O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

A coisinha que não vemos

Por Serge Bozon

Às vezes, uma coisinha de um filme é retomada no final, mas num modo invertido: o que era cômico se torna dramático, o que era dramático se torna cômico. Um gesto, uma réplica, um acessório. Os exemplos abundam. Entre os mais recentes, a retomada (dramática) por Gustave Kervern do gesto (cômico) da seita no último Salvadori (Em um pátio de Paris), o dedo apontado para o teto. O filme enfim ganhou velocidade. Entre esta retomada invertida e os créditos finais, o filme muda de regime. A crônica cômico-depressiva depõe suas armas. A emoção sobe, sobe, sobe. Eu chorei muito.

Mas eu me interesso aqui pelas retomadas invertidas que procuram as emoções suaves e não fortes. As emoções que descem, descem, descem. Elas surgem muitas vezes nos filmes que não são fortes, mas suaves. O exemplo mais discreto se encontra no Os garotos da minha vida de Penny Marshall (2001). No começo, Beverly (Drew Barrymore) e Jason (Adam Garcia) andam de carro. Quando Jason retruca às duas comadres numa loja de conveniência, que Beverly é sua mãe, nós não acreditamos. Dizemos que ele apenas tem vergonha de sair com uma garota grudenta e autoritária. O carro arranca. Jason tem sempre uma mecha rebelde na nuca. Beverly de repente humedece seus dedos e arruma a mecha com sua saliva, o que enoja Jason. Desta vez, estamos convencidos. É a sua mãe.

No fim, após muitas peripécias melodramáticas (mãe solteira, repúdio parental, marido alcoólatra, divórcio…) em flashback, todas ligadas ao nascimento indesejado de Jason, reencontramos o filho e a mãe na estrada. Eles brigam, depois se abraçam chorando. Ainda abraçada contra ele, Beverly esfrega os olhos e recolhe uma lágrima com a qual ela arruma a mecha rebelde, tocando nele. A mão partia dos lábios, ela parte agora dos olhos. O filho não se dá conta de nada. E eu muito menos. O gesto é furtivo e não há close. Foi conversando com uma amiga que me dei conta que eu tinha perdido a melhor cena. Depois, a emoção perdida permanece ali. Ela não se move mais, como se estivesse presa. Sem dúvida porque a cena é enquadrada por uma outra retomada invertida, não de um gesto, mas de um canto, ela é menos discreta. No começo do filme, Beverly e seu pai (James Woods) discutem no carro, depois cantam o clássico sonhador dos Everly Brothers (All I Have To Do Is Dream). No fim, logo após a “fixação capilar lacrimal”, eles se reencontram no carro depois de anos de desentendimento. Eles não discutem, mas murmuram de novo a canção, o todo enquadrado de muito alto, o carro afundando nas estradas cruzadas. O filme é produzido por James L. Brooks, seguramente cineasta maior que Penny Marshall. Mas o produtor tem razão: a saúde do cinema se mede por esses filmes médios, sem mise en scène, onde os bons atores fazem vibrar uma boa história graças aos bons gestos que não vemos. Digamos, os telefilmes perfeitos. Moral (skoreckiana): o que falta ao cinema, são os telefimes perfeitos.

Le petit truc qu’on ne voit pas foi publicado na revista Cahiers du Cinéma n°700, maio de 2014. Tradução: Miguel Haoni.

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