O gosto da beleza




Por Éric Rohmer

O amor pelo belo é coisa tão disseminada que o bom gosto é raro. As paixões são idênticas para todos, mas não se dirigem aos mesmos objetos. O homem comum ou o filisteu devotam à beleza um culto do qual erroneamente subestimamos o valor. É com a cultura que, frequentemente, começa a indiferença.

Meus confrades da imprensa diária ou hebdomadária, colaboradores ou não, amigos ou não dos Cahiers, não se chocarão, espero, se me surpreendo em vê-los, sobretudo nos últimos tempos, barganhar, na crítica de filmes, com a própria noção de beleza.

O termo é plano, bem sei, e não pode servir de argumento. Mas não é a ausência do termo que deploro: antes a de um certo ângulo sob o qual, contudo, me parece mais natural julgar os filmes, se é verdade que os consideramos obras de arte.

Ora, que cronista da mais obscura das folhas de província não está profundamente convencido de que o cinema é uma arte, uma arte maior? Quem, ainda hoje, ousaria confundir a análise de um filme com o estudo de seu roteiro? Quem pretenderia, como outrora, escorar o julgamento somente em considerações políticas ou morais? Tais progressos foram feitos, nesse sentido, desde alguns anos, de tal modo que seria muito difícil, hoje na França, determinar a cor de uma publicação lendo-se tão-somente a rubrica de cinema.

Seria de resto inadequado de minha parte fazer a menor reserva sobre a competência ou objetividade de meus confrades. Não é esse o meu desígnio. Estes, de todo modo, convirão prontamente comigo que não lhes é sempre permitido escapar ao contágio da atualidade. Acrescentaria, se eles só o fazem cedendo a essa atualidade, que não estão menos próximos da verdade do que nós que, nos Cahiers, alentamos a ambiciosa proposta de julgar sub specie aeternitatis.

É normal que um crítico de arte se faça um pouco de profeta, pois seu papel é de aconselhar um investimento. Mesma coisa para o crítico literário, seus leitores lhes sendo gratos por não abarrotar suas bibliotecas de obras que não vão reler. Mas o crítico cinematográfico nada tem com o futuro, pois tal futuro mais frequentemente não existe e o filme é um espetáculo efêmero que ele não terá mais ocasião de citar, nem seu público de rever.

O cinema de que nos ocupamos nos Cahiers é talvez, como escreveu alguém, um cinema "em si" e, mesmo, admito, uma visão do espírito. Mas nos perdoarão mais facilmente por nos colocarmos no eterno, quando se pensa que nossa publicação mensal nos impede de agarrar o presente. É preciso que essa desvantagem se converta em nosso favor. É nossa única razão de ser.

Nós nos dirigimos a um público restrito cuja ótica é aquela do museu. Com que direito condenar isso? Um filme não é, nem mais nem menos, feito para as salas de repertório que a Monalisa feita para o Louvre. Se não existem ainda no mundo museus de cinema dignos deste nome, cabe a nós lançar as bases. Está aí o grosso de nosso combate, que contamos desempenhar, nos anos que se seguirão, de maneira mais ativa, mais precisa, mais circunstancial.



Disto não se segue que sejamos, senão no geral, ao menos em casos particulares, melhores profetas que os outros. Propondo-me retornar às belezas de quatro filmes recentes, belezas que passaram despercebidas, não pretendo que o julgamento da posteridade me dará forçosamente razão, mas mostrar que de certo ponto de vista, menos submetido às circunstâncias, tais obras apresentam belezas - sim, é este mesmo o termo - que facilmente balanceiam, mascaram, apagam os defeitos que se conviera nelas descobrir.

Beleza - ou belezas - é um conceito que julgo, por ora, preferível ao de "mise en scène", comumente predicado aqui mesmo, mas que não quero, no entanto, denunciar. A primeira noção compreende a segunda a qual, por sua vez, possui também uma acepção puramente técnica. Ora é evidente que podemos, só de um ponto de técnico, defender, no limite, obras de - digamos para não ferir ninguém - Clément ou Clouzot, Wyler ou Zinnemann. Porém, assim que pronunciamos o termo beleza, tais obras murcham como balões.

