Nosso veredito sobre “Annette”, a nova comédia-dramática-musical de Leos Carax




Por Jean-Marc Lalanne

Após nove anos de silêncio, o mais misterioso dos cineastas franceses retorna com uma ópera pop escrita com os Sparks. Uma exultação cinematográfica de uma audácia e de uma invenção extraordinárias, dentro da qual reside uma escuridão por vezes perturbadora.

Um plano-sequência virtuoso nos conduz dos bastidores do filme à sua ficção, de braços dados com seus participantes mais ilustres: os Sparks, Adam Driver, Marion Cotillard, entoando com alegria o encantador pop operático dos primeiros. Enquanto somos imediatamente arrebatados pela primeira cena orgástica e deslumbrante de Annette, uma ideia nos vem à mente: a mise en scène de cinema e o esporte de alto nível não se dão. Por outro lado, há na maneira de Carax um gosto pelo desafio, pelo desempenho, que o aparenta aos grandes esportistas: como se cada filme, sempre mais ambicioso e louco, recolocasse em jogo o título de campeão mundial.

De fato, a vivacidade dessa galvanizante cena introdutória, depois da qual, na imagem, atrás de um console no estúdio dos Sparks, o cineasta organiza o lançamento de seu filme, afirma-o com brilho: o campeão continua em grande forma. Sua capacidade de induzir uma energia elétrica que carrega cada plano com uma intensidade própria está intacta. O que segue não o desmente: todo o filme parece arrancado do cinema, como um haltere altamente carregado que é levantado do solo em uma inspiração por um atleta poderoso.

Contrariamente, porém, aos verdadeiros campeões esportivos, Leos Carax não beneficia de um treinamento intensivo ou mesmo de uma prática regular. Ao contrário, treze e depois nove anos separam seus três últimos longas-metragens. O que impressiona, em Annette, é também ver um cineasta exercer um dom tão constantemente adormecido, sem lutar para reencontrar instantaneamente seu uso pleno, exibindo a mais total posse de seus meios.

Aerólitos bizarros

Esses longos períodos de hibernação são provavelmente indispensáveis ao metabolismo da obra, como se o cinema de Carax precisasse atualizar lentamente seu software, manter-se em modo standby para se recarregar tranquilamente com o mundo ao seu redor. Porque é um dos paradoxos do cineasta, ou pelo menos de seus dois últimos filmes: aerólitos bizarros caídos não se sabe de onde, objetos empoleirados que não se assemelham a nada de conhecido, eles se prestam, entretanto, a descrever, comentar, restituir (mesmo de modo delirante e antirrealista) o mundo contemporâneo.

Holy Motors era uma espécie de tratado e de cartografia de todas as imagens que nos atravessam (analógicas, digitais, cinematográficas, informáticas...). Também articulando todas as naturezas de imagem (do cinema mudo, ao qual o filme faz múltiplas referências – Browning, Griffith, Murnau, Vidor –, aos posts de Instagram dos smartphones), Annette queima nas chamas de uma atualidade ainda mais forte em seu discurso: o filme condena a masculinidade tóxica, descreve as consequências devastadoras de um feminicídio e ecoa em todas as partes uma revolta tornada claramente audível no espaço público através do MeToo.

O imaginário amoroso de Leos Carax é estruturado por uma visão muito primitiva da ideia de casal. Ela encontra seus modelos, possivelmente, na leitura de Hugo (O Corcunda de Notre-Dame), na visão de King Kong ou então na do filme de Cocteau, apropriadamente nomeado A Bela e a Fera.

A análise patológica de pulsões violentas

Trata-se, ao mesmo tempo, de Esmeralda e Quasimodo, a atriz Fay Wray protegendo-se com seus braços da mão do grande gorila (em Annette, Marion Cotillard reproduz esse gesto com humor em seu leito conjugal enquanto diversos gorilas se infiltram no filme – o duplo mental de Adam Driver durante um plano furtivo em sua residência, a pelúcia de Annette...).




Em Sangue Ruim (1986), Denis Lavant (e suas extraordinárias competências de acrobata um pouco símio) e Juliette Binoche (tornada diáfana e vaporosa) constituíam o cristal perfeito deste imaginário. Hoje, Annette propõe sua desconstrução tortuosa.

Ao romantismo sentimental do mito original se substitui a análise patológica de pulsões violentas. A besta (prodigioso Adam Driver, ágil e desarticulado tal como exigido de um modelo caraxiano) tem o gosto pelo sangue; a bela é vítima, depois inquieta e vingativa (em suas últimas aparições, Marion Cotillard parece ter saído de um ghost movie japonês, como O Chamado de Hideo Nakata).

O filme mergulha nesse caldeirão de pulsões turvas sob o risco de se tornar muito pouco amável, transbordando de afetos cada vez mais amargos. Fascinado pela ferocidade de seu monstro, muito ocupado em erotizá-lo, ele termina por deixar pouco espaço a suas vítimas (muito rapidamente relegadas ao estatuto de espectro intermitente ou de estranho fantoche ao mesmo tempo mudo e cantante: é o golpe figurativo do filme que não será deflorado).

Um filme nodoso e complexo

Em sua apneia em águas nocivas, o filme atinge cenas de uma grande força analítica – como a sequência de stand-up, onde Adam Driver expõe sem filtros, em seu show, como a falência do desejo entre o casal se torna uma questão de vida e morte.

Mas em algumas de suas conclusões ele toca também em zonas de mal-estar e confusão, especialmente quando ele coloca lado a lado pai e mãe, assassino e vítima, como culpados pela criança Annette por a terem igualmente instrumentalizado. Uma forma um pouco apressada de preencher a lacuna existente entre o agressor e a agredida.

A culpabilidade é a grande questão de Annette. Aquela dos homens violentos; aquela, paradoxal, das mães mártires; aquela das crianças que, para se salvarem, condenam seus pais. Mas também mais amplamente aquela da arte, contra a qual o filme abre um processo perturbador. Ann (Marion Cotillard) e Henry (Adam Driver) são duas estrelas: ela, cantora de ópera, ele, comediante de stand-up. É, antes de tudo, a desigualdade de sucesso na virada de suas carreiras que semeará a discórdia.

Depois, mais profundamente, é ver sua esposa morrer no palco a cada noite que provocará em Henry um desequilíbrio que conduzirá ao drama. Em uma cena onírica, todos os grandes papéis agônicos de ópera interpretados por Ann (Madame Butterfly, A Dama das Camélias) se sobrepõem como se fosse sua arte quem, desde sempre, se alimentou com crueldade do sacrifício das mulheres. Finalmente, a condição para a libertação de Annette será renunciar à sua arte, cuja beleza enfeitiçadora é o estigma de demasiados infortúnios.

É o paradoxo desse filme nodoso e complexo: sua deflagração formal atordoante, a inspiração poética que o conduz a cada instante, é absorvida em uma meditação cética sobre a toxicidade da arte. As canções mais belas, ele parece nos dizer, são também venenos. Um elogio à sabedoria do silêncio é a conclusão paradoxal dessa tonitruante ópera pop.

Notre verdict sur “Annette”, la nouvelle dramédie musicale de Leos Carax foi publicado originalmente na revista Les Inrockuptibles em 22 de junho de 2021. Tradução : Luiz Fernando Coutinho.

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