Cinéfila pela tv




Por Pascale Bodet

Eu era do interior.

As coisas sérias começaram com o videocassete Akaï comprado pelos meus pais em 1981 ou 1982, mais ou menos aos meus dez ou onze anos. Dos doze aos dezoito anos, minha vida girou em torno desse videocassete. Meus pais compravam regularmente lotes de dez fitas VHS de 180 minutos ou de 240 minutos. Se eu não recolhia no minimo 60% do lote, ao passo que nós éramos quatro, era a crise. Eu entesourava as fitas sob o meu colchão. Ninguém tinha direito de se aproximar. Eu geria meu estoque em função da grade de programas semanais, fazendo malabarismos entre os filmes transmitidos nos três canais nacionais. Às vezes eu sacrificava uma transmissão, porque a semana anterior não tinha sido suficiente para liberar lugar nas minhas fitas, apesar de regraváveis. Ou então, quando dois filmes passavam na mesma hora, podia acontecer de eu assistir um ao vivo enquanto o videocassete gravava o outro. No entanto, eu não tinha o direito de ver filmes na tv à noite quando eu tinha escola no dia seguinte. Entre 1982 ou 1983 e o verão de 1989, assim que eu chegava da escola, eu me trancava na peça do videocassete, que era a entrada do apartamento. Era o meu domínio. Eu não via os filmes em família. Os únicos filmes que eu gostava de ver com alguém, nessa idade, eram os musicais com a minha irmã. O artifício, próprio do gênero, nos colocava num estado de felicidade absoluta. Uma vez, nessa entrada que eu me apropriava como eu havia me apropriado do videocassete e das fitas, eu quis mostrar uma cena de O Evangelho segundo São Mateus de Pier Paolo Pasolini ao meu papai, porque ele era crente. Resultado: ele se surpreendeu que o asno que víamos na tela fosse tão dócil. Eu não compreendia porque ele se limitava a essa visão terra-a-terra. Um filme era para sair do cotidiano e decolar. Todas as quartas, a Télérama chegava pelo correio, e eu começava a programar os visionamentos e as gravações do domingo à noite de sexta seguintes (no sábado, nunca tinha filme para ver).

Tinha “Le Cinéma du dimanche soir”, às 20h30 na TF1, filmes populares como Tess de Roman Polanski (1979) ou Les Compères de Francis Veber (1983), que eu esnobava um pouco, porque os filmes que não eram nem datados, nem afastados no espaço, nem raros, não me pareciam suficientemente exóticos.

Me interessava sobretudo, no domingo, “Le Cinéma de Minuit” de Patrick Brion, lá pelas 23h30 na FR3. Era meu programa preferido. Os filmes italianos dos anos 50 e 60, como A longa noite de loucuras de Mauro Bolognini (1959), os filmes franceses dos anos 30, os filmes B hollywoodianos dos anos 50, as curiosidades, os mudos com Lilian Gish. Eu conhecia Françoise Rozay, eu adorava L’Inhumaine de Marcel L’Herbier (1924).

Na segunda à tarde, às vezes eu via tranquilamente o filme da tarde na TF1, às vezes eu tinha aula e gravava. Me parece que esse programa de clássicos entrou no ar mais tarde, quando eu já estava no ensino médio. Segunda-feira, dia 24 de março de 1986, Caravana de bravos de John Ford (1950) às 15h35; segunda, 16 de março de 1987, No silêncio de uma cidade de Fritz Lang (1956) às 15h30.

A segunda à noite na TF1 frequentemente tinha filmes interessantes. Eu muito provavelmente vi gravado Esta mulher é proibida de Sidney Pollack (1966), transmitido segunda, dia 11 de fevereiro de 1985 às 20h30. A Mort l’arbitre de Jean-Pierre Mocky (1983), transmitido segunda, 24 de março de 1986 às 20h30 no quadro da sessão “L’Avenir du futur”, com debate às 21h55: “Somos todos violentos?”. Eu acho que não gravei o debate. Eu encontro essas coisas precisas na Internet, e eu me lembro dos filmes.

Uma terça por mês, a partir das 20h30 na FR3, tinha o programa duplo da “La Dernière séance” apresentado por Eddie Mitchell, filmes quase exclusivamente hollywoodianos dos anos 50, às vezes dos anos 40, às vezes dos anos 60. Em 29 de maio de 1984, eu certamente vi Meu pecado foi nascer de Raoul Walsh (1957) e gravei A noiva era ele de Howard Hawks (1949). Acontecia, com os meus filmes preferidos, de eu gravar, a partir da fita VHS, a música e pontas de diálogos com um gravador de som em fitas de áudio. Eu retornava, no banho, ao filme sem a imagem, por exemplo com Yvonne de Carlo gritando “Hamish” sobre a musica tema do filme de Walsh.