Não acho que nossos críticos tenham lições a aprender com ninguém a respeito dos méritos específicos do cinema, que discernem com constante perspicácia. Eu não os reprovaria por não apontar o bastante em quê esta arte difere das outras, mas antes no quê ela pode ser tida como igual. Sem saber, fazem-na muito frequentemente uma parente pobre. Uma indulgência de princípio acontece ser assim a causa de suas severidades particulares. Eles não consideram que o belo que o cinema propõe seja da mesma qualidade, da mesma elevação, que aquele que se pode admirar alhures: recusam-se a crer que ele possa se esconder por vezes sob as mesmas aparências ingratas que num quadro ou poema, e que seja necessária uma longa e paciente familiarização para descobrí-la: eles não lhe reconhecem essa faculdade do secreto, do mistério, que é contudo um de seus mais certos poderes.



Vejamos La Proie pour l'ombre. À vista do presente, esse filme pode parecer desprovido das virtudes provocantes ou amáveis pelas quais as obras que o precedem na mesma sala, ou que passam ao mesmo tempo que ele na avenida, souberam ganhar a indulgência da crítica. Uma secura que não saberíamos tomar pela máscara de uma sensibilidade pudica, a recusa dessas notações que são o ordinário das descrições psicológicas, o amor sistemático pelos tempos fortes da ação, tudo isso nos repele. Mas, sem esperar mesmo que uma segunda ou terceira visão tenham dissipado seu embaraço, o que elas não deixariam de fazer, tenho certeza, comparem simplesmente esse filme com o que a história do cinema pode nos oferecer de mais realizado: e verão quanto, longe de perder, o filme ganha em comparação. O que pode mais, é um dos paradoxos da arte, não pode, igualmente, de menos. E, velho aristotélico que sou, não hesito em escrever que uma das obras mais belas da arte do cinema não é forçosamente o melhor espetáculo inscrito no programa de uma das mais pobres semanas da temporada.

Que me entendam bem. Não quero dizer que La proie pour l'ombre não seja de seu tempo. Antes pelo contrário. Recolocado na História, este filme parecerá mil vezes mais moderno que tantos outros concorrentes julgados, por ora, mais "avançados". Mas ainda, sobre esse ponto, faltariam argumentos se nos colocássemos somente no ponto de vista da técnica. A percepção de novidade é aqui indissociável do sentimento de beleza. E essa beleza, se bem que não esteja isenta - é seu direito - de referências figurativas ou literárias, recorre à proteção daquela que nos ensinaram a sentir as grandes obras da tela.

Fala-se de especificidade e isso é muito bom. Mas aí trata-se somente, em geral, de uma especificidade dos meios e não dos fins. É evidente, por exemplo, que L'Avventura ou La Notte são grandes filmes e seria muita tolice, considerando somente os meios, taxá-los de literatura pois neles se faz, dos poderes próprios ao cinema, o uso mais justo e mais original. Não nos é, de todo modo, negado pensar que a espécie de beleza que esses filmes nos descobrem pôde, ou poderia, ser apreendida com igual felicidade pelo pintor ou pelo romancista. Quero mesmo crer que o cinema nada inventou - menos ainda do que pensam seus detratores - se nos atermos aos procedimentos de expressão ou motivos de seu uso. Não é uma linguagem, mas uma arte original. O cinema não diz de outro modo, mas outra coisa: uma beleza sui generis, que não é nem mais nem menos comparável àquela de um quadro ou de partitura que uma fuga de Bach a uma pintura de Velázquez. Se o cinema deve igualar-se às outras artes, é pela procura de um mesmo grau de beleza. Tal é o único fim comum que possam propor-se umas e outras formas de arte.

Eu só gosto dos grandes temas. O daquele filme é um deles, com todo respeito àqueles que viram nele somente um drama à Bernstein, o que de fato é, talvez, no papel. Mas hoje eu evitarei as areias movediças do debate sobre a forma e o conteúdo: de resto o filme foi defendido aqui mesmo, mês passado, em relação ao fundo e eu não tenho porquê retomá-lo. Simplesmente me surpreendo se meus confrades se encontram comumente, diante da tela, tão satisfeitos com concepção tão medíocre, terra a terra, da profundidade. Claro, já não se cai mais, faz tempo, na dos filmes de tese. Mas fizemos tanto progresso assim? Aquilo que chamamos "profundo" é uma descrição, amiúde justa, de resto, das características ou dos costumes, porém limitada às fronteiras mornas de um realismo de escola. Não se pode simplesmente crer que o cinema possa abordar a verdadeira tragédia. Cada vez que um filme arrisca fazê-lo e consegue - sem todavia plagiar os gregos ou Shakespeare - ei-lo ipso facto batizado de melodrama. Se nossa arte não perdeu, como as outras, o dom de explorar situações fortes e simples, porque não nos felicitarmos, em vez de querer a todo preço retirar-lhe a chance?

