Por Hélène Frappat
Snake Plissken (Kurt Russell), herói do último filme de John Carpenter, não é um desconhecido para os outros personagens de Fuga de Los Angeles: todos o encontraram em Fuga de Nova York, no qual ele já tinha o papel de protagonista. Snake Plissken não mudou muito: sempre o mesmo look “muito século XX” (em outras palavras, um pouco cafona), o mesmo aspecto de pirata e a mesma pergunta diante de seus perseguidores: “Got a smoke?”. Sinto muito, Snake, mas os Estados Unidos são uma “nação não-fumante”, onde todos os aventureiros que, como você, cometeram crimes morais são deportados para o campo de concentração de Los Angeles. Os velhos heróis estão defasados. Aliás, cada novo encontro marca um lapso antes de reconhecer Snake: “Imaginava você mais alto”.
Snake Plissken não é o único a ter encolhido. Com ele, tudo o que o século XX chamava de Hollywood se estilhaçou: os Estúdios Universal encalharam no Pacífico, Hollywood e Sunset Boulevard estão entregues a gangues rivais e o antigo guia das estrelas (Steve Buscemi) é um delator bancado por Cuervo, invasor sul-americano que se assemelha furiosamente à imagem do Che imortalizada pelo comércio de camisetas (flagrante confirmação da “sentença” godardiana: a Europa tem suvenires[1]/a América tem camisetas). Como um personagem de À beira da loucura dizia já com ironia: “a realidade não é mais o que era”.
Paradoxo: esse claustro cingido por altas barreiras, atrás das quais a milícia americana está de sentinela, é de fato o único lugar no mundo em que resta um pouco de liberdade: liberdade de usar roupas de pele, liberdade de retirar a pele de seu vizinho por múltiplas operações de cirurgia plástica, liberdade do tabaco, do álcool, do sexo e da carne vermelha! Em suma, Hollywood é livre como Sodoma e Gomorra o eram (é o novo presidente dos Estados Unidos, eleito vitaliciamente, quem diz) e John Carpenter toma a liberdade de consagrar-lhe um filme: Fuga de Los Angeles, segundo episódio de uma série inaugurada com Fuga de Nova York em 1981.
De todos os filmes americanos que saíram recentemente, por que só esse me deu um desejo urgente de escrever? Porque Carpenter é sem dúvidas um dos últimos metteurs en scène de Hollywood (um dos últimos espíritos críticos) e porque a violência do filme se enraíza nessa situação evidentemente complexa. Sentimo-lo cindido por um desejo contraditório: a tentação de fugir da indústria do espetáculo cinematográfico (duas vezes ele tentou “escape from...” as duas grandes capitais americanas do cinema) e, ao mesmo tempo, um prazer total e inocente que ele sente ao brincar com os poderes mágicos que a ficção hollywoodiana lhe outorga. Fuga de Los Angeles encena essa dupla posição de Carpenter, e sua complexidade talvez explique o fracasso comercial do filme.
Tão serpentino quanto seu herói Snake, John Carpenter projeta nele o equívoco de sua situação de cineasta. Disso é testemunha uma das molas da narrativa, que retoma identicamente o primeiro episódio nova-iorquino. O problema inicial da intriga é o seguinte: como fazer com que um criminoso anarquista se interesse pelo destino da humanidade e, acessoriamente, pelo do presidente dos Estados Unidos, ao passo que evidentemente “ele está pouco se fodendo”. Em outras palavras, como fazer com que ele participe de uma história da qual ele não tem vontade nem mesmo de ser espectador? Comunicando a essa história uma questão vital, isto é, religando organicamente o herói à ficção que ele se vê obrigado a inventar. No coração do filme, Carpenter instala um engodo secreto e eficaz: Snake deve lutar minuto a minuto contra um vírus mortal que os homens do presidente injetaram em seu corpo para constrangê-lo a desempenhar o papel que escreveram para ele. O herói é vítima de uma lenta dissolução: homem cansado, ele tosse continuamente, tenta retomar o fôlego e pena para seguir o ritmo de uma história, contudo, escrita sob medida. Mas o desenlace revelará a Snake que o vírus era apenas um engodo e que ele lutou, passo a passo, contra uma pura ficção. Os vírus se mostram impotentes e factícios por si sós: um metteur en scène é necessário para produzir a crença que lhes dará vida. É esse o preço para que a ficção se torne uma questão de vida ou morte. Impossível não pensar que Carpenter nos conta sua história: não somente a narrativa oculta de uma doença que também o inquieta, mas sobretudo sua própria relação com as encomendas dos estúdios de Hollywood. Fuga de Los Angeles se revela, nesse sentido, um documentário sobre a maneira como Carpenter — apesar das restrições financeiras e de roteiro que ele confessa lamentar por vezes — consegue habitar e animar suas ficções com a força e a honestidade de uma crença a mil léguas de toda paródia.
