi, digamos, a escrita. Mas não aprendi na escola a escrever como escrevo agora. Para mim, a escrita é uma etapa muito importante. Não para todos os filmes que faço. 

Godard: Você escreveu hoje de manhã? 

Akerman: Sim, tomei notas hoje de manhã. Mas não tomei notas sobre o filme, tomei notas em torno do filme. Li um livro escrito por Marthe Robert sobre as relações de Freud com o judaísmo. 

Godard: Não o leu inteiro hoje de manhã? 

Akerman: Li inteiro, sim, mas, de todo modo, não leio tudo, pulo algumas passagens. 

Godard: Pode me dar um exemplo de nota para tentar vê-la sob a forma de imagens justamente? 

Akerman: Justamente, não era uma imagem. 

Godard: Não, mas eram palavras. Quais palavras eram? 

Akerman: Palavras. Palavras que diziam que, finalmente, Freud havia sido dividido entre a ideia de ultrapassar suas origens e de recalcá-las e a ideia de que ele queria viver algo de sublime. E, ao mesmo tempo, que ele não queria, apesar disso, se livrar completamente do que ele era, do que seu pai era, ou seja, um judeu que não podia alcançar certas coisas por causa desse tipo de defeito — ele emprega palavras assim — que eram suas origens. E, como tenho um projeto de filme que quero filmar antes de um outro filme que sonho em fazer há muito tempo, e é um filme sobre a diáspora… 

Godard: Então, você tem dois projetos? 

Akerman: Sim, mas outro projeto que só farei quando estiver realmente pronta. Quero fazer um filme baseado em dois livros de Singer: Le Manoir [O Solar] e Le Domaine [The Estate]. Há, nesse livro, um médico de doenças nervosas que tem todo um itinerário e é por isso que tive vontade de ler o que havia acontecido com Freud em relação ao judaísmo. Além disso, isso me tranquiliza, saber certas coisas, e então… Então, realmente não utilizo mais isso: eu nunca mais releio as notas. Escrever uma nota me tranquiliza, ainda que eu não as releia. De todo modo, uma vez que as escrevi, tenho-as na cabeça. 

Godard: Sim, mas isso tranquiliza em relação ao quê? 

Akerman: Que fiz uma coisa hoje de manhã antes de começar de fato a escrever o roteiro. 

Godard: Mas, se amarrassem suas mãos e você não pudesse mais escrever, um projeto de filme a aborreceria? 

Akerman: Não, há projetos de filmes que fiz sem escrever, como News from Home, Hôtel Monterey e um outro filme chamado La Chambre [O quarto]. Mas, neste caso, preciso escrever.




Godard: Então, qual distinção você faz? Não se sentia mais inquieta? 

Akerman: Não, porque News from Home, por exemplo, era um filme mais conceitual, que partia de uma ideia, de um choque, de uma imagem que eu tinha de Nova Iorque e dos sons que eram as cartas de minha mãe. Além disso, eu conhecia muito bem Nova Iorque e sentia que podia reencontrá-la, enfim, que isso funcionaria: eu não estava inquieta. Mas, agora, gostaria de fazer um filme romanesco. 

Godard: Você diz que se sente tranquila e acabou de falar de escritos. Você disse “tranquila” e, assim, deduzi disso “inquietude”. Para News from Home, você falou apenas de imagens e sons e não falou de inquietude nem de tranquila. Então, eu me pergunto: não é o fato de escrever que inquieta e que tranquiliza ao mesmo tempo? Será que não há, no texto ou na escrita, um lado análogo à droga e que só existe na imagem e no som quando eles se tornam novamente escritas? Pode-se perfeitamente ter vontade e necessidade da droga e, ao mesmo tempo, ter medo dela. Acho que as pessoas precisam estar inquietas e tranquilas, particularmente os criadores e os cineastas. Os cineastas não gostam muito da máquina fotográfica, eles gostam mais do texto porque ele lhes traz ao mesmo tempo a inquietude e a tranquilidade, como a droga. Ao passo que as imagens são, antes, trabalho: o trabalho é cansativo. 

Akerman: A escrita também é um trabalho, realmente um trabalho. 

Godard: Será que o trabalho não está feito há milênios? Será que, na verdade, você não é apenas uma máquina de escrever, mas uma máquina já feita por um texto já escrito? 