A crítica, de modo unânime, desconsiderou o tema de Godelureaux que, também este, é um grande tema. Jamais contrassenso maior se cometeu a propósito de um filme que tem suas razões e não, de modo algum, suas desculpas. Depois de certa balbúrdia da imprensa e do mito da "Nouvelle Vague", obstina-se a encontrar, na obra de Chabrol, um lado exemplar ou romântico que ela não possui de modo algum. Como justamente dizia A. S. Labarthe a propósito de Bonnes Femmes, o que conta aqui não é a "mensagem", mas o "olhar". Ora, ao olhar da câmera, mulheres-feitas e xavequeiros são seres privilegiados pois excessivos, uns pecando pelo excesso de naturalidade que não é senão um primeiro artifício, outros pelo excesso de artifício, que é uma segunda natureza. Pelo único efeito de perseverar em seu ser, os seres nos fascinam e, finalmente, nos comovem como tudo o que é ingênuo, sem recorrer a piscadelas enternecidas e outros pathos fellinianos. Tal motivo, caro à tela - não há grande filme que não soube acolhê-lo - surpreendo-me que ninguém, ou quase ninguém, tenha felicitado Chabrol por tê-lo abordado de frente e por ter ido, sem pestanejar, até ao fim de sua lógica.



Mas onde está a beleza? Receio que se faça do belo uma ideia bastante piegas e acadêmica. Não é a caricatura um gênero reconhecido? Há caricatura neste filme, assim como no precedente, e da melhor. Quero dizer que ela não nasce de um tique de escrita, mas de uma visão que é a própria compreensão das coisas. Ousaria dizer que a arte de Chabrol é a mais "metafísica" de todos os nossos jovens cineastas? Porque não, se é verdade que ele extrai suas belezas menos do adornamento dos temas que da descoberta de ideias. Há por exemplo uma ideia de mulher, da feminilidade na personagem de Ambroisine, que não encontro expressa com a mesma força plástica, biológica, moral nas heroínas dos filmes contemporâneos, se bem que estes últimos lhe arrebatam pela delicadeza das notações do detalhe e de tudo o que temos o costume de chamar psicologia. Maltrapilha ou desnuda, galhofeira ou melosa, harpia ou ninfa, bovina ou libélula, Ambroisine, ao longo de suas metamorfoses, só é a esse ponto portadora do eterno feminino pois soube preferir, às cômodas seduções de suas irmãs de cinema, as graças severas do arquétipo.

Há em Les Godelureaux um outro tipo de beleza que, essa, ao menos devem ter tocado o público, pois mais ao gosto de hoje. Pela apresentação das personagens e a condução mesma da narrativa este filme é, entre todos, o mais distante das normas da dramaturgia clássica e o mais próximo, pelo espírito, das pesquisas do romance contemporâneo. Pois não creio exatamente "moderno" o fato de impor às situações ou a tipos convencionais os grilhões de uma retórica bizantina e que coloca o cinema a reboque da literatura quando esta, sozinha, procedeu à composição. Aqui, ao contrário, a vontade perpétua de modulação nasce não de um postulado arbitrário, mas de uma fluidez mesmo do ponto de vista que é, como já disse, o da metamorfose. Uma lenta ascensão nos conduz do asfalto germanopratino
[1] ao vasto céu leitoso ou iridescente das últimas bobinas, céu que, por não ter nada de místico, nos instala de todo modo na perspectiva de Sirius e transforma as marionetes um tantinho boulevarescas do começo em heróis inquietantes de ficção científica. Que haja nisso simbolismo - e mesmo simbolismo esotérico, à vontade - Chabrol não o esconde: também não vejo nessa vontade de significar em filigrana nada que se oponha - antes pelo contrário - aos cânones generosos da arte e, a fortiori, aos hábitos de nosso século.



