Retorno à Stromboli




Por Alain Bergala

Seria Eric Rohmer o mais livre dos nossos cineastas? Em um momento no qual o mais medíocre dos filmes standard esconde sua vaidade debaixo de um verniz impecável de profissionalismo técnico, no qual qualquer um sabe decupar uma cena com um número suficiente de complicações inúteis para dar a ilusão de ser um profissional, Eric Rohmer escolhe retornar à fonte primeira da sua arte, ao lado do Rossellini de Stromboli. Se lembrarmos de sua profissão de fé na entrevista que abre o Le Goût de la beauté[1]: "O essencial não é da ordem da linguagem mas da ordem do ontológico." Teria Rohmer sentido, após seus últimos filmes, que o seu cinema era ameaçado por um progresso na ordem da linguagem que arriscava afastá-lo, mesmo que apenas tendencialmente, do essencial, e que ele precisava, de uma certa forma, retornar a suas origens cinematográficas? Não seria nenhuma surpresa vindo de alguém que sempre afirmou que o melhor a se fazer para ir em frente na arte era guardar seu laço com o passado. Acontece que esse dito passado, hoje, não é nada menos que a moda. Também Raio Verde aparece para nós, em uma paisagem onde 99% do cinema está do lado da linguagem, ou da simulação, como decididamente contra-corrente e ao mesmo tempo, com Thérèse de Alain Cavalier, um dos filmes mais vivos do ano.

Contrariando os seus hábitos, pelo menos desde A colecionadora, Rohmer realizou "para relaxar", disse ele, esse "filme de férias" largamente improvisado, onde "tudo se passou oralmente, sem o intermédio do escrito", organizando apenas uma trama geral, os horários das estradas de ferro e das marés, um equipamento de 16mm. É impossível não nos impressionarmos desde as primeiras imagens do filme, pelo seu frescor, e não há outra palavra, um filme onde a simplicidade é restituída às pessoas (atores e não-atores) e às paisagens filmadas, a evidente inocência preservada algumas vezes no cinema amador. Em O Raio Verde, nunca temos a impressão que as coisas e os seres filmados estão lá para a câmera, mas é a câmera, da forma mais simples do mundo, que está ali, diante das coisas.

Dentro da melhor tradição rosselliniana, foi necessário para Eric Rohmer, para levar a cabo uma tal empreitada que o desvinculasse do cinema da escritura e da maestria, um assunto privilegiado que não poderia ser outro que não o seu próprio método. Depois que ele partiu, com seu filme e sua pequena equipe, sem plano de trabalho restritivo, ao encontro do seu assunto e da França das férias, ele precisava de uma personagem vagante, em busca de encontros, mas que não conseguia se estabelecer em nenhum ambiente ou em nenhuma relação. Ele contou então a história de uma jovem mulher para quem nada acontece durante uma hora e meia. E desde que ele escolheu Marie Rivière para interpretar sua personagem, ele retomou Delphine mais ou menos onde ele havia deixado Marie no fim de A Mulher do Aviador.

O Raio Verde descreve um caso de solidão contingente – muito contemporânea – que não tem nenhuma semelhança com a solidão essencial, constitutiva, de personagens como aqueles de David Goodis ou de Emmanuel Bove. Se Delphine se encontra, de repente, confrontada com a solidão, às vésperas de suas férias de verão, é quase por acidente, como resultado de dois abandonos consecutivos: o seu relacionamento com um homem acabara de terminar, e uma amiga com a qual ela planejava viajar cancelou na última hora. Depois dessas duas quebras no seu funcionamento afetivo e social habitual – ela tem visivelmente muitos amigos e toda uma rede de relações – Delphine descobre a solidão como um curto-circuito. Existe sem dúvida um germe longínquo deste roteiro na cena de Noites de Lua Cheia na qual Pascale Ogier, que acaba de realizar seu projeto de se encontrar sozinha em seu apartamento parisiense, telefona em vão a todos os rapazes que ela conhece buscando encontrar alguém disponível para passar a noite com ela. Em um registro completamente diferente, Delphine tem também uma maneira estranha de lidar com essa solidão inesperada. Ela decide, a partir dos conselhos carregados de bom senso de suas amigas, que é preciso "agitar" as coisas, encontrar as pessoas, e quem sabe – talvez – o amor. Mas tem algo nela que resiste a essa decisão banal de reagir contra a sua solidão. Ela vai percorrer a França das férias de verão de um lado para o outro para tentar escapar disso, mas a cada encontro ela vai fugir. Na verdade, Delphine está constantemente se protegendo daquilo que ela parecia procurar. Basta que um homem se aproxime ou que alguém se interesse por ela que ela parte rapidamente em retirada. Mais de uma vez o espectador pode se sentir irritado, pois Delphine aparentemente recusa, mesmo quando algo a faz sorrir, tudo aquilo que ela encontra pelo caminho que poderia levá-la a se aproximar daquilo que nós acreditamos ser o que ela procura.