Na quinta à noite, na minha lembrança, passava filmes franceses dos anos 70 que eram, aos meus olhos, sulfurosos: Violette Nozière de Claude Chabrol com Isabelle Huppert (1978), La Dérobade de Daniel Duval com Miou-Miou (1979). Eu me lembro desses dois.

Chegava o “Ciné-club” de sexta na Antenne 2. Em outubro e em novembro de 1984, graças ao videocassete, pois estava fora de questão na época dos meus treze anos que eu ficasse acordada para ver um filme até meia-noite ou uma hora, eu gravei e depois vi: 12 de outubro, Fúria do desejo de King Vidor (1952); 19 de outubro, Quando fala o coração de Alfred Hitchcock (1945); 26 de outubro, Rebecca, a mulher inesquecível de Alfred Hitchcock (1940); 2 de novembro, Desonrada de Josef von Sternberg (1931); 19 de novembro, Anjo de Ernst Lubitsch (1937); 16 de novembro, O diabo feito mulher de Fritz Lang (1952); 23 de novembro, Eterna ilusão de Jacques Becker (1949); etc. Em torno dos meus quinze anos, eu tinha, sem dúvida, o direito de ver o Ciné-club ao vivo, eu me lembro desse prazer de descobrir sozinha um mundo desconhecido, anoitecendo, noite adentro.

Minha cinefilia adolescente veio então da televisão.

Quanto às salas, a partir dos quinze anos, se a sessão terminasse antes das 19h, eu tinha direito a ir ao TNB (Théâtre National de Bretagne) onde eram programados outros filmes de patrimônio como Os incompreendidos de François Truffaut (1959), Júlio César de Joseph L. Mankiewicz (1953), Othello de Orson Welles (1952).

Eu não gostava de ver os lançamentos comerciais, apesar de ter visto A cor do dinheiro de Martin Scorsese (1986) com pessoas da minha idade. Eu gostava muito do Paul Newman mas Tom Cruise não me dizia nada. Eu também vi Rocky 3 – O desafio supremo de Sylvester Stallone (1982) durante uma viagem a Turim com a minha turma da quinta série.

Minha mãe me acompanhou para ver Aos nossos amores de Maurice Pialat (1983), La Nuit porte-jarretelles de Virginie Thévenet (1985), Candy Mountain de Robert Franck (1988), nós fomos em família ver Amadeus de Milos Forman (1984) e Sangue ruim (1986) de Leos Carax, mas foi sozinha que eu preferi descobrir Os amores de uma loira de Milos Forman (1965) com o meu sistema das fitas ou Boy Meets Girl de Leos Carax (1984) durante uma retrospectiva Carax no TNB.

Resultado dessa educação: quando eu cheguei em Paris e comecei a andar com pessoas da minha idade, eu conhecia Jean Gabin mas não Tom Cruise. Eu adorava Marlene Dietrich mas não conhecia nada de Michael Jackson. Eu amava Jaque-Catelain mas eu mal sabia quem era Gérard Lanvin. Eu não tinha visto E.T. – O extraterrestre de Steven Spielberg (1982). Eu não conhecia nada de ficção cientifica e do cinema fantástico para adolescentes dos anos 80. Eu não tinha visto nem Veludo azul de David Lynch (1986), nem A mosca de David Cronenberg (1986). Eu não sabia se eu estava mais para Lynch ou mais para Cronenberg, não me perguntava se eu estava mais para Stallone ou mais para Schwarzenegger. Nada disso passava na tv. Eu era solitária, apaixonada, esnobe.

Aos quinze anos, eu vi Noites de lua cheia de Eric Rohmer (1985), e a partir daí, como varias meninas na França, eu fazia um penteado com coque para parecer a Pascale Ogier. Para ser tão branca quanto ela e as atrizes dos filmes mudos, eu passava também o creme branco japonês da marca Shu Uemura e batom escuro. Até o vestibular, eu andava por todos os lugares com essa maquiagem. Depois, eu terminei encontrando cinéfilos da minha idade e nós nos entendemos.

Cinéphile par la télé foi originalmente publicado na revista La Vida Útil n°4, dezembro de 2020. Tradução da versão francesa: Miguel Haoni.

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