O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

O dinheiro (Robert Bresson, 1983)




Visto por Vincent Dieutre

Ninguém dormiu; tomamos a ilha Saint-Louis para o "casting" de O dinheiro. Mas isso é tudo menos um casting. Cada um na sua vez, nós fomos chamados num pequeno cômodo misterioso. Mylène sozinha fazia a ligação com esse salão transformado em sala de espera onde se encontrava, amontoado e febril, todo o submundo do Palace e de Bains-Douches. Sobretudo os rapazes, rodados de longas brigas para se incrustar, a qualquer preço, nas festas mais privadas. A filmagem desse novo Bresson é desses eventos que não perderíamos por nada no mundo. É preciso estar lá, pelo menos tentar a sua sorte. Eu me pus no piano, para passar o tempo; talvez para chamar atenção; e não falha, Mylène me chama. É preciso dizer que um dos "modelos" escolhidos para os papéis principais é um amigo de infância e que o primeiro assistente me conhece bem. Veremos. "É você que tocava o piano? - Sim, senhor. - Bom... tire a foto, Eric... Você... fale um pouco, leia." Eu li como quem presta um exame. O mestre é afável, sorridente... a presença de Mylène me tranquiliza. "Muito bem, nós lhe contataremos." Ele já está muito idoso, sua cabeça balança ligeiramente, mas seu timbre de voz, seu porte gracioso representam , aos meus olhos cansados, toda a elegância do mundo; longe da familiaridade circunstanciada de um cinema que já se desfaz...

O "refeitório" é imenso. Todos vestidos de detentos, aqui estamos nós, prisioneiros da filmagem, do perfeccionismo paciente de Robert Bresson. O produtor suíço parece arrancar os cabelos... mas em silêncio, pois aqui tudo advém do sagrado. Quando o quadro está, enfim, preparado, depois de horas de negociação, aquele que toda a equipe continua a chamar de "mestre" nota, no fundo do fundo do plano, um par de meias escocesas de cores berrantes. Sem convicção, o diretor de fotografia emite um vago: "Mestre, está fora de campo, isso não vai ser visto." A resposta vem, incontestável: "Mas eu só vejo isso." Espera. Na quadragésima-segunda tomada da cena da concha, tal qual a passiva Mélisande, "eu não sei mais o que digo, eu não sei o que sei." Mas o mestre parece contente. Ele sabe. O produtor já partiu, desmoronado. Quanto a mim, eu tenho medo de não ser mais que essas poucas palavras, e esses poucos gestos refeitos interminavelmente. O assistente adivinhou que, de todas essas tomadas, o mestre ficará, certamente, com a terceira ou a quarta. Quase parece o silêncio, a calma. Amanhã filmaremos a cena da missa. O mestre está cansado. Quanto a mim, eu agora sei que farei cinema, depois.

L'argent (1983) compõe o dossiê "Treize films pour mémoire" e foi originalmente publicado na revista La Lettre du Cinéma n°13, primavera de 2000. Tradução: Miguel Haoni

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