A respeito disso, a abordagem de Delphine da sua própria solidão e a sua relação com outros (na linguagem, no social) permite Rohmer redistribuir de maneiras inesperadas seus trunfos. A tal ponto que Raio Verde é, no momento, uma exceção em sua série de Comédias e Provérbios, e, olhando para o conjunto da sua obra, em alguns aspectos, o filme nos lembra um outro "inclassificável", O Signo do Leão. Normalmente, se eu ousar dizer, a figura central do filme rohmeriano é uma personagem que constrói para si, com a atração das palavras, um projeto declarado que a ironia da realidade se encarregará de realizar por ela (e contra aqueles que ela talvez secretamente desejou os atos mais inconfessáveis: Os Contos Morais) ou sabotando, e a levando de volta ao seu ponto de partida (Comédias e Provérbios). Contrariamente a esses dois cenários, a convicção que eu tive ao final do filme é que Delphine, muito lucidamente, tinha consciência, desde o começo, de seu verdadeiro desejo: encontrar o homem da sua vida e não qualquer outro. Isso que nós podemos apreender, ao longo do caminho, pelas hesitações ou caprichos, era nada mais que uma fidelidade incorruptível a seu desejo teimoso e nunca formulado, que o espectador não pode de fato compreender até que o filme tenha terminado. Existe uma espécie de integridade na espera sentimental de Delphine: deve ser Ele, com "E" maiúsculo, ou nada.

Pois esse Raio Verde é um grande filme de espera, no sentido que Rossellini pode dizer ao crítico Eric Rohmer, em 1954: "Eu sei como uma espera é importante para chegar até um ponto, então eu não descrevo o ponto, mas a espera, e eu chego de uma vez à conclusão." A espera, aqui, dura 1 hora e 30, e o ponto deve corresponder aos dois sublimes minutos adicionais que, quase por acaso, completam o filme de 1 hora e 32.

O sublime destes dois últimos minutos, que fazem com que os espectadores, eu não tenho nenhuma dúvida, saiam da sala com seus olhos molhados de lágrimas e expurgados de paixões adolescentes adormecidas em cada um, assegura que mudemos de rumo de repente, passando disto que poderia ser nada mais que uma emoção fácil de fotonovela (uma jovem, após provar de maneira passageira a solidão, encontra o grande amor) ao sentimento metafísico de uma escolha designada por uma espécie de milagre cósmico.




A revelação final, contrariamente daquilo que se passou nos outros filmes da série, não é da personagem (eu penso que Delphine sempre acreditou nesse momento) mas do próprio espectador que entende de repente, como no último minuto de Viagem à Itália, que ele estava interpretando mal todo esse tempo o que estava em jogo e o alcance real daquilo que ele estava vendo: o que poderia, no comportamento irritante de Delphine, de suas sapateadas, confusões e repetições neuróticas, preparar de fato, sorrateiramente, as condições para a graça final. Eu conheço poucos filmes, onde o espectador pode como neste alternar, a propósito da mesma personagem, de um incômodo resistente (nós podemos facilmente detestar Delphine em cenas como a da refeição) às lágrimas.

Delphine, contrariamente a tantos outros personagens rohmerianos, não é alguém que constrói entre o seu desejo e o mundo, entre o eu e os outros, uma tela de palavras. Sua solidão passageira faz com que ela ainda se sinta subitamente exilada da linguagem dos outros, seja ela do bom senso, seja ela da sedução. Marie Rivière encarna de maneira admirável essa impressão física que nós podemos encontrar algumas vezes na linguagem comum como uma força efervescente e ameaçadora onde nós nos excluímos ou precisamos nos defender: é porque ela se sente ameaçada e isolada que Delphine não cansa de verificar o impasse que ela encontra em sua relação com os outros. Daí essa repetição de tentativas abortadas de reintegrar o (bom) senso comum, seguidas a cada episódio de reações e de retiradas cada vez mais depressivas.

Então chega a cena maravilhosa, onde ela cruza, por acidente, um grupo que fala do raio verde. Ela se coloca literalmente a circular em torno desta conversa que a fascina cada vez mais na medida em que a conversa não é endereçada a ela (ela não a ameaça), e ali ela se sente bem e sente que qualquer coisa de essencial lhe é portanto diretamente destinada. É sem nenhuma dúvida neste momento que ela ganha a certeza que nenhuma palavra, nenhum olhar, nenhum signo humano poderá lhe dar a convicção absoluta que ela precisa, que ela não está enganando a si mesma e que ela conseguiu chegar aos termos de sua missão. Para que pare essa repetição metonímica sem fim do encontro, da insatisfação e da retração (os primeiros 90 minutos do filme poderiam facilmente durar três ou seis horas; como em Viagem à Itália, não há nenhum progresso dramatúrgico possível, no sentido clássico do termo), ela precisou de um sinal visível que escapa à rede viciada da comunicação humana, ou seja, que o mundo ele mesmo confirme objetivamente, por uma raríssima e exuberante metáfora física, que esse encontro é O encontro que ela esperava. Decididamente, o grito final de Delphine, não é tão distante daquele de Ingrid Bergman no vulcão de Stromboli.

[1] Éric Rohmer: “Le Goût de la beauté", Editions Cahiers du Cinéma, Coll. Ecrits.

Retour à Stromboli foi originalmente publicado na revista Cahiers du Cinéma, n° 387, setembro de 1986. Tradução: Roberta Pedrosa.

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