A pirâmide humana não tem nada de filme maldito, mas os elogios com que o discernimos foram surpreendentemente moderados e diziam mais respeito ao interesse da experiência que aos méritos da própria obra. Talvez Rouch não seja, "a princípio", um artista, ainda que a fantasia - poder-se-ia dizer a poesia - de sua pesquisa aparente-se menos à ciência que à arte. Sem dúvida terá ele em vista primeiro a verdade, e a beleza, parece-lhe, não lhe é concedida senão como acréscimo, conforme o axioma "nada é belo senão o verdadeiro". De acordo, se considerarmos somente o empreendimento, a fabricação, o método. Mas do ponto de vista desse "cinema em si" que amamos, dizia eu, ao ponto de nos entregarmos aos seus braços, e do qual aceitamos com alegria o fardo, pergunto-me se a recíproca "nada é verdadeiro senão o belo" não nos abre perspectivas mais justas. Pintura, poesia, música, etc. buscam traduzir a verdade através da beleza que é seu reino, o qual não podem abandonar sem cessar de existir. O cinema, ao contrário, usa técnicas que são instrumentos de reprodução ou, se se quiser, de conhecimento. Ele possui, de certo modo, a verdade em princípio e se propõe a beleza como fim supremo. Uma beleza, então, e isto é o importante, que não se deve ao cinema mas à natureza. Uma beleza que ele tem a missão, não de inventar, mas de descobrir, de capturar como uma presa, quase de roubar às coisas. A dificuldade para o cinema não é, como se crê, de forjar um mundo seu com esses puros espelhos que são os utensílios de que dispõe, mas de simplesmente poder copiar essa beleza natural. Mas se é verdade que ele não a fabrica, também não se contenta de nos entregá-la como um pacote bem embrulhado: antes ele a suscita, ele a faz nascer segundo uma maiêutica que constitui o fundo mesmo de seu procedimento. Se ele nos der somente o que já se conhece, a princípio quando não no detalhe, não aferraria nada além do pitoresco. E com o pitoresco, juro, nossos críticos, quando os lemos, se contentam facilmente.

Mas disto vejo-me obrigado a tomar um exemplo, sob o risco de denegrir uma obra que não é das menos meritórias. Shadows, filme de que gosto muito e sobre o qual outros fizeram o maior dos casos, opondo-o precisamente ao Pirâmide é, aos meus olhos, o tipo mesmo do filme pitoresco. É, como se sabe, a história de um rapaz que seduz uma moça que crê branca e que, depois do amor, diante de seu irmão, mais típico, apercebe-se que ela tem sangue negro. Sei que o problema das raças está na ordem do dia mas, se me permitem dizer, do ponto de vista do "eterno" onde nos colocamos, tal atualidade não tem assim tanta importância. A situação, como foi pintada, não seria modificada profundamente se, por exemplo, em lugar de uma mulher negra se se tratasse de uma mulher casada. É, logo, uma situação qualquer. Os heróis desse filme são pessoas jovens e a juventude, também, é um tema que está na moda. Mas poderiam muito bem ser quadragenários: a narrativa não perderia senão alguma graça ou comodidades de todo exteriores: sua idade é, logo, ela também, uma idade qualquer. O fato de que se trata mais ou menos dos "godelureaux" acrescenta ainda mais à modernidade e ao pitoresco, mas um retrato da espécie humana não é de modo algum, como em Chabrol, desenhado através de tal técnica e a América mesmo, onde eles vivem não se toma aqui como o centro do mundo que ela sabia ser em tantos filmes hollywoodianos. Estamos portanto num meio social qualquer.

Em Rouch, ao contrário, raça, idade, meio dos heróis aparecem constantemente como motivos privilegiados. E isto não somente pelas facilidades que concedem ao cineasta: eu disse que considerava os fins, não o método. Tais privilégios, aqui, nos são descobertos como sendo o fato das coisas mesmas: pluralidade de raças como tal, juventude como tal, África como tal. O fato racial em particular não aparece mais, como antes, à maneira de uma singularidade de um caso e, por conseguinte, de uma falha, de uma falta da natureza, mas como a expressão da plenitude e da liberdade dessa natureza. Se há algo de trágico nesse psicodrama onde as bocas dos estudantes transformam o chumbo da psicanálise no ouro da confissão, respondendo moral quando se lhes diz ciência, é que ele se baseia, como todo verdadeiro trágico, na ideia, não exatamente, talvez, de que o mundo é bom, mas de que não podemos considerá-lo outro senão aquele que de fato ele é. Não se trata, como pouco antes, de um tema contingente, à escolha dentre uma multiplicidade de possibilidades, mas de um grande tema tão necessário que o cinema, uma hora ou outra, devia abordar, e que quase não encontrou mais belo, ao longo de sua história.

A obra de Preminger é pura beleza. Mas é justamente essa beleza que se lhe reprova, esse gosto da bela natureza ou do belo traço em nome dos quais, diz-se, sobretudo em Êxodo, ele sacrificou verossimilhança, realismo, psicologia e outras virtudes maiores. Os filmes precedentes encontravam desculpas na violência ou na amargura da proposta. Aqui, recusa-se mesmo essa indulgência que se consente em geral às obras mais ingenuamente agarradas à sua tese, confinadas nos limites de um gênero popular como se, para o autor de um filme histórico, não houvesse escolha fora da ótica da Chanson de Roland ou da de Fabrício[2] em Waterloo.



