Nem medo nem pena (fragmento)



Por Jean Narboni

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Muitos anos após esses filmes dos anos trinta, no outro polo de sua carreira, no dito segundo período de declínio dos anos sessenta, Naruse dirige Tormento (Midareru, 1964), um de seus últimos filmes. O cineasta taiwanês Edward Yang encontrou uma nova ocasião para professar a sua admiração por esse cineasta, atendo-se sobretudo à última cena. Ele destaca, com trinta anos de distância, um gesto em todos os pontos comparável àquele que descrevemos em Depois de Nossa Separação (Kimi to wakarete, 1933) e Três Irmãs de Coração Puro (Otome-gokoro sannin-shimai, 1935). Reiko, viúva de guerra há quinze anos e ainda jovem, encontra-se em uma aldeia montanhosa com seu cunhado, Koji, doze anos mais novo que ela. Ele lhe faz entender no começo do filme que a ama há muito tempo. Chocada de início, ela o mantém distante, o rejeita, mas deixa-se pouco a pouco ganhar pela emoção e enfim pelo amor, hesitando sem parar entre o que ela experimenta com o jovem e as lembranças do seu marido, ao que se adiciona o peso onipresente das convenções. No fim, durante a viagem que a leva definitivamente de volta à cidade de seus ancestrais e que o jovem rapaz quis fazer com ela, Reiko, aproveitando uma etapa na montanha, pede-o para partir. Koji, desesperado, fica bêbado em um albergue da aldeia e se afunda em plena noite, titubeante, em um bosque vizinho. Na manhã seguinte, Reiko vê da janela do seu quarto de albergue um grupo de aldeões que carregam um corpo sobre uma maca. Ela identifica Koji pelo anel que lhe deu como um sinal de adeus e que ele leva em sua mão direita, caída do pano que o cobre. Ela precipita-se para fora do albergue, começa a correr atrás dos aldeões, a câmera a acompanha depois a ultrapassa em seu movimento, mas o cortejo se distancia e desaparece na esquina de uma rua. Reiko, subitamente, deixa de correr e fica imóvel. O filme termina em um close de seu rosto sem expressão. Edward Yang descreve longamente essa passagem, fala de sua surpresa e admiração diante da parada brusca da corrida de Reiko e o corte que ocorre no close do rosto. É verdade que o momento, em sua brevidade, é surpreendente. Uma personagem se precipita e depois põe um fim à sua busca sem que nenhuma decisão consciente tenha presidido essa parada, sua imobilidade é como uma aquiescência do movimento da vida que continua, o qual neste instante confunde-se com aquele da separação, da perda e da morte. Edward Yang não hesita em afirmar que no momento em que escreve seu texto, em 1998, poucos cineastas seriam capazes de tal audácia. Para qualificar este fim emocionante de concisão e literalmente de contenção, ele emprega uma palavra que não esperamos, que é “generosidade”, e para definir o cinema de Naruse, ele conclui com a bela expressão “invencível estilo invisível”.

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Extraído do livro Naruse - Les temps incertains, Paris: Cahiers du cinéma, 2006, pp. 126, 127. Tradução: Cauby Monteiro. 

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