Akerman: As imagens também estão aí, na cabeça, há milênios: tudo já está aí, de todo modo. Acho que temos imagens fixas. 

Godard: Em relação ao seu projeto, você já tem imagens fixas? 

Akerman: Sim, tenho imagens da infância. Porque, na verdade, se eu quero fazer isso, é porque está muito fortemente ligado a lembranças de meu pai, ao que ele pôde me contar, ao meu imaginário sobre isso. Se escolhi esse livro, foi porque não queria ficar colada ao que meu pai me contou. 

Godard: Por que não partir de uma foto de seu pai e olhá-la por muito tempo? 

Akerman: A foto já está lá, tenho-a na cabeça há muito tempo. Na minha casa, nas paredes, há fotos do meu avô, com a barba e tudo. 

Godard: Então, parte primeiramente de uma foto? 

Akerman: Sim, mas também do aspecto muito violento da representação do físico dessas pessoas que eram diferentes. Certamente, quando vemos judeus que ainda têm barba e peiot, é de uma violência extrema para os outros e mesmo para mim. Aliás, esse vai ser meu principal problema nesse filme: como não tornar isso folclórico (porque há muitas imagens assim que são folclóricas) nem como as imagens dos judeus no momento dos nazistas? Restituir isso e buscar alguma coisa diferente, não sei exatamente o quê. Em todo caso, escapar tanto das fotos de sofrimento quanto das fotos folclóricas. 

Godard: No entanto, você disse: “é escapar da imagem”. É bastante surpreendente continuar querendo fazer cinema para escapar da imagem. 

Akerman: Gostaria de escapar das imagens clichês que existem sobre isso. Não da imagem, mas das imagens, de certas imagens. 

Godard: Pode-se substituir imagens por outras? 

Akerman: Você mesmo diz que ainda não há imagens inscritas e eu digo que já há imagens inscritas. E é justamente sobre isso que trabalho: sobre a imagem inscrita e as que eu gostaria de inscrever. 

Godard: Você diz “inscrever” em vez de “mostrar”. Você sequer utiliza os termos “fotográfico”, “revelar” ou “imprimir”. Antes, você emprega termos da escrita. 

Akerman: Sim, porque se diz “imagens inscritas na cabeça”, porque de qualquer forma é o que vai acontecer na cabeça das pessoas depois de terem visto as imagens. E também tem muito a ver comigo, com o modo como vivo essas imagens. 

Godard: Ontem, vi Marguerite Duras. A certa altura, ela disse: “Um texto se escreve no vazio”. Eu concordei bastante com ela. É por isso que tenho medo, tenho medo do vazio, tenho vertigens com facilidade, e acho que a imagem — e é isso que me tranquiliza — não pode se inscrever no vazio. 

Akerman: É muito mais fácil fazer imagens do que frases. Você está aí, eu o filmo, haverá alguma coisa na película. Ao passo que, na escrita, é preciso imprimir cada palavra. 

Godard: Ah, eu não acho. Haverá alguma coisa na sua cabeça que pensará ter visto alguma coisa, mas não haverá nada. Não há nada na película, é um momento de passagem. Só há alguma coisa se a projetarmos e se houver alguém que assista. 
Mas por que amanhã tenta-se voltar tão longe? Sobretudo em relação ao povo judeu: o que faz com que eles queiram sempre voltar tão longe no passado? 

Akerman: Ou no futuro! Enfim, não sei, não acho que haja um problema com o passado para os judeus… 

Godard: Você se sente diferente dos outros, enquanto judia? 

Akerman: Sim. 

Godard: O que você tem de diferente? 

Akerman: Não sei, mas, por exemplo, com outros judeus há todo um terreno que já foi desbastado quando falamos; nós nos compreendemos… 

Godard: Mas você vive segundo os ritos ou as tradições? Por exemplo, os chapéus, as barbas, os peiot, você disse que sente uma violência extrema. Será que essa violência não está também no fato de reivindicar-se fundamentalmente diferente de todos os outros? 

Akerman: Mas, para as pessoas que são assim, elas não se reivindicam, elas seguem ritos que lhes são caros e necessários, nos quais elas creem. Não é uma reivindicação em relação ao exterior, é em relação a elas mesmos. 

Godard: Mas você não segue esses ritos? 

Akerman: Não, eu os perdi. 

Godard: O fato de tê-los perdido a preocupa? 