Nisso reside a obstinação admirável de John Carpenter: ele substitui sub-repticiamente as necessidades das encomendas e outras programações de Hollywood pela necessidade, muito mais urgente para ele, de sua própria relação com a ficção hollywoodiana, sempre concebida em uma pertença à história do cinema que a precede e a sustenta. Disso é testemunha seu trabalho permanente sobre os gêneros: a vontade de inscrever cada um de seus filmes em um gênero bem definido (ficção científica, suspense, filme gore ou de horror) prova que ele nunca deixou de situar seu trabalho no interior da história do cinema. No início de Fuga de Los Angeles, o travelling que percorre do avesso as letras gigantes de Hollywood nos arrasta por esse mesmo movimento para trás. Carpenter se lembra amorosamente dos filmes que Hollywood produziu: os seus em primeiro lugar, dos quais Kurt Russell parece o ícone, e os da era de ouro. Em um súbito silêncio, Snake Plissken dita a seus adversários as regras do combate: será um duelo, como nos faroestes de Ford. Assalto à 13ª DP já transpunha a intriga de Onde começa o inferno para uma delegacia de Los Angeles atacada por gangues assassinas. Halloween retornava a tempos do cinema ainda mais recuados, ao Nosferatu de Murnau, retorcendo toda a mecânica das posturas e o gestual do vampiro.
Fuga de Los Angeles constitui uma forma de culminação dessa investigação. Carpenter se interessa pela ficção científica porque ela constitui um gênero cinematográfico específico, um jogo cujas regras ele gosta de respeitar, principalmente através do uso dos efeitos especiais. Mas Fuga de Los Angeles não é um filme tradicional de ficção científica, pois não coloca no coração de sua narrativa a distorção entre a época presente e a que o filme antecipa. Ao contrário, ele nos arrasta brutalmente para o que, desde os créditos iniciais (“2013, NOW”), torna-se nosso presente: nós estamos em Los Angeles, em 2013, logo após termos pernoitado em Nova York, em 1997.
Carpenter se serve das armas da ficção científica para reforçar a potência da ficção: Fuga de Los Angeles desdobra uma profusão de efeitos especiais digitais muito mais irreais que os de À beira da loucura (em que eles só aparecem em dois ou três planos) e uma trilha sonora trabalhada graças ao som digital, cuja amplitude e espectro catapultam o espectador para o meio dos recorrentes tremores de um terremoto ininterrupto. Hollywood permanece um imenso estúdio de cinema, onde Peter Fonda surfa no maremoto, ao qual se junta — na crista da onda! — o vermelho sublime e totalmente improvável de um imenso conversível. Apesar da falência dos estúdios Disney — “desde que eles se arruinaram em Paris” —, Hollywood tem belos restos. Esse lugar de caos é de fato o último local em que o cineasta Carpenter tem vontade de fixar sua câmera. A violência do filme, o mal-estar que ele proporciona, provêm de uma tensão permanente entre um desejo de aniquilação (de onde procede o assunto do filme: os Estados Unidos ousarão a “solução final”?) e a audácia eufórica dos que escaparam e dos sobreviventes.
