Por Leodoro Camilo-Fernandes
O carro é a fortaleza onde, subitamente encastelada, Teresa precisa suportar as investidas dos camponeses em revolta. De frágil vítima da violência urbana a ardilosa sinhá, sai da clausura em que estava no seu apartamento à beira-mar (recuperando-se da violência) e logo volta a ver-se encerrada em outra redoma, em outra violência: seu carro novo, blindado, seu escudo, sua arma, seu túmulo. A propriedade é o sarcófago do rico.
O patrimônio, a fim de que exista, precisa de defuntos: sem morto não tem herança. Propriedade, o filme, por sua vez, também empilha corpos: sem morte não tem revolta. Luta-se pela conservação: dum lado, do patrimônio; do outro, da possibilidade da subsistência. Duas narrativas: a primeira, o debilitado casal rico que vai à fazenda para espairecer e descobre devassada a casa; a segunda, o grupo de trabalhadores que acordam para a labuta e descobrem-se desempregados (sem terra, sem documentos). Mais uma entrada no rol das ficções da revolta: capital e campo, beira-mar e mata, dia e noite, dentro e fora, patrão e empregado, casa-grande e revolta.
Não se assuste, pessoa. O carro liga. Até aqui na casa-grande tem mosquito. Enquanto eles se batem, dê um rolê.
"Propriedade" é o filme de abril do Cineclube da Madonna: https://www.facebook.com/events/798931818783319/?ref=newsfeed
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