Akerman: Não. O que é estranho é que os perdi sem, contudo, tê-los perdido inteiramente. Há um monte de coisas que permanecem, justamente em relação ao cotidiano, à vida, ao amor… 

Godard: É o que você vai tentar buscar… 

Akerman: É o que vou tentar buscar, sim. 
O que me interessa, justamente, nesse romance é que havia uma comunidade que seguia seus ritos, que tinha dúvidas em relação a um deus, mas dúvidas no interior mesmo de uma crença: eles não questionavam realmente Deus e, portanto, tampouco questionavam os ritos. Mas, a partir do momento em que eles renunciaram a uma coisinha, eles se abandonaram a suas paixões e tudo era permitido. No nível moral, essa é a situação em que estamos agora, no século XX: tudo é permitido, não se sabe mais… 

Godard: Ah! Nada é permitido, tudo é proibido. 

Akerman: Não, tudo é permitido; há inclusive pessoas que se permitem matar. 

Godard: Sim, mas elas têm um bocado de problemas. Mesrine… Enfim, penso o contrário: tudo é proibido e mais ainda que outrora. Dizem que é permitido e as pessoas acabam acreditando, elas dizem: “Isso não está mais nada bem, tudo é permitido, que horror!” Mesmo Hitler… Tenho um velho projeto de fazer um filme sobre os campos de concentração. Sempre me impressionou que justamente os judeus nunca o tenham feito. 

Akerman: Minha mãe foi mandada a um campo de concentração: ela nunca fala disso. 

Godard: Quem falou disso foram os americanos. É curioso; os americanos ganharam fortunas fazendo filmes sobre a segunda guerra mundial, muito mais que sobre a primeira. Mas, ainda assim, eles esperaram 35 anos para fazer um filme sobre os campos. E os judeus nunca fizeram. 

Akerman: Mas há todo um problema em relação à imagem para os judeus: não se tem o direito de fazer imagens, fazer isso é uma transgressão, porque elas estão ligadas à idolatria. 

Godard: E ser transgressora é uma coisa que lhe interessa? 

Akerman: Sim, provavelmente. Mas é por isso que tento fazer um cinema muito essencializado, em que não há, digamos, imagens sensacionalistas. Por exemplo, em vez de mostrar um acontecimento “público”, por ser sensacional ou cheio de coisas, eu contarei apenas a pequena coisa ao lado. 

Godard: Quando isso dá certo, acho o contrário, que é sensacional, é o sentido. Em Les Rendez-vous d’Anna [Os encontros de Anna], que acho muito, muito desigual, lembro-me de ter notado um plano, um dos mais belos, porque eu o achava, no sentido verdadeiro da palavra, sensacional. Acho que tinha uma pontinha de travelling, no momento em que Aurore Clément abria ou fechava uma cortina em seu quarto de hotel: havia ao mesmo tempo a sensação de abrir a cortina — ou seja, um acontecimento muito tátil: não se vê mais muitas coisas assim desde o mudo — e a presença de um sentido. Eis o que chamo de imagem ou, em todo caso, uma parte de imagem, ligada às outras e que não depende em nada da escrita. O cinema consiste, antes, em partir daí ou em chegar aí.




Você tenta, antes, fazer o sensacional, ainda que com um grão de poeira. Como Chardin, se quiser. Pode-se dizer que Chardin é um pintor do sensacional. Você tem a sensação de transgredir ou de passar por uma transgressão quando registra uma imagem? 

Akerman: Para mim, a mise en scène é o único jeito de não senti-la. 

Godard: Você tem vontade de senti-la ou de não senti-la? Ou vontade de passar por essa transgressão, como se passa por um corredor perigoso, para conseguir estudar ou sentir o que lhe concerne lá dentro? 

Akerman: Com certeza amo filmar. 

Godard: Mas, se você ama filmar, por que não pegar imediatamente, agora que a técnica existe, uma câmera Super 8 ou uma máquina fotográfica? 

Akerman: De vez em quando pego uma máquina fotográfica. 