Como Snake, Carpenter tem em mãos toda uma panóplia de brinquedos caros: um plano retomado de Fuga de Nova York nos detalha longamente seus tesouros. O cineasta não dissimula o júbilo infantil que sente manipulando as ferramentas e os artifícios da “mise en scène digital”. Mas esta implica um tal distanciamento em relação à intriga e aos personagens que eles acabam fatalmente por desaparecer. A arma de eleição de que Snake se utiliza é um holograma: ele pode se duplicar e enviar sua imagem a 800 metros de si mesmo, de modo que nem seus adversários nem o espectador saibam mais onde alcançá-lo. Mas, para Carpenter como para Snake, esse semirretrato é ainda a ocasião para uma manipulação. À distância de si mesmo, Snake se retira da ação e deixa a seus perseguidores um último engodo: o controle remoto encarregado de destruir o planeta nos faz finalmente ouvir uma visita guiada de Hollywood, sequência de lugares-comuns entusiasmados em que só faltam os risos pré-gravados.
Uma vez que ele reativa os poderes mágicos da ficção, uma vez que a ficção científica lhe permite multiplicar seus engodos, Carpenter mimetiza a destruição de Hollywood para melhor lhe devolver a vida. Ele segue duas pistas simultaneamente: realizando uma série, programando seus episódios e suas repetições, ele tenta também escapar das programações que fazem os filmes de encomenda. É por isso que ele se serve muito pouco dos meios que os estúdios puseram a sua disposição. A grande cena de combate, além do duelo de faroeste, é ainda uma cena de peplum, alusão irônica aos jogos do circo que Hollywood organiza. Snake, sozinho no meio de um estádio, dispõe de alguns minutos para lançar uma bola em uma cesta de basquete, regra do jogo simplíssima, longe da sofisticação dos combates digitais. Pensei então no que Carpenter diz sobre as transmissões esportivas, últimos espetáculos da televisão americana que ainda o estimulam, pois deixam advir uma experiência e um acontecimento cujo desfecho não é programado.
Na última imagem, Kurt Russell dirige aos espectadores um olhar-câmera com seu olho único. Após ter desligado, graças a sua última bugiganga, todas as energias do planeta, o herói nos deseja “Boas-vindas ao mundo dos humanos!”. Terminados os efeitos especiais, a sofisticação das imagens — retorno aos primeiros tempos do cinema, graças a um controle remoto desviado de seu programa inicial. Mais forte que os incríveis efeitos especiais, Carpenter encena um último milagre, chave do filme inteiro: essa pequena bugiganga simboliza a própria ideia de “entretenimento programado” que resume o funcionamento atual do cinema americano do qual o próprio cineasta depende: “O entretenimento programado conquistou o mundo. Tudo é programado atualmente, desde o estágio da escrita do roteiro até a implementação: quando um filme sai, programou-se quem atuará nele, de que ele falará, qual será o alvo. Mesma coisa em relação ao estilo de produção, com toda essa tecnologia e a cadência que ela impõe” (Entrevista in Cahiers du cinema nº 503). Snake Plissken é um verdadeiro herói, tão vicioso quanto uma serpente, porque ele consegue desprogramar o controle remoto, macguffin da intriga e fonte das armas prodigiosas que lhe foram confiadas. Como ele, Carpenter se mostrou capaz de manter seu controle ao mesmo tempo em que só obedece, finalmente, às puras regras de mise en scène. Nos desenlaces de Fuga de Nova York e Fuga de Los Angeles, um pequeno milagre se opera diante de nossos olhos: à imagem de seu herói Snake, Carpenter é o cineasta que perverte os controles remotos e, serpentino, manipulador, consegue fazê-los rir e cantar. Não é tão surpreendente se nos lembrarmos que ele também escreve a música de seus filmes apenas para manter a primeira e a última palavra!
[1] NdT: A sentença joga com o termo souvenir, “lembrança”, “recordação”, que pode significar também os objetos comprados por turistas como lembrança.
No Escape from Hollywood : Escape from L.A. de John Carpenter foi publicado originalmente na revista La Lettre du Cinéma, n° 2, verão de 1997. Tradução: Rafael Zambonelli.
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