Um ser-humano em marcha

Por Paul Vecchiali 


Antes de tudo, viver.

Traçar sua rota — é difícil quando desejamos que ela seja reta —, atravessar as florestas de confusões, escavar.

Aceitar as limitações, os temores, os fracassos. Fazer com tudo isso.

Mergulhar nu na mediocridade, na covardia, os esquemas, as mentiras, os falsos-semblantes, as renúncias, o cinismo, a incompreensão. E ainda, fazer com tudo isso.

E então, filmar.

Colocar cara a cara imagens e sons, exercer sua profissão decentemente, dirigir com calma, comunicar certezas.

E também regurgitar os instantes de vida. Redigeri-los. Aproveitar as emoções, mesmo as mais negativas, para ajudar os atores a fazer um espetáculo delas.

Prolongar sua vida nos outros, ao acaso. Emigrar... Não ser econômico; permanecer modesto. Que a paixão seja sentida, mas que não se exiba.

Voltar, esgotado, ao quotidiano. Pouco a pouco, se sentir desapossado de si mesmo, e do mundo. Passear então seu sofrimento lúcido, receptivo ao sofrimento dos outros, misturar com a alegria do trabalho...

Recomeçar a filmar, a viver...

Quando o desgaste acaba por esburacar a memória, esvaziar os reflexos, minar a vontade, fechar os olhos, cerrar os dentes, sem deixar a rota, esperar a morte.

Ela vem.

Se há algo que não podemos negar a Jean Grémillon, é de ter sido um homem em marcha.

É talvez essa obstinação em permanecer ele mesmo, filme a filme, para além dos seus problemas de homem (“honesto”) e de artista (“realizado”), presente com discrição, carregado de injustiças recebidas, cansado de esforços inúteis, vencido mas de pé, que o fez durante muito tempo passar por “irregular”.

É de propósito que eu uso a palavra “irregular”.

A paixão que, outrora, unia filmes e espectadores, foi substituída pelo julgamento glacial e cartesiano do professor: muito bom, passável, pode fazer melhor,... irregular!

Não há mais obras-primas. Enfim, me parece que, há alguns anos, muitos poucos filmes oferecem essa evidente perfeição que as impõe irresistivelmente.

O classicismo se dilui: ele sobrevive penosamente nos precavidos, ou remexe-se no prisma dos clichês revisitados.

Hoje, todo mundo pode fazer uma boa imagem, um som “trabalhado”, o que quer dizer dublado, bem acabado, sem problemas, consumível.

A técnica e a gramática, que os contemporâneos de Grémillon inventavam com ele, foram hoje completamente assimiladas.

Com o álibi do “respeito ao público”, à procura dessa perfeição, nós acabamos no prêt-à-porter...

E os filmes nos desabam, como uma catarata. Por que se lamentar? Mas como ganhar?

Mais tarde, a História... muito mais tarde!

Mas se nós fazemos mesmo assim, em relação ao passado, eu quero dizer até 1960, por exemplo... nós percebemos rapidamente que eles não reconheceram claramente aqueles que, em cada período, quiseram escrever o cinema...

De qualquer maneira, contestáveis são os seus julgamentos.

Então, hoje...

*

Como ter certeza que a magia do instante que recebemos aqui ou ali é comunicável? Como tentar comunicá-la?

Nos deparamos frequentemente com ceticismo, com a zombaria, com o recuo da argumentação, com a inteligência (enfim, você me entende) que pede para ser iluminada antes de sentir.


Uma luz, uma palavra, um sorriso, uma modulação, um som distante, uma graça, nos projetam para fora da anedota, na vertigem da poesia.

O cinema se afasta de seus componentes, levanta voo.

Dessas duas energias contraditórias, aquela que engendra a paixão de mostrar e aquela do pudor que se reprime, a colisão, centelha fugidia, se harmoniza em colusão.

*

Algo a mais se passa.

Um homem é preso no lugar de um outro cujo remorso o impulsiona à ajudar a família do inocente. Quando esse último pode fugir, é naturalmente em direção ao seu benfeitor que ele se dirige. E o outro o esconde de maneira igualmente natural... O estranho M. Victor (Raimu) tem uma mulher (Madeleine Renaud) pela qual o inocente (Pierre Blanchar) se apaixona.

Na casa, as persianas estão fechadas para permitir que Blanchar vá e venha sem o risco de ser visto pelos vizinhos. Um dia em que ele está muito insistente, e convincente, Madeleine Renaud, ela também apaixonada, temendo sucumbir, se precipita em direção às persianas para parar Blanchar, abre-as amplamente.

Esse gesto o inunda de sol.


A beleza desse instante, sem grandeza, sua eficácia profunda, a leveza do discurso, bastam para dizer do filme que a contém que ele é uma obra-prima.

Podemos dizer o mesmo a propósito de Pattes Blanches a partir do casamento de Suzy Delair — Fernand Ledoux, visto de cima por Michel Bouquet, ou ainda a partir da dança de Arlette Thomas; assim como das lágrimas de Gabin no fim de Gueule d’amour, assim como da prisão de La Petite Lise, da visita à casa vazia em Remorques, da morte de Gaby Morlay em L’amour d’une femme...

Se uma vez referenciamos esses famosos instantes, o resto do filme parece menos forte, menos justo, menos... o que? — o que você quiser, mas não nos esqueçamos que os momentos fortes são sempre preparados por momentos mais difusos, mais melódicos... Não esqueçamos tampouco que os juízos de “conteúdo” estão sujeitos às modas e aos humores.


Acusar o filme, então, é talvez tomar consciência das nossas próprias insuficiências, dos nossos próprios limites.

Diminuir o seu mérito por meio de chicanarias, é trair um homem que correu riscos e os assumiu.

Ah não! Não se trata de uma lição de moral, mas antes de um aviso.

Ao querer demasiadamente não se deixar enganar, nós deixamos morrer o prazer. Por desejar demais a perfeição, nós dessecamos o juízo.

Grémillon não obteve a carreira que a profissão lhe devia e, ainda mais grave, ele nem sempre fez os filmes que ele ansiava fazer.

A História se repete.

Há, por exemplo, em Jacques Demy, em Jean-Daniel Pollet, em Jacques Rivette, esses instantes de graça comparáveis àqueles que fervilham em Grémillon...

*

Para um cineasta, é impossível escapar desta alternativa: ou perder tempo ao enfileirar pérolas para fazer de um colar de filmes um belo adorno, ou então usar a sua vida, filme após filme, para procurar o segredo das imagens.

Quer gostemos ou não, há aí dois mundos, incompatíveis, rigorosamente impermeáveis.

Grémillon devia saber disso.

Ele talvez tentou viver fingindo que não o sabia, as consequências são as mesmas... E se há alguém a se lastimar nesse caso, não é ele, mas aqueles que o confinaram no silêncio.

Ele, ele vai bem, obrigado. Ele estará cada vez melhor. 

O texto Un être humain en marche foi lançado originalmente no dossiê Grémillon pela revista Cinéma 81 (n° 276), em dezembro de 1981. Foi republicado no livro Le cinéma? Plus qu’un art!...– Écrits et propos (1925 – 1959), coletânea de textos de Jean Grémillon. Tradução: Letícia Weber Jarek. 

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