O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

O olho esquerdo e o olho direito





Por François Mars

Existem, para ver este filme, pelo menos dois pontos de vista possíveis.

Um seria, por exemplo, o de Robert Lachenay, que não vai nunca ao cinema sem levar no bolso um exemplar, agora bem desgastado, da “Psychopathia Sexualis”. Aqui estão alguns adendos que ele pode levar para seu célebre dicionário:

Hipoestesia: Hajji, que tem os ombros, mas também os longos cílios e os olhos aveludados de John Derek, proclama, desde a primeira sequência, que ele aceitaria todas as garotas bonitas – “se elas também me quiserem!” Efetivamente, todas as cenas de amor são inteiramente conduzidas por suas parceiras femininas. A Rainha das Amazonas o faz compreender, em termos tão pouco velados, como ela mesma , que sua vida depende de sua virilidade. “Eu buscarei minha força em ti” responde Hajji. Mais tarde, ele só decidirá falar de amor à bela princesa Fawzia quando, suspensos um e outro entre o céu e a terra, ele será incapaz de esboçar o menor abraço. Assim que liberto, ele nega precipitadamente suas ternas promessas, foge rapidamente, e é quase à força que ele é mandado de volta para conquistar sua namorada abusiva: ainda assim, para fazer isso, ele adota a aparência de um Santo Homem, que fez o voto de pobreza, silêncio e, é claro, de castidade.



Homossexualidade feminina: a tribo das guerreiras, ferrenhas inimigas do dito sexo forte. Virilização pelo travesti: a princesa Fawzia se veste de garoto – o que nos oferece, com Hajji, disfarçado ele mesmo de monge, uma cena de amor muito imprevista. Exibicionismo das vestes: as túnicas inverossímeis das amazonas, compreendidas entre o “burlesco” da Broadway, a Filha da Selva e A Coroa de Ferro; ou o pequeno conjunto persa de Elaine Stewart.

Não paremos em tão bom caminho; passemos à Necrofilia; o personagem de Amanda Blake, nova Antinéa, que amarra seus amantes debaixo de ravinas e os deixa apodrecer docemente. “Vocês me privaram da minha vingança”, diz ela, diante do cadáver do tirano, e seu olhar é ganancioso, ganancioso...

Sadismo enfim: as damas de companhia são jogadas em banhos fervilhantes por sua rabugenta senhora. Amarradas em camas macias, elas veem as plantas de seus pés serem delicadamente golpeadas. As belas escravas têm os tornozelos acorrentados a pesadas pranchas. Quanto a Elaine Stewart, ela também pagará por sua posição, a ondular sob seu abismo: “Piedade! – Nada de Piedade” responde uma de suas consortes; “eu te tratarei como tu me trataste!” E opa, um pulo no ar....

Podemos continuar assim longamente; mas passemos ao outro ponto de vista, aquele do amador de boa fé, que não se envergonha de semelhantes sutilezas e tem seu prazer em acompanhar um filme de aventura alerta, de bom gosto (ou melhor, do bom “mau gosto” das comics), de cores agradáveis, que não deixa de lembrar qualquer velho Fairbanks, agilmente modernizado; não encontramos
aliás nos créditos o nome do nosso velho amigo Don Weis, do qual não esquecemos o adorável I Love Melvin, e que, ingrato, nos abandona agora pelos televisores de outra frota.



Mas talvez os dois pontos de vista não sejam inconciliáveis? – se for verdade que no coração de todo porco, adormece um diretor.

L’œil gauche et l’œil droit foi originalmente publicado na revista Cahiers du Cinéma nº 81, março de 1958. Tradução: Cauby Monteiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário