Jean-Luc Godard: Made in USA




por Adriano Aprà

Cinema Bidimensional. Presença móvel confinada entre duas paredes - aquela da câmera-tela-espectador, que lhe está adiante, e aquela de uma "superfície", que lhe está detrás - Anna Karina-Paula Nelson, compelida a sair pelas bordas do enquadramento-prisão, em fuga. Este procedimento estilístico dá a impressão inesperada, e salutar, de um cinema "diferente", onde nós, espectadores, não nos reconhecemos - para melhor conhecermo-nos. Uma regressão a Lumière, ou melhor, para antes de Lumière (quanta profundidade de campo em seus breves planos-sequência!), que é, ao mesmo tempo, uma mímese-crítica das formas mais difusas da visualidade contemporânea, da publicidade aos quadrinhos, é o "modus vivendi" proposto por Godard.

Cor pura. Cor-objeto, não objeto colorido: a superfície da tela se apresenta como uma justaposição de elementos díspares (um vermelho + um amarelo + um azul) onde perdemos o senso de continuidade e na qual, de repente, parece possível evidenciar sem ambiguidade os "cinèmi" pasolinianos (uma Anna Karina sobre uma parede amarela...); onde, ao contrário, a ambiguidade se re-apresenta como negação programática de uma harmonia pré-concebida: a justaposição de cores autossuficientes basta para provocar o desequilíbrio, inserindo-se escandalosamente num mundo da visão dominado até ontem por sua equilibrada contraposição ou composição.

Cinema Estático. Não a dissolução do real em fotogramas únicos mas sua conservação real, isto é, a revelação de sua natureza (cultural), e a do cinema. Godard-Zenão destrói a ilusão da realidade como contínua e a do cinema como movimento (muito menos timidamente que - Une femme Mariée, Alphaville - quando se limitava a inverter a película, fazendo do negativo positivo, para destruir a ilusão realista do cinema). As coisas se seguem com indiferença, sem que o ataque da montagem ou a continuidade técnica do plano-sequência insinuem uma hipótese determinada e codificada de relação entre ambas. Não resta, diante da dissolução das combinações recebidas, senão a possibilidade de inventarmos nós mesmos novas hipóteses, novas combinações. Shklovskij dizia (interrogando-se, em 1923, sobre um cinema original, como aquele sobre o qual, em 1967, se interroga Godard): "O mundo contínuo é o mundo da visão. O mundo descontínuo é o mundo do reconhecimento. O cinema é filho do mundo descontínuo [...]. O cinematógrafo não se move, mas é como se se movesse. O movimento puro, o movimento em si mesmo não será jamais restituído ao cinema, que deve ter relação somente com o movimento-signo, com o movimento semântico. Não o simples movimento, mas movimento-ação, eis a esfera do cinema. O movimento semântico-signo percebe-se pelo nosso ato de reconhecimento, depois completado por nós em seu desenho". Made in USA, fazendo explodir o cinema, rompe nosso hábito de pensar o cinema e o mundo como contínuos, e torna ferozmente atual o grito de alarme que Shklovskij, otimista em suas esperanças, lançava: "Não, este século passará e o pensamento humano transporá os termos colocados pela teoria dos limites, aprenderá a pensar mediante processos racionais e, de novo, perceberá o mundo como um todo contínuo. Então o cinema deixará de existir".

A perda de identidade. A personagem é a última hipótese de coesão para o universo de esfacelamento, uma garantia de reconhecimento da realidade fílmica, para além das fragmentações múltiplas no nível do enquadramento, da montagem, da estrutura narrativa. Godard destrói também esta esperança. E o faz - autodestrutivo - partindo do modelo estereotipado do detetive, unificador, nos tão amados filmes noir de Hawks, Walsh, Fuller, de um récit amiúde tão desenvolto e "livre" de lógicas espaço-temporais, como aquele Godardiano: a personagem, sobrepondo a continuidade da própria presença humana ao aparentemente descontínuo, tornava hipotética e impotente aquela liberdade. Pelo contrário, Anna Karina jamais é Paula Nelson, senão ironicamente, enquanto alusão estranha a uma personagem (Bogart, por exemplo) apenas revivida pelo Godard cinéfilo, logo dissolvida. É uma presença física mutante, entra num enquadramento para dele sair, para entrar no enquadramento (descontinuamente) seguinte como num outro filme: isto é, num outro tempo e num outro espaço, que estabelecem com os primeiros relações abstratas e metafóricas (um pouco como nas comédias de Chaplin ou de Laurel e Hardy). Suspensos numa dimensão que custamos a reconhecer como nossa (e contudo, veremos, lhe é a imagem mais fiel), os enquadramentos se apresentam descompostos e, ausente a "personagem", não-recomponíveis, nem mesmo por um hipotético espectador "ativo": a escolha estilística de Godard é a recusa a todos os níveis de continuidade espaço-temporal como código de segurança cinematográfica.

La vie moderne. "Vivemos até hoje num universo fechado. O cinema se nutria de cinema. Se auto-emulava. Percebi que, nos meus primeiros filmes, se eu fazia certas coisas, era porque já as tinha visto sendo feitas no cinema"; "estou no meu décimo-terceiro filme e, contudo, tenho a impressão de que só agora começo a me interessar pelo mundo"; "houve períodos de organização e de imitação, e períodos de ruptura. Encontramo-nos num período de ruptura. É preciso retornar à vida. Hoje, é preciso ir de encontro à vida moderna com um olhar virgem". A novidade desconcertante do cinema de Godard é aquela de uma tomada direta do mundo tão intensa que custamos a reconhecê-lo, o mundo e o cinema. Seu não é um discurso sobre o cinema e, logo, sobre a vida moderna, mas o discurso da vida moderna e, portanto, do cinema; é, em outras palavras, a hipótese louca, que o aproxima de tantos cineastas contemporâneos, de um cinema-vida que postule a abolição das fronteiras, a superação dos limites, recusando a contemplação em favor da ação. Nesse sentido, Godard fala cinema para falar vida. A destruição dos códigos tem uma função imediata: trata-se de ensinar a enxergar-escutar a quem sabia apenas ver-ouvir. Godard filma por muito tempo um magnetofone insignificante e registra em volume muito alto uma voz confusa? Justamente, não é o que se vê-ouve que conta, mas o próprio fato de (re)ver e de ouvir (de novo): o meio, ou melhor, o cinema - portanto o mundo, um e outro enxergados e escutados pela primeira vez - é a mensagem.




