O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Filming Othello


Por Jean-Claude Biette

Hoje, quando um grande número de filmes admirados repousa em um material mínimo e monocromático (de Apocalipse Now a Aurelia Steiner) — o que não exclui necessariamente a complexidade ou a profundidade dos temas com os quais tal ou tal material se paramenta —, é um pouco surpreendente ver o pouco interesse manifestado em relação ao último filme de Orson Welles, Filming Othello. Como Le Camion, F.O. põe como horizonte de sua reflexão um filme. Em Duras, é um filme hipotético: “Se fosse um filme…”, ela enuncia, convidando o espectador a demonstrar imaginação a partir de algumas palavras audaciosas, de frases pronunciadas sobre imagens cuja velatura e brilho servem para canalizar a hipnose do tecido oral. Em Welles, o filme não está por fazer, ele está feito, é o Otelo de 1952. E ele inclusive se desfaz sob nossos olhos, ao passo que, a nossas orelhas, uma voz — a do ator Welles interpreta aqui o papel do célebre cineasta — nos conta sobre sua formação — aventurosa, caótica — desde as proposições desvairadas de um produtor que queria uma ópera filmada — já! — até a derradeira ruminação cinefílica do produto acabado, passando pelos problemas materiais (falência de certos capitais, improvisações espetaculares — o assassinato rodado em um mercado de peixes marroquino disfarçado de banho turco enquanto esperavam a chegada do figurino) e pelas questões estéticas (as discussões, aqui como que renovadas, com os atores sobre a interpretação dos personagens da peça de Shakespeare).

O espaço estreito de uma sala de montagem, com sua mesa de solitário, permite-nos aqui ver o velho filme em migalhas (e, com exceção dos primeiros planos, sem o som) e fazer surgir a imagem de uma outra mesa, a dos amigos atores vinte e cinco anos depois, e de uma assembleia, a dos amigos admiradores do cinema de Boston. Essa sala de montagem é o modesto cavalete sobre o qual, portanto, o ator Orson Welles é encarregado por seu duplo, o não menos célebre cineasta, de defender uma causa, ela também dupla. Causa dupla em que o ator não tem mais o maior papel: não tendo que desempenhar um personagem ou um caráter, dessa vez ele empresta sua voz e seu corpo ao cineasta enquanto primeira pessoa. Aqui, ele é puro intérprete, corpo e voz transitivos, medium entre os media, sabendo perfeitamente que a câmera será indiferentemente filtrada por um aparelho de projeção ou por uma televisão e, no entanto, decidido a enfrentá-la como se tudo isso fosse eternamente um teatro.

Ainda que tudo pareça convidar Welles-cineasta, neste filme, à sinceridade da qual alguns exigem que esteja ligada ao semblante, é Welles-ator quem está aí e atua: como Chaplin, quando se dirige subitamente a nós em certos momentos particularmente dramáticos de seus filmes. Welles-ator desempenha aqui a verdade de Welles-cineasta.



Portanto, qual é essa dupla causa? É a causa do cineasta que busca chegar o mais próximo possível de Shakespeare, restituir o melhor possível a verdade que ele entrevê, mas é também a causa de Shakespeare, tal como Welles (intelectual e ator, ou seja, plenamente intérprete) pode imaginá-la e vivê-la realizando o imenso e meritório esforço de identificar-se a Shakespeare. Welles declara desde o início que Shakespeare é o maior dramaturgo que já existiu e que “Otelo”, a peça, é um dos pináculos do teatro mundial: esse credo estético é também uma bússola. Welles, no meio do oceano shakespeariano, sabe que navega: e, hoje, seu velho filme não lhe aparece mais que como o sonho lamentavelmente materializado de uma interpretação, sonho que ele amaria refazer em vista de uma mais justa. A velha interpretação não é correta? É o que o cineasta se ocupa de examinar diante de nós, sobretudo com a ajuda de seus velhos intérpretes (Michael Mac Liammoir: Iago, e seu velho mestre, Hilton Edwards: Brabâncio).

Modestamente, Welles defende aparentemente somente a causa de Shakespeare: e o cineasta parece, por isso, apagar-se por trás do intérprete (intelectual, portanto, e ator). A discussão, ou antes a argumentação versa sobre: as paixões dos personagens, as motivações (ou a ausência de motivações) de seus atos, a consciência que eles têm do mal e o grau dessa consciência, a interpretação histórica de seus atos (fim da Idade Média e nascimento do puritanismo a respeito do qual Welles se declarava “técnico” em 1958), a distinção intemporal entre ciúme e inveja, e, enfim, as encarnações possíveis na realidade dos personagens da peça e a possibilidade para seus atores de se referir a eles como modelos, não de atuação, mas de estudo. Notemos que a distinção entre o cineasta e o ator é posta aqui: não ignorando que sua voz questionante seria certamente reconhecida, Welles toma cuidado, no entanto, por um contracampo visivelmente filmado mais tarde, de desempenhar diante de nós o papel do cineasta, na tonalidade que é a de um incitador quase platônico ao diálogo, observado, como os dois outros atores, por uma câmera que registra uma expressão física e materializa uma presença. Ao longo desse banquete frugal reconstituído na montagem: de um lado, frango (frio?), salada verde e, de outro, cesta de frutas e água Evian, os campos-contracampos reproduzem, em um clima, é claro, de estrita economia (para não dizer de uma destituição moulletiana), a montagem formada no velho Otelo da ameia portuguesa e da escadaria toscana.