Godard: Isso não a ajuda muito no seu projeto? Você faz fotos quando sabe o que vai fazer… 

Akerman: Depende. Por exemplo, agora me dou conta de que não tenho imagens o bastante sobre o período de 1880-1930 e não consigo escrever por causa disso. Por exemplo, há todo o início da industrialização no campo: não faço ideia de como é uma forja, não tenho imagens de forja na cabeça, de dormentes de madeira para a estrada de ferro, não faço ideia de como as pessoas faziam. Então, vou às livrarias ver imagens. É só depois disso que consigo escrever. Há uma dupla relação que se faz: há imagens, então escrevemos sobre essas imagens e depois as filmamos. Para Les Rendez-vous d’Anna, só escrevi o início do meu roteiro depois de ter ido à Alemanha e tirado fotos. De todo modo, com certeza tenho uma relação com a escrita certamente tão forte quanto com o cinema, com certeza eu amo isso. 

Godard: Não acha que ela é mais forte, especialmente porque, como todo mundo, você teve quinze anos de escola e nunca frequentou uma escola de cinema por quinze anos? 

Akerman: Não é só isso. Todo mundo tem em casa uma folha de papel. E eu não gosto do vídeo. 

Godard: Vídeo é o nome do sinal. Você tem televisão? 

Akerman: Sim, ela serve para me fazer dormir. 

Godard: Você não se sente responsável pelas imagens que passam na televisão? 

Akerman: Somos sempre responsáveis por tudo. 

Godard: No seu filme Je Tu Il Elle — bom ou ruim, não importa aqui — eu a sentia livre, ao passo que, para mim, Les Rendez-vous d’Anna é um filme Gaumont. Eu mesmo estou na mesma situação e tenho medo de fazer muitas coisas nas quais acho que sou livre, quando, na verdade, sou dominado. Posso dizer a mim mesmo a respeito de meus filmes passados: “Bem, aqui eu pensava ter feito isso, hoje, vejo que…” Bem, não é o caso de lamentá-lo, é assim, mas eu vejo que foi feito de um jeito diferente do que eu pensava. Eu obedecia a certo ritmo que não era o meu.




Akerman: O que acontece é sobretudo que fiz Je Tu Il Elle com três pessoas e eu precisava eu mesma fazer tudo. A partir do momento em que estamos em equipe, estamos também submetidos ao ritmo dos outros, ao ritmo do seu trabalho.

Godard: E aqui, no seu projeto, você acha que terá toda a liberdade?

Akerman: O filme vai custar muito mais caro e, no limite, uma quantidade enorme de dinheiro é praticamente a mesma coisa que muito pouco. É a média que não dá certo, porque, nesse caso, estamos realmente submetidos ao dinheiro.

Godard: Para o seu projeto, os lugares não são vistos, eles são nomeados. Eles existem porque são nomeados?

Akerman: Eles existem. Todo o começo do livro se passa no campo. Ora, não gosto do campo, não gosto de filmá-lo. Então, disse a mim mesma: “Vou colocar isso numa cidade, já que amo filmar as cidades”. Amo filmá-las porque há linhas.

Godard: Meu projeto é justamente filmar o campo. Não sei fazê-lo e sou sempre atraído pelo que não sei fazer. Sempre entro em discussões com as pessoas: eu me intrometo no que não é da minha conta porque não sei fazê-lo. (Silêncio.)
Ainda que não seja um filme muito caro, Les Rendez-vous d’Anna é um filme Gaumont.

Akerman: Se você pegar a produção da Gaumont desses últimos três anos, não acho que meu filme se assemelhe aos outros.

Godard: Na verdade, acho que se assemelha, sim. Além disso, o que significa “semelhança”? Citroën não se assemelha a Renault: o sistema é um pouco mais cruel no primeiro que no segundo. Mas há um ponto comum: o número de horas, o salário…

Akerman: Então, por que você escolhe a Isabelle Huppert, que é a própria representante da Gaumont, que se tornou simbólica na cabeça das pessoas? Ou então você vai fazer um filme Artmédia!

Godard: Acho que é menos uma pessoa que um conjunto de pessoas, com uma certa maneira de ser juntas.
O que busco saber é o seguinte: “você se sentia diferente e quais eram as diferenças entre o sistema de produção de Je Tu Il Elle e o de Les Rendez-vous d’Anna?”. Para mim, fazer um filme Gaumont não é, de modo algum, um qualificativo de bom ou ruim.

Akerman: É, sim, você o opõe a “fazer um filme livre”.

Godard: Não, eu lhe digo que não somos livres em lugar nenhum: tudo é proibido. Há um monte de filmes que achei que fossem mais livres que outros. Bande à part ou Une femme mariée [Uma mulher casada], eu os vejo hoje como completamente dominados por sistemas de produção.




Mas concordo com você, sou a favor dos extremos: extremamente barato ou extremamente caro. De fato, acho que o extremamente barato é o cinema de família: duas ou três imagens por ano que são sempre as mesmas. O extremamente caro nunca é feito porque é caro demais. Portanto, só se faz cinema médio. Francamente, entre os trinta milhões de dólares de Apocalypse Now e os três milhões de francos belgas de Je Tu Il Elle ou dos filmes de pesquisa que fiz, não há realmente diferença.

Akerman: Acho que, depois de um tempo, há tanto dinheiro que isso abole a noção do dinheiro. E isso é praticamente equivalente a roubar imagens, como quando as fazemos com muito pouco dinheiro. Mas, com um orçamento médio, é preciso ser tão organizado que não se pode roubar mais nada. Para mim, Les Rendez-vous d’Anna era, apesar disso, um filme livre, na medida em que a equipe e o dinheiro não prejudicaram minha relação com Aurore Clément.

Godard: Usei a palavra “livre” para usar as palavras habituais. Para mim, ela é tão pejorativa quanto “esquerda” ou “direita”.

Akerman: Que seja, mas digamos que há coisas nesse filme que eu preservei, que não deixei que nada prejudicasse, ou quase…

Entrevista realizada no dia 15 de junho de 1979.

Entretien sur un projet -1 foi publicado originalmente na revista Ça cinéma, nº 19, 1980. Tradução: Rafael Zambonelli.

Foster, verdadeira star



Por Camille Nevers 

Uma atriz nunca é apenas a imagem que temos dela. E essa imagem, difícil de identificar sem que nos identifiquemos nós mesmos, esquiva-se do inteligível. Quanto mais nós a reconhecemos, fantasma luminoso que assombra nossas cavernas e sacode nossas correntes, mais é preciso conformar-se: da ideia que ela reflete, nós só temos uma vaga intuição. Então, falamos de outras imagens... Estas de uma criança pouco comum que se prostitui, Baby Doll desarticulada que queimamos como um ídolo, ao nome de quem abatemos os presidentes, sem precedente. Estas de uma jovem mulher violada sobre um fliperama que recompensamos com um Oscar por ter sabido jogar tão bem o jogo de um cinema que se encarrega ele mesmo de deflorar suas crianças-stars. Estas enfim de um cordeiro que não tem mais medo dos lobos que uivam, de seitas que chovem sobre as garotas ao fim de seus caminhos de travessia... Jodie Foster avança com culhões. 

Se quiséssemos qualificar a relação que mantém o público com a atriz, seria preciso falar – basta olharmos a expressão dos jornalistas televisivos quando eles a interrogam – de amorosa deferência, como se, além de todos os subentendidos sexuais que acarretam seus papéis na tela e na vida, Jodie Foster intimasse uma forma de respeito proveniente do próprio desejo que ela suscita. Esse corpo de mulher-criança que cresceu é sempre intimidante, e ainda mais agora, porque o espectador sente bem que é através do seu olhar que esse corpo desabrocha e, atualmente, ele é obrigado a não abaixar os olhos: mais que qualquer outra atriz, Jodie Foster incarna sozinha a história de um olhar, que começa antes mesmo de Taxi Driver e que prossegue ainda hoje. O espectador de cinema é responsável pelo seu olhar sobre uma atriz, tanto quanto o metteur-en-scène: o olhar pode matar como ele pode ajudar a viver (nós podemos contar as vítimas...). 