Made in USA. Feito nos Estados Unidos dos clássicos do cinema, mas também naquele dos autores "underground". A operação estilística de Godard, de fato, destrói o código instituído do cinema tão amado na juventude para fundar um outro cinema que, talvez, já realiza o que teorizam os Brakhage, Warhol, Cavanaugh. Por trás das preocupações de Godard está a urgência de limpar a linguagem, regenerá-la, para restituir-lhe a possibilidade de uma comunicação não-alienada, não-ilusória, para fazê-la falar sem ser falada, libertando-a das estratificações de sentido que esta traz consigo, antes mesmo de ser empregada. Fazer um primeiro plano como se se o inventasse, destruindo a lembrança obsessiva dos primeiros planos de Cukor, Hawks ou Griffith. Restituir a linguagem a um grau zero, no qual ver e ouvir não signifiquem rever e ouvir de novo. Masculin féminin foi talvez o primeiro filme em que Godard, depois de haver buscado exaustivamente sua própria linguagem, começava a dizer alguma coisa. Made in USA parece, entretanto, levar adiante a fase experimental, numa ulterior, mais radical destruição de convenções e estratificações estilísticas. O tridimensional reverte-se em bidimensional, o dinâmico em estático, o contínuo em descontínuo; não existe mais personagem, nem mesmo a "obra" como universo fechado, concluído (ao todo substituem-se seus fragmentos, dos quais não se postula mais nem mesmo a sistematização, como ainda era o caso de Vivre sa vie e Une femme mariée; o não-finito e a contradição estilística substituíram definitivamente a coesão da obra tradicional). Tudo explode, o cinema é, sem cessar, interrogado naquilo que críamos indiscutível, sobretudo em seu "naturalismo" e em sua "verossimilhança"; a deformação assume em Godard a função de revelar a imagem em sua ambiguidade (e não de privá-la de tal ambiguidade, através de uma redução codificada dos sentidos possíveis). Tal revelação parece, enfim, fazer parte de um projeto sistemático, se formos crer em Jean-Louis Comolli que, no nº 191, junho de 1967, dos Cahiers du Cinéma, descreve assim Anticipation ou L'Amour en l'an 2000, último filme "rodado" por Godard (não mais disponível como tal na França e, presume-se, na Itália, depois das "alterações" feitas pela produção): "Encontramo-nos diante de um outro experimento, diverso até daquele de filmar: a tentativa e a tentação de destruir a própria imagem, isto é, a matéria-prima e vital do cinema [...]. Talvez o experimento para saber a que ponto, exatamente, a imagem pode autodestruir-se, qual é seu limite de resistência: se, estampando-a em negativo, monocromática, falseando seus valores de luz e sombra, espremendo-a de todas as maneiras, no fim obtém-se aquela mesma coisa qualquer, na qual se encontraria ainda o coração profundo do cinema, a alma para além de toda superfície e aparência". Repetiremos por fim em relação a Godard que "através de técnicas e modalidades diversas [...] a operação [da nova vanguarda] é a negação da comunicação linguística comum enquanto revelação de sua natureza reificada, e é assunção da língua-coisa como objeto e fim do programa combinatório que se apresenta como programa de combinação de "coisas", de "matéria", de partes de língua em seu discretum, não em seu continuum ou linearidade, extirpados ao fluxo ou sistema comunicacional, reconstituídos (segundo diferentes modelos de combinação) em novas unidades de comunicação e significação negativas ("grupos", "séries", "seções", etc.) derivadas, precisamente, da desestruturação dos planos (sintagmático e paradigmático, contextual e sistemático) do sistema comunicativo linguístico" (Gianni Scalia).

Cinema e filme. Falar de Godard quer dizer falar de cinema; quando não de cinema-Godard, se Godard assimilou todo o cinema feito até hoje para inventar - e continuar inventando - o outro cinema. A relação entre um filme de Godard e outro filme seu é, portanto, antes aquela entre uma hipótese de cinema e outra hipótese de cinema, ou entre os diversos estágios de uma mesma hipótese de cinema. Também aqui, nenhuma continuidade: se destrói o cinema visto para construir um outro cinema, Godard vai até o fim, e destrói os próprios filmes para construir outros a serem destruídos. Seu movimento é incessante, um movimento vital, no qual os "filmes", como unidade, não subsistem. Estes são pedras de um mosaico em movimento que se forma no tempo, digo, que se monta no tempo; de um filme-monstro, pois que se chama "cinema", e muda de sentido a cada novo ataque e espera. Morre um filme para que viva o próximo e, nisto, reviva a ideia de cinema que se cristalizara momentaneamente no primeiro. E nisso tudo o crítico sente a urgência de superar este mapa que queima, de fugir de algum modo ao grande incêndio, para aludir àquele senso plenamente vivido e vivente que é o cinema de Godard.

Publicado, com o título A propósito de um não-reconciliado permanente, em "Cinema &Film", nº 3, verão de 1967, pp. 323-325. Disponível online em http://www.adrianoapra.it/?p=1860. Tradução: Eduardo Savella.

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