Em Filming Othello, Orson Welles coloca oralmente e com um material fílmico mínimo a maior parte das questões essenciais que um cineasta pode ser levado a colocar ou a ver-se colocando desde a produção até o consumo: a preexistência de um modelo (para Welles, Shakespeare; cf. a frase de Cocteau: “instalar seu cavalete próximo a uma obra-prima” ou ainda o trabalho de Picasso, de Stravinsky etc.); a definição precisa do assunto a ser tratado (aqui, a inveja ou o ciúme ou a ambição e o encontro das três paixões nos personagens), o aprofundamento do assunto escolhido, a relação dialética que esse aprofundamento trava com os meios técnicos e materiais que as circunstâncias lhes concedem ou que vocês dão a si mesmos, os sacrifícios propiciatórios direcionados à justeza da expressão (os açucaramentos necessários, a eliminação dos “efeitos locais”, para retomar uma expressão destacada por Nadia Boulanger), a tensão difícil em direção ao essencial, e então, muito tempo depois, a imagem que será preciso tentar recompor publicamente sobre um passado desvanecido.



O velho drama shakespeariano se afasta cada vez mais, indiferente ao desespero dos que o interrogam e se comparam a ele. Os anos passam. Welles, ainda vivo, que ainda não foi reduzido a não ser mais que sua obra, dirige-se a nós com a mesma liberdade indolente e familiar que Montaigne em seus “Ensaios”, dos quais se sabe que Welles é leitor assíduo e fervoroso, e é aqui o ator-Welles que reencontra o tom sutil do escritor do qual Shakespeare era leitor assíduo e fervoroso. E o velho filme de Welles ganhou sua existência.

Indiferente ao medium (em 1958, O.W. declarava: “Eu não amo o cinema, a não ser quando estou rodando; então, é preciso saber não ser tímido com a câmera, fazer-lhe violência, forçá-la até seu limite, porque ela é uma máquina vil. O que conta é a poesia”), Welles refaz diante de nós, com procedimentos estilísticos em número limitado (filme em 16 mm, sem dúvidas rodado rapidamente), todas as fases da abordagem de um assunto. Prodigioso flash-back, o velho Otelo é hoje a lembrança que assombra a reflexão serena e emocionante de Filming Othello. O espetáculo da mesa de montagem — que cria e recria o tempo —, como da música (Welles insiste nisso) substitui aqui o espetáculo dos planos soberbos (com os antigos faustos da profundidade de campo). As formas cinematográficas têm uma história: as definições (o cinema é a imagem, é o movimento, é o espaço, é a ação etc.), visto que absolutas, são grosseiras. Desde muito cedo, Welles buscou no cinema o elemento temporal, insistindo no que se passa entre as imagens. Hoje, quando a fotografia mais é exibida do que ilumina, quando os gestos e as mímicas, alimentados por uma história cada vez mais semelhante, tendem a dissolver-se em uma norma de comportamento imposta pelo neopuritanismo internacional, a voz humana, uma confidência modesta, palavras, trocadas ou não, são mais expressivas.

E o espaço da sala de montagem é, como a Gare d’Orsay na época do Processo, o estúdio inesperado em que Welles, lamentando ter feito um Otelo demasiado jovem e sonhando com um outro filme que não pode fazer, consegue filmar a única coisa que o separa indiscutivelmente de Shakespeare: o tempo. E desempenhar isso como uma amável conversa.

O texto foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma nº 310, abril de 1980, e republicado na coletânea Poétique des auteurs. Tradução: Rafael Zambonelli.