Visivelmente, a jovem realizadora de Mentes que brilham adquiriu uma força de caráter que nada mais parece poder infletir, ela segue em frente no interior de um sistema hollywoodiano no qual ela joga para melhor frustrá-lo, à semelhança do seu filme que enterra tarefeiros do cinema americano sem parecer tocá-los... Jodie Foster acredita no seu talento conjugado com o trabalho e a ambição. Basta vê-la em O silêncio dos inocentes, com essa atuação de concentração determinada, fazendo frente a Hannibal Lecter, para compreender que ela só está no começo – depois de, contudo, mais de vinte anos sob os sunlights. Começamos a sonhar com todas as promessas à cumprir com as quais ela está cheia, com todos os quadros sobre os quais ela pode atuar (é, que eu saiba, a primeira star-criança que se tornou atriz de primeiro plano, passando para trás da câmera quando ela não tem nem trinta anos...), com o mito provocador ao qual ela tem certamente a intenção de acessar. Por enquanto, nós ainda tendemos muito a lhe considerar como um fenômeno (cinismo e ceticismo do cinema que desconfia das mulheres que pretendem se tornar outra coisa que objeto do olhar, porque o cinema é masculino), e é sempre melhor desconfiar de tão repentino e efêmero entusiasmo por aquilo que tem o atrativo do novo e serve de pretexto ao “golpe” mediático. Mas não é correr um grande risco acreditar que Jodie Foster tem a envergadura de uma artista autêntica, atriz e cineasta cada vez mais entremeadas, até o dia no qual discerniremos, nessa aparente esquizofrenia, uma única e mesma reflexão, a unidade de um olhar original enfim entregue a si mesmo, e somente a ele: a história do olhar direcionado a Jodie Foster está em vias de mudar de natureza, o movimento se inverte pouco a pouco e, reviravolta súbita e justa, é agora Jodie Foster que direciona sobre nós seu olhar azul. Pois a imagem não é cega. 

Foster, vraie star foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma, n° 452, fevereiro de 1992. Tradução: Leticia Weber Jarek.

“No meu lugar, eu teria...”



Ou: banhemo-nos duas vezes no mesmo rio! 
Hoje: Sylvia Scarlett de George Cukor

Por Hélène Frappat 

Se tem uma coisa que o cinema permite, e que por vezes nos faz falta cruelmente “na vida”, é a possibilidade de refazer – de aperfeiçoar – um gesto, uma palavra, um ato cuja primeira tentativa – a única! – fracassou lamentavelmente. Fazer sua entrada, por exemplo: todos sabem da dificuldade de fazê-la bem, história de não destruir o longo trabalho que foi necessário para se preparar para aparecer. 

Trata-se de uma preocupação bem feminina: visto que haverá sempre um movimento – mesmo indefinidamente atrasado – em que uma mulher deverá aparecer, como evitar errar sua entrada, se a primeira vez não foi a boa, se não conseguimos na primeira vez “fazer a mulher”? Às atrizes que teriam estragado sua primeira aparição, o cineasta pode sempre oferecer uma segunda tomada; e quando, além disso, o cineasta é uma mulher – George Cukor – então ele consegue, numa mesma sequência, lhe oferecer uma segunda chance. 

Sylvia Scarlett: para salvar seu pai da prisão, Sylvia (Katharine Hepburn) torna-se Sylvester: “I won’t be a girl! I”ll be a boy!”... Até o dia que, pelo amor de um homem, ela decide fazer a sua entrada: vestido, sapatos, chapéu, o espetáculo pode começar! Esse é antes lastimável: o vestido parece um disfarce (“E esse vestido! Eu tenho o costume de colocar as mãos nos bolsos!”), os sapatos mal conseguem conter os grandes pés, e a auto-difamação, aliada à rudez agressiva de Sylvia, completa esse quadro bizarro (queer). O julgamento é cruel: nem homem nem mulher, as legendas a descrevem como um fenômeno, mas a réplica é mais brutal, tratando-a de monstro: “You freak of nature!” Lágrimas, queixas infantis: o que sente Sylvia, o que ela diz, ela não pode escutá-las da boca de um homem. “I say the sort of things she said myself... but she didn’t like it!" 

Então o homem vai colocá-la em cena: “As debutantes têm o direito a uma segunda chance. Recomecemos tudo.” Um último conselho à novata esquecida: “I remember to be... huh... be... huh... huh... what you said: young lady!” E na continuidade fluída do plano-sequência, o homem sai do campo, deixando Sylvia se afastar, parar e depois voltar. 

Logo, é preciso reencenar – e encenar exageradamente – a entrada da “verdadeira mulher” (“you’re really a girl”), essa atuação de que Sylvia deve aprender as regras, das quais ela deve por sua vez se fazer a atriz, “like all the rest of your sex...” De tanto excesso – mas de graça, de fantasia aérea – a postura termina por ser conveniente, e como a mulher tem direito aos elogios, a atriz tem o seu close-up (insert mágico sob o olhar realizado de Hepburn). 

Cabe a ela ter êxito na sua saída: “Don’t call me a child. I’m not.” 

À ma place, j’aurais...” foi publicado originalmente na revista La Lettre du Cinéma. Tradução: Leticia Weber Jarek.