É ainda um grande tema, não tanto por colocar em jogo altos interesses, mas por mobilizar todos os recursos do cinema, não sendo estes seu luxo mas pão cotidiano. Tal nascimento de uma nação desfruta do privilégio de reforçar a ideia de povo com aquela de raça, mais concreta e, logo, mais apropriada à utilização na tela. É verdade que o autor, pouco desejoso dessa vantagem, não subordina a escolha de seus intérpretes a nenhuma consideração étnica, a "vedete", nesse tipo de superprodução, sendo imprescindível. Sim, há convenções; mas de que importa, se não incomodam mas servem à proposta, constituem um dos utensílios pelos quais o cineasta forja sua beleza. O que conta não é a identidade do tipo, da fisionomia, mas a permanência do sangue através das máscaras as mais diversas, mesmo se a vontade de diversificá-las é parcialmente imputável a certa - e, de resto, totalmente legítima – coqueteria, como mostra a cena, de grande humor, onde Ari, vestido de oficial inglês, tapeia o adjunto do governador, "expert em judeus".

Podemos nos contentar em ver Preminger - e é motivo suficiente para admirá-lo - como um dos mais puros representantes de um cinema clássico, goethiano por assim dizer, por essa espécie de serenidade sem alvoroço de que é feito seu olhar, esse desprezo pela melancolia, pelo bizarro, esse culto dos grandes lugares-comuns, essa procura do essencial, do ato em sua plenitude, esse amor pela ordem, pela organização, esse gosto pelos seres excepcionais e contudo vulneráveis, mais próximos dos "filhos do rei" caros a Gobineau que do modelo romântico. Pode-se indicar a que ponto a simplicidade real do estilo furta-se à análise, pois cada problema particular é resolvido em função de uma sensibilidade sempre alerta, e não de um sistema fortemente proclamado.

Mas podemos também notar tudo o que essa arte tem de moderna. A evolução do cinema não é linear. Louvar Rouch não nos proíbe de admirar Preminger, no outro extremo do registro. E, enfim, ambos comungam no mesmo respeito à natureza. Os grandes meios técnicos de que dispõe o autor de Êxodo, e que têm seus inconvenientes menores, possuem essa imensa vantagem de fazer esquecer, na arte, a intervenção humana e, por conseguinte, de nos aproximar dessa beleza natural que, aqui como lá, revela-se como a meta. No estilo documentário, o cineasta se exaure em perseguir o real, trai-se por seu atraso e, por mais objetivo que seja seu desígnio introduz, para o bem e para o mal, a subjetividade na fatura. Enquanto, aqui a câmera, sempre presente no momento desejado, sempre lá onde é preciso, se instala no coração das coisas e, por essa exatidão, as devolve à natureza, qualquer que seja o artifício que presidiu sua organização.



Consideremos as fotografias que ilustram a entrevista publicada no começo deste número (que não dão dos filmes, pelos enquadramentos e respectivos ângulos, uma ideia absolutamente exata mas, no caso presente, respeitam bem seu espírito). Vocês se chocarão, primeiro, com a simplicidade do ponto de vista, a ascese dos cenários, digamos mesmo, por vezes, a banalidade das atitudes. Porém um exame mais atento lhes fará distinguir, sob essa secura aparente, mil pequenas invenções, sobretudo no que concerne o movimento das mãos, sempre característico, sempre eloquente, sempre sensível, sempre inteligente, sempre belo, sempre verdadeiro. Tais pequenas belezas são a grande arte: admitimo-las na pintura, por que não no cinema?

*

Não tenho a presunção de pensar que não seja facilmente possível refutar minhas proposições. De resto, nada quis provar. Apelando aos meus confrades pelo seu gosto natural pela beleza, que tenho todos os motivos para considerar o mais vivaz, quero evitar uma logomaquia estéril, da qual nosso amor comum pelo cinema se arrisca a ser a primeira vítima. Que me seja permitido, então, esperar que me deem, pouco que seja, razão no que concerne o princípio, mesmo que seja bem verdade que não me sigam no detalhe.

[1] Germanopratin, referente ao bairro Saint-Germain-des-Près. (NdT)
[2]
Rohmer provavelmente refere-se aqui a Fabrizio del Dongo, o protagonista do romance de Stendhal. (NdT)

Le goût de la beauté
foi originalmente publicado na revista Cahiers du Cinéma, nº 121, julho de 1961. Tradução: Eduardo Savella.
 

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