Como eu não escrevi alguns dos meus filmes



Por Jean-Charles Fitoussi

Sabemos que um filme quase sempre só obtém seu visto para a existência a partir de um material não cinematográfico, até mesmo anticinematográfico, o roteiro. O paradoxo é que este paradoxo não impediu os melhores filmes de serem realizados, a quase totalidade dos filmes da história do cinema, desde o falado, nasceu pela primeira vez sobre o papel. Isso não impede: o que faz o filme, o desejo e o trabalho do realizador, nunca foi escrito. Ao contrário da música, o cinema não pode dispor de uma linguagem que o exprimiria em partituras. Mesmo uma decupagem, mesmo um story-board, mesmo os croquis iossellianianos… Uma arte nivelada com a realidade, que faz o seu mel das suas singularidades, se deixa agarrar tão pouco quanto o próprio real. Luzes, cores, sons, gestos, um timbre de voz, uma aparência, um nada num olhar, um rosto, este rosto, este céu, e mais ainda um raccord, um encadeamento de planos, o movimento dos corpos e do olhar, tudo o que dá um prazer especificamente cinematográfico, não se escreve. Mas supondo que isso fosse possível, eu não poderia ter escrito menos alguns dos meus filmes, que foram tão imprevisíveis. E às vezes mesmo inimagináveis.

Le Dieu Saturne, o único com Aura été a ter tido um roteiro completo antes da filmagem – fazendo parte de uma coleção para um canal de televisão e devendo ser financeiramente eleito por uma comissão, não poderia cortá-lo – ele próprio, na verdade, começou bem antes do trabalho de escrita, com o encontro daqueles que iriam ser os atores. Primeiro o velho Alfred Caboche: foi vendo o seu rosto, observando-o dançar uma valsa apesar da sua artrose, que eu quis filmá-lo. Fazer um filme para ele. Associando-o na imaginação a um outro homem singular, Jean-Claude Passera, encontrado um ano antes (que eu tive então também muita vontade de filmar, pressentindo nele uma grande profundidade cômica) como aproximaríamos duas cores, dois timbres, dois planetas, o filme então se esboçou. Faltava-lhe ainda Laurent Talon, Frédéric Bonpart, Manon Caboche e os outros atores, as terras do norte, os textos para ouvi-los falar ou pensar. A história, como se diz, é sem dúvida também importante; mas ela não é o filme, nem, sobretudo, o desejo que o funda: ela completa o esboço. Antes de tudo, ver. Ver e ouvir. Adoraríamos poder levar um produtor, os financiadores, até tal lugar, diante de tal paisagem, tal existência. Observe este rosto… Você nunca o viu? Viu como a noite cai aqui? Ouviu esse som agora? E agora? Imagine como isto se liga com aquilo?

Foi indo escutar um crepúsculo sobre o planalto de Saint-Barnabé, perto de Vence, com Erwan Kerzanet, engenheiro de som, que o último plano de Os dias em que não existo veio. Teria sido impossível imaginar esses insetos, a sua sinfonia, escrevendo numa mesa. Muito menos descrever o canto inaudito, a emoção tão forte dos seus acentos súbitos, a composição de todos esses tilintares em um ritmo tão aleatório quanto regular. O filme, que resumimos facilmente dizendo que ele conta a história de um homem que só existe um dia a cada dois, este filme tinha na realidade começado pelo simples mas imperioso desejo de filmar um apartamento em Montmartre, apartamento que iria ser desocupado durante as férias entre duas locações. Era preciso não perder este momento passageiro, e iminente. História de interstícios também, e com forte potencial cinematográfico, Le temps mort de Marcel Aymé veio fazer conluio com esse duas-peças (sem mesmo que eu pudesse me formular em quê e por quê). Antoine Chappey me parecia idôneo para existir pela metade e Clémentine Baert para o irradiar de presença plena e inteira. Não havia necessidade de escrever o que quer que fosse nem de imaginar o fim da sua história para começar a filmar, o que o tempo impedia, de qualquer forma: o apartamento só estava livre, tal qual, branco, vazio, imediatamente – e nunca mais. O coração do filme mostrou-se sem que ninguém soubesse como a narrativa dessas intermitências iria começar e acabar, e me agradava que os atores fossem, no fundo, como cada ser neste mundo: ignorantes do futuro – que também, muito provavelmente, nunca foi escrito. Os armários que da cama formavam uma espécie de cofre ameaçador só pediam para ser enchidos de jornais, frágeis testemunhas dos dias não vividos. A ideia não era teórica, não era uma “ideia de roteiro”, uma ideia de papel, mas uma ideia de espaço, desse espaço. E só foi um ano depois, no intervalo da segunda filmagem, que a sua visão novamente me sugeriu transformar esses jornais dos quais eles transbordavam – em arma do crime. 

Há um prazer em imaginar um filme, a se deixar invadir pelas suas imagens potenciais sobre a tela dos seus pensamentos – como fabricaríamos um sonho. Depois é preciso muita arte para chegar a restituir o efeito pelas palavras. Trememos, fomos aterrorizados, vimos tal cor estranha, gozamos uma sensação nunca experimentada, maravilhamo-nos, fulano apareceu, depois foi um outro, etc. Mas ao acordar, apesar da persistência das imagens, as palavras não fazem, no melhor dos casos, mais do que dar uma ideia. A narrativa poderia muito bem ter sido cativante, ela jamais seria hipnótica.

O maior dos prazeres não é imaginar mas ver, com os olhos e as orelhas, as imagens e os sons tomarem forma. Deixar “as proximidades da onda”, nascer, desenvolver-se, viver sua vida própria, enquanto a película os imprime e antes que a fita adesiva os conecte. Saber que o celuloide roda em cadência encarando o que se desenrola diante dele, que os fótons venham lhe modificar para sempre a superfície. Alegria das filmagens, hora em que as visões se tornam “vistas”, em que o que deve acontecer acontece. Fascinação pelo que existe.

O interesse particular de rodar com uma câmera em miniatura, como aquela do telefone com o qual eu realizei Nocturnes pour le roi de Rome (ainda que não possamos mais propriamente falar de rodagem, pois nenhum mecanismo roda nesse eletrônico) se sustenta precisamente no fato de que a composição cinematográfica começa então diretamente com o seu material. Juntamo-nos ao pintor, o escritor e o músico que trabalham em primeiro lugar com seus próprios materiais. O mundo, o acaso, produz tal combinação de formas, de luzes, de movimentos, de sons, que te agarra: só é preciso encontrar onde filmar, onde se posicionar, e sentir como acompanhar, para revelar (através de quais movimentos, através de quais enquadramentos) essa realidade em devir. É aí, nesse posicionamento e nesse acompanhamento, que o filme se inaugura. Sem demora. Era um banquete que se preparava. As mesas eram erguidas por um grande vento, os garçons já participavam sem o saber de uma coreografia geral. Se tivesse sido necessário encenar, dirigir este conjunto, isso teria levado horas, senão dias (teria sido também um grande prazer – mas um prazer o quão mais trabalhoso – de apagar o trabalho!). O milagre é que só é preciso agarrar o que o mundo não cessa de produzir – seu movimento. Exercício solitário, o filme nasceu da visão espantada deste banquete, quando me tornei o olho atento durante os vinte e seis minutos que durou um dos planos dados pelo acaso amadurecido com um pouco de geometria. Esse plano se sustentava, como se sustenta uma melodia, ou qualquer composição que seja. Não sabemos como, chamamos isso de sei-lá-o-quê, mas isso se sustenta. E isso se sustenta por tão pouco! Tal chegada de um garçom coincidindo com a partida de um outro, enquanto o quadro nos transporta já na direção de um terceiro, que uma massa sombria venha equilibrar ou desequilibrar uma zona mais clara… Esse plano se tornou uma primeira pedra, um primeiro traço, ao mesmo tempo motivo e motor. Outros se seguiram, até o fim da festa, o apagar das luzes projetadas sobre os pinheiros. A pobreza da definição apagava as linhas em benefício das cores. As garrafas de água tornaram-se o azul, azul intenso, luminoso. Mundo tornando-se luz. Os garçons, brancos – leitoso, creme ou celestes; os smokings trouxeram o negro, preocupavam. Cores que se aprofundavam e ganhavam ainda mais em intensidade com o cair da noite. E no grão digital da grosseira compressão do vídeo, uma vez a imagem projetada na tela grande, descobríamos como que matérias vivas, motivos abstratos tão belos quanto certos detalhes das telas de Gerhard Richter, mas moventes, ou ainda um magma biológico tal como revela o microscópio. Riqueza plástica nascida dos próprios defeitos. Eis os fantasmas que vieram ao meu encontro. Só era preciso se deixar guiar por eles para voltar à fonte do mudo, consequentemente da música, aquela dita “de fosso” que acompanhava as projeções. O telefone de 2005 quase não registrava o som: eu acolhia a restrição como um convite para tentar o que eu só trabalhara até ali com parcimônia: tecer os sons e as músicas com as imagens, sobrepor, saturar, fundir. Um personagem fictício de velho compositor me atravessou o espírito (impregnado por lugares de lembranças de Joseph Haydn), e eis o filme ganhando corpo, no interior dele mesmo, constituindo a interioridade do velho com a vista turva e perturbada, se tornando suas percepções: o que ele via do mundo em torno de si, o que ele ouvia da música nele mesmo, e vice-versa. Ele teve uma voz, a de um amigo alemão encontrado nessa época. Enfim o filme se montava, se rodava, se mixava, se escrevia – quer dizer, se compunha – num único e mesmo tempo. Um vermelho, um ocre vinham a faltar? Bastava ir buscá-los saindo para rodar, ou folheando ao acaso o reservatório de planos já recolhidos. Da mesma forma, se de repente tratava-se de acalmar ou de intensificar o ritmo: vamos procurar os planos necessários como se descêssemos ao porão, como se fôssemos ao pomar – no campo.



Esse “sexto opus” era para mim um divertimento – no sentido musical e não pascaliano do termo, posto que ele é justamente uma meditação sobre a morte, a folga do mundo –, uma recreação em modo menor entre duas rodagens do meu filme “maior” iniciado um ano antes para terminar dois anos depois, Je ne suis pas morte. Apesar de filmado em 35 mm, ele entrava mais uma vez na constituição mesma desse projeto de nunca se escrever no papel antes de ser imagem e som. Os filmes escritos – prolongamentos do Dieu Saturne – tinham encontrado produtor, o qual tinha de repente perdido suas finanças; eles permaneceriam no plano, ou antes nas páginas, sine die. Em vez de passar o verão desempregado saboreando a doçura de suas noites, decidimos filmá-las, essas noites e essa doçura, uns versos de Rimbaud na cabeça que se tornariam o título de uma primeira parte, Pelas belas noites de verão. Desde o momento em que eu tive vontade de filmar estes boulevards abandonados rendidos às silhuetas lânguidas, às horas alongadas bebidas entre amigos numa Paris que dorme. A cada mês de agosto, quando regressavam esses tempos divinos, e com eles o desejo de filmar, era tarde demais para iniciar um filme. Mas em 2004, partindo para Roma desde o outono, a ideia sempre possível de que este verão poderia ser o meu último – constante sentimento da impermanência – encontrou desta vez ao seu lado (posto que estava previsto que nós filmaríamos um outro filme) a cara equipe de uma parte, Alix Derouin de outra, em quem eu tinha visto já um personagem, aos quais se juntava, mais uma vez, um apartamento disponível esvaziado de seus ocupantes: essas conjunções impuseram a decisão de começar o filme. Venha o que vier: tal era o único roteiro, armado dos primeiros personagens, de um tema e de duas ideias formais. Quando a câmera estivesse disponível, com quem estivesse presente, reservando uma boa acolhida a tudo o que nos acontecesse por mais difícil que isso pudesse parecer à primeira vista, nós filmaríamos. E o filmamos, no dia a dia, escrevendo primeiro os diálogos à noite, que ensaiávamos de manhã para filmar à tarde. Depois, à medida das temporadas de filmagem (houve sete), a confiança e o trabalho aumentando, não havia mais nada a escrever. Somente deixar a noite permeável às visões, o dia aberto aos imprevistos. Um entre tantos outros: filmando num sótão aberto por uma janela que devia se encontrar no campo e na direção à qual a câmera devia avançar, passando de dentro para fora, Sébastien Buchmann, diretor de fotografia, me fez rapidamente perceber que a película não aguentaria nunca o forte contraste entre a luz no interior e aquela do exterior, visível desde o começo do plano (enquanto é tão simples para um roteirista escrever: “A câmera se dirige em direção à janela e sai do quarto, revelando toda a extensão verde do exterior” – mas aí ainda era a janela, essa janela, perto dessa rampa, que chamou o plano). Sem meios de iluminar mais o quarto, nem de obscurecer o sol. Era preciso escolher: seja um cômodo sombrio e uma natureza visível pela janela, seja o quarto claro mas a relva e a floresta estourados. Ou ainda a solução intermediária (utilizada por Gus Van Sant em Elefante) consistindo em variar o diafragma no momento em que passamos de dentro para fora. Recusando essa solução de comprometimento, eu tomei o partido de conservar o quarto na branca claridade na qual tínhamos sempre o conhecido até aqui, sair, então, para fazer avançar a câmera em direção a um jardim estourado, quase invisível pois se afogou no além da película. Eu tive vontade de ver esse além, essa queimadura da emulsão, e somente então, lentamente, sem procurar mascarar o efeito mas sim o afirmando do começo ao fim, fechar o diafragma e reestabelecer a visão conforme àquela do olho. Não havia melhor, nem mais simples, e, ao meu ver, mais bela maneira de fazer passar aquela que habitava esse quarto neste mundo precisamente para o além, pelo contato com os limbos da fotografia analógica – e é a realidade, o acaso das restrições técnicas, que é, se não o autor, ao menos o inspirador, engrenagem e motor*.



Eu, mesmo assim, tentei, depois de cada sessão, sabendo porém que este gênero de achados não se escreve nem se imagina, antecipar ao menos a sequência dos acontecimentos narrativos, traçar um roteiro um pouco preciso de seu rumo que serviria de Sésamo junto aos financiadores, canais de televisão ou mecenas. Nem que fosse só poder contar a história… Parece que o filme tentou recusar a se deixar encadernar, a tal ponto que ele me fez encontrar seus personagens, seus atores, às vezes somente alguns dias antes de dever filmá-los – quando não eram algumas horas! Era preciso então aceitar saber menos que o próprio filme, fazer-se o seu servidor conjugado ao único presente.

Seja amigo do presente que passa, o futuro e o passado te serão dados por acréscimo.” Assim Clément Rosset conclui um capítulo do O real e seu duplo, assim foi realizado Je ne suis pas morte, sétima peça do Castelo do acaso – e finalmente também todos os filmes precedentes, com ou sem “script” -: na amizade ou adesão ao presente, com mais ou menos sucesso precisamente segundo a intensidade dessa adesão. E me parece que essa maneira, por uma volta curiosa, associa-se àquela dos realizadores hollywoodianos que não escreviam os seus roteiros mas os recebiam do produtor, como eles me chegam pelas mãos do tempo.

* É esse sentimento de ser eu mesmo mais receptor ou recuperador de acasos que criador propriamente dito que me fez dar ao conjunto dos meus filmes o título genérico de Castelo do acaso, cada um constituindo uma peça.

Comment je n’ai pas écrit certains de mes films foi publicado originalmente na revista Trafic, n° 73, primavera de 2010. Tradução: Miguel Haoni. 

36 fillette, de Catherine Breillat


Por Camille Nevers


Le réel est sans repos
Dessine-moi des mots

(Buzy, “Morceaux de nuit”)

Boulevard de Clichy no lado de Pigalle, no vazio dos néons que anunciam a cor, caímos exatamente sobre: o Sexodrome. Ao que parece, um local onde o cliente experimenta os filmes em cabines. Por pouco que aí penetramos, na fileira de prateleiras de vídeo há uma delas dedicada às garotinhas, destinada aos amadores. É lá, e não em outro lugar, que encontramos 36 fillette.

Francamente, eu ainda não tive tempo para ir ver. Mas deve ser certamente verdade, é bom demais para não o ser. Imaginar um cara sozinho frente ao filme de Breillat, a mão na braguilha esperando que aquilo aconteça, imaginar a sua reação na falta de outra coisa, e se dizer que depois de tudo, nós podemos sempre sonhar, que ele não tenha pedido para ser reembolsado. Apenas uma fantasia...

É a história de Lili, uma verdadeira jovem de quatorze anos, bem em carne e osso, não tão à vontade na sua própria pele, que gostaria muito que nós a amássemos. Em suma, uma boa garota. Ela decidiu nesse verão brincar com fogo, ela acende os garotos que passam. Feito isso, ela continua seu caminho: Lili é virgem. Surge Maurice, playboy de regresso, quarentão convencido no seu conversível. Então começa a partida, jogo de dobro ou nada, aquele que se deixar enganar primeiro tomará para si a responsabilidade do crime. Mas nenhum dos dois ousa declará-lo de verdade. Ninguém quer ser culpado.



Esses dois são impossíveis, pois o que os atrai um em direção ao outro é também o que os faz recuar. Há alguma coisa entre eles. Desejar colocar, e recolocar indefinidamente. Ela quer fazer durar o prazer, ele acaba por se deixar intimidar, até desistir. Não saberemos nunca se “depois” isso poderia ter dado certo, provavelmente não, ou não por muito tempo, nada de hímen sem hímen entre eles, vai entender, eu acredito sobretudo que eles não teriam mais nada a se dizer. O que no fundo dá na mesma.

Em Catherine Breillat, há: o ato físico e o ato da palavra. Duas passagens ao ato que não são evidentes. Duas maneiras de passar às confissões. Em todo caso, dois momentos de verdade, mesmo se o que é dito ou visto na imagem possa mentir, porque é aí que acontece a verdadeira confrontação, entre o instante em que os personagens deixam de se falar e aquele em que eles começam a se acariciar. É essa oscilação indecisa que espreita Breillat, durante toda a cena do hotel de 36 fillette, com suas longas praias de silêncio suspensas sobre as palavras. A palavra de Lili, é o seu ato de resistência ao real, sua última muralha de menina contra o sitiante. No fundo não é tanto o homem e o seu desejo que ela teme, visto que com esses ela sabe jogar como uma criança, é o seu próprio desejo que lhe é insuportável, ela ainda não quer admiti-lo, ela não admite a sua realidade: se resolver seria resolver se abandonar, se deixar ir, se deixar morrer.

A palavra acede à ficção, nós nos contamos – histórias. A cena com Golovine, um homem célebre com quem conversar, se confidenciar, com quem existir, ser alguém. Ser este que escreve bonitas palavras de amor: Segunda. Terça. Quarta. Quinta. Sexta. Sábado. Domingo. Eu te amei a curto prazo.

Mas fazer amor, não mais dizê-lo, e a ficção implode sob a pressão do real (Sale comme un ange expulsava violentamente a ficção policial logo depois da cena do sofá). Nada mais existe que o presente absoluto da cena. Nós prendemos a respiração. Lili não aceita se ver assim desaparecer, ela esconde os olhos. Depois ela se recompõe. Ela fala para não perder a moral.

E o que os aproximava, finalmente os separa. O amor não tem nenhuma palavra.



Catherine Breillat diz que 36 fillette é o seu remake de Baby doll. É sobretudo em Lolita de Nabokov que o filme me faz pensar, não palavra por palavra, claro, mas como uma variação livre que teria escolhido, dessa vez, situar o caráter feminino no primeiro plano e considerar a história a partir do seu ponto de vista.

O Sexodrome fez bem em tê-lo classificado na prateleira de “garotinhas” – ainda que, de fato, a cineasta conheça muito bem essa seção -, 36 fillette não é um filme pornô, é um filme de amor muito físico, tudo nos é mostrado sem nunca vermos nada, Breillat não sugere, ela enquadra, então também não se trata de erotismo, então digamos, na falta de algo melhor: um filme sensual.

O texto 36 fillette foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma Hors-Série n° 17, em dezembro de 1993. Tradução: Leticia Weber Jarek.

"Vidro", inclassificável



Por Camille Nevers

Depois de Fragmentado, M. Night Shyamalan conclui uma trilogia com ares de série B iniciada há vinte anos com Corpo Fechado. Entre anti-filme de super-herói e fábula bruta, uma visão desencantada em que os protagonistas vegetam no dédalo de um hospital psiquiátrico.

O twist, é sempre a lei que mente. Uma vez que é preciso desmentir: denunciar, desobedecer, lutar, transgredir. O que é twisted, torcido, resta a retorcer, pegando a mentira na sua própria peça. O twist é esta história de revolta que incuba, a revolução que ruge, sobre o pano de fundo da revelação, o abrir dos olhos do herói, logo a contemplação ou não de sua crença. Vidro conta isso, de novo, nesta paciente e reconduzida partida de construção-desconstrução-reconstrução que é o cinema de M. Night Shyamalan.

É uma verdadeira série B. Como o era A Visita (2015), mas com duas estrelas no lugar de duas crianças, Bruce Willis e Samuel L. Jackson, astros envelhecidos, agradecidos, mas não de graça – 20 milhões de dólares de orçamento, isso não é nada: uma série B com casting. Não estas falsas ou neo-séries B como aquelas criadas pela Nova Hollywood dos anos 70-80 que desconstruiu o gênero, fabricou superproduções A com histórias B ou bis, enfim menos nobres, e moldou um novo tipo de cinema clássico: grande espetáculo para geeks, cinema fantasy com um novo horizonte a explorar e fronteira para novos pioneiros, os efeitos especiais, gráficos, e logo digitais. Filmes de aventura e fantásticos cada vez mais caros onde os filmes B eram concebidos desde a origem por um custo mínimo e um rendimento máximo. Foram, de maneira exemplar, as sagas de Spielberg e de Lucas, de McTiernan também, toda uma época, os Jurassic Park, Indiana Jones, Star Wars ou Duro de matar, gênero que sobrevive hoje na sua hipertrofia, na sua sobrevalorização simbólica (estilo Transformers ou Vingadores). Este gênero tem um nome: “o filme de franquia”, denominação mais indicada que filme de super-heróis, mais justa na verdade.

Câmeras de vigilância

Shyamalan estivera no centro estratégico e no meio cronológico deste fenômeno, mas ele lhe deixou paradoxalmente órfão (não houve saga Corpo Fechado), reflexivo e intimista. Reveja Corpo Fechado (Unbreakable em inglês, 2000): fora a última meia-hora, não acontece quase nada, o contrário do filme de ação. Daí a importância, novamente essencial, do twist, que não tem nada de dispositivo, o nervo de um universo que deixa ofegante, entre enigma progressivo e luz retrospectiva, uma narração senão curiosamente lânguida. Do filme, só permaneceu a tristeza de ser, ou de não ser, um super-herói. A tristeza de David Dunn (Bruce Willis) e a amargura de Mister Glass (Samuel L. Jackson). Do Bom e do Mau.

Vidro é então um filme de franquia abortado, crossover marqueteiro (cruzamento de Corpo Fechado e Fragmentado, o filme anterior de Shyamalan), sequel, spin-off, última peça de uma trilogia improvisada, ou tudo isso de só uma vez. Ele é, sobretudo, o limite atingido de tudo isso: da série A ricaça que se empanturra das histórias da série B, cultura pop, quadrinhos, ficção científica, formas underground. Enquanto tal, esta é a melhor crítica desse gênero. É um filme “indus” como se diz da música industrial, bruto, tagarela, áspero, metálico, minimalista, intencional, digressivo e texturizado: linóleo, tijolos e concreto (rosa às vezes, pink e punk).

Não se trata, dessa maneira, de um filme “meta”, como escutamos já por todo lado, mas de um grande filme crítico. Obra reflexiva, intelectual mais que teórica. Sua desconstrução é uma reconstrução – da série B original e contestatória, portanto. O que dá nesta curiosa crítica reacionária (estes anos incríveis) e revolucionária ao mesmo tempo (a viralidade tecnológica). Então esta crítica não é resplandecente, de nenhuma maneira, mas anti-espetacular, um pouco grotesca (este humor de Shyamalan ao qual James McAvoy deu, desde Fragmentado, a sua livre expressão, freestyle horrível-burlesco) e dolorosa. 

Não há nenhuma presunção em Vidro, a crítica é modesta nesse filme, mas direta. Endereçada a nós frontalmente. Direta como estes planos dos rostos dos personagens, olhando para a câmera num leve contra-plongée, fria como a adição de pontos de vista alternados, cada herói tendo o mesmo olho apagado, cego ou maquinal, que as câmeras de vigilância. Multiplicar os pontos de vista, para fazer um balanço da situação. Punctum: esta cena do restaurante povoado de falsos anônimos é genial pela súbita estranheza. É então, porque o cenário é um dos personagens principais como em toda boa série B, um filme menos desencantado que abandonado.

Vidro nos informa sobre o que se passa – economicamente, espetacularmente – com a crença, em 2019, no cinema, na potência da ficção. Quer gostemos ou não do seu estado. Ele nos diz, com este belo lado didático do conto, o que se passa com este desuso: à imagem deste cenário austero de hospital psiquiátrico onde vegetam os heróis cansados. É preciso ver a cara dos três super-heróis diante da Dra. Staple (Sarah Paulson), a psiquiatra de voz doce – todos os filmes de Shyamalan tem vozes doces, reconfortantes e tristes, como vozes de fantasmas amigos, bem como categorias de silêncio inesgotáveis.

Estes rostos de expressão perdida. Entre o reencantamento do mundo de Corpo Fechado e seu desencantamento atual, há o envelhecimento, o vosso, o nosso, vinte anos depois, os três mosqueteiros (Willis, McAvoy e Jackson), heróis cansados, ou quase-vegetais, ou aberrações perdidas. De Unbreakable ao “broken” Glass, de um filme ao outro, “Shy” examina o que se rachou.

Estilhaços minerais

O público muda mais rapidamente que o cinema. E se ele se entedia diante de um filme de Shyamalan, seu torpor, este estofo estava desde sempre no seu cinema. Mas o espectador era mais otário, mais disposto a experimentar e a deixar o cinema de gênero criar atmosferas, arritmias, histórias da carochinha muito novas e muito antigas. Os filmes de Shyamalan ainda não entediavam os futuros espectadores blasés, “sabichões”, mais espertos que ele. Moleques chatos que exigem que um tal autor de (antigos) sucessos faça sempre melhor. Pode fazer melhor. Mas o autor – pois ele é um – resiste apesar dele mesmo, não cede à pressão, ele é orgulhoso demais. Sem dúvida, ele também entendeu que isso não duraria, os exageros das belas histórias mitológicas, fantásticas, ainda humanas. Shyamalan se pôs desde seus primeiros fracassos, e incluindo Vidro, a “não fazer melhor”, a não procurar mais fazer melhor. Cada vez mais B: nu, cru e exibindo seus twists e suas inverossimilhanças para espectadores cada vez mais intolerantes a elas, “nossos amigos os verossímeis” como os chamava Hitchcock, sinal de que em cada coisa encontramos uma ascendência.



Nesta maneira de abandonar, de “neutralizar” (nem bons nem maus, mas vegetais e vigiados) estes três personagens, eles mesmos multiplicados na Horda ou pela dissimulação astuciosa, reina no asilo psiquiátrico uma monotonia geral e amorfa, falso descanso, falso sono da mente, enquanto um entre eles, secretamente, trama. Staple, a psiquiatra, encarregada de convencê-los de que sair do neutro, deste cinza, será na direção de uma racionalidade boa, uma renúncia à loucura, à mitomania. Mas a mulher não vê os estilhaços minerais no olho dos prisioneiros: pouco a pouco a pedra, a água, a dureza das paredes e do asfalto no exterior – tudo isto que faz corpo e matéria recupera seus direitos. Já tínhamos visto um cenário de estacionamento ao ar livre explorado desta forma no cinema? Não, nunca tínhamos visto. E este hospital psiquiátrico filmado como um dédalo medicado, despovoado e vazio? Muito menos (ou sim, com John Carpenter). Vidro é então um grande filme sobre o neutro, um conto sobre a normalidade frustrada. Neutro, como este twist derradeiro sustentado numa poça d’água, pequena e terrível da tragédia anódina.

NdT : O nome do artigo “Glass”, Inclassable é uma referência ao título francês de Corpo Fechado: Incassable (inquebrável).

“Glass”, Inclassable foi publicado no jornal Libération em 15 de janeiro de 2019 (https://next.liberation.fr/cinema/2019/01/15/glass-inclassable_1703203). Tradução: Miguel Haoni.