O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Ernst Lubitsch



Por Jean Douchet

Um breve exame da coleção dos Cahiers du Cinéma revela uma grave lacuna: Ernst Lubitsch. Só uma nota de Luc Moullet lhe é consagrada no Petit Journal do nº 68 na ocasião da reprise de O leque de Lady Windermere e Sócios no amor, na Cinemateca. Não é que os redatores dos Cahiers ignorem Lubitsch. Eles o têm, pelo contrário, em alta estima. Não contente de inscrever seu nome nos créditos de Uma mulher é uma mulher, Godard batiza de “Lubitsch” o personagem de Belmondo. Mas La Revue du Cinéma dedicara a esse grande cineasta um de seus números especiais (nº 17) algum tempo após sua morte, ocorrida em 1947. Esse número hoje pode parecer ultrapassado. Mas, aguardando que uma homenagem da Cinemateca permita um estudo aprofundado, aproveitemos que há uma reprise simultânea de Ser ou não ser e O Diabo disse não em duas salas parisienses para esboçar uma ou duas ideias. 

Lembremos antes de tudo que esses dois filmes datam de 1942 e 1943. Lubitsch fica então gravemente doente. Ele confia seus próprios projetos a dois jovens cineastas de nome Preminger e Mankiewicz. Perceba que não faltavam nem discernimento e nem gosto a um homem que fora, em seu tempo, frequentemente acusado de não possui-los. Crendo-se curado, Lubitsch realiza em 1947 um último filme, O pecado de Cluny Brown, e morre antes de terminar A condessa se rende, finalizado pelo grande Otto. Essas minúcias históricas parecerão supérfluas aos cinéfilos. Elas não são, contudo, inúteis. Elas querem dizer que Ser ou não ser e O Diabo disse não podem ser considerados como ápices desse artista, e a concretização de sua arte. 

Escreveu-se muitas vezes que Lubitsch sacrificava tudo ao traço, à gag visual, à “palavra”, à elipse alusiva. A visão atual de sua obra, que permance sempre tão jovem, cintilante, nova e engraçada, torna injusto o emprego da palavra “sacrificar”. É consagrar que se deveria dizer. Se Lubitsch, de fato, consagra tudo ao traço etc., isso vem de que esse traço etc., constitui o epifenômeno do que lhe preocupa profundamente: a maneira de viver. A grande ideia - puramente moral - que se extrai de Ser ou não ser e O Diabo disse não se resume a isto: a vida é um bem precioso, precioso como um diamante, que cintila igualmente mil reflexos brilhantes e fugidios, dos quais há que se saber fazer bom uso, apreciando até a mínima de suas manifestações. Como cada um se utiliza desse bem, quais fogos ele está apto a fazer brilhar, quais chamas ele dá, é isso e somente isso o que apaixona Lubitsch. De qual maneira vivemos significa para ele: de qual maneira queimamo-nos.


Ver Ser ou não ser ou O Diabo disse não é assistir a uma combustão, não olhando para a fogueira, mas, ao contrário, olhando para a extremidade das chamas. Apreendemos o jogo, a dança, a corrida tão ágil quanto incessante que se alimenta de cada instante para impedir-se de morrer. O instante – entregar-se inteiramente a seu capricho e estar somente nele – determina uma comédia obrigada a galopar a seu lado, com medo de que um segundo de desatenção, um instante ofertado e não aproveitado, possa afundá-la na tragédia. 

E no entanto, sorrateiramente, a tragédia, sob a forma branda do drama, desliza para dentro do coração da ação e dos personagens. Como estar no instante, já que ali estar é não ser, em Ser ou não ser? Como conjugar um sentimento profundo e durável, que é justamente o amor conjugal, com a necessidade de saborear a vida em cada um de seus instantes em O Diabo disse não? Em suma, os personagens de Lubitsch são animados por um sentimento aparentemente contraditório: eles querem experimentar a permanência da vida quando se entregam ao efêmero, ou se entregar ao efêmero quando eles experimentam a permanência. Mas o malicioso Ernst tem um jeito bem próprio de resolver esse princípio de angústia. 

Em Ser ou não ser, ele interliga três tipos de vida possíveis: a vida profissional, a vida privada, e enfim o que se poderia chamar de vida pública. Cada personagem passa sucessivamente por essas três fases (cf. o monólogo de Shylock). Mas as duas primeiras são apenas uma maneira de usar a vida sem realmente aproximar-se dela. Ela não permite que esses efêmeros, eternamente atraídos pelo superficial e pela pura aparência, sintam as suas ligações profundas. Também é preciso fazer-lhes defender esse bem tão precioso, sua vida, para que eles sintam sua grandeza e apreciem seu valor inestimável. Mas mudar o modo dessa vida lhes está fora de questão. Atores eles são, atores eles permanecem, ou seja, mais do que qualquer coisa, entregues ao capricho do instante. É no e pelo instante que eles revelam e protegem sua vida. Queimam-se ali até “se torrar”. Cada instante, que se tornou vital, reúne o todo da vida profissional e da vida privada para sublimá-lo em algo que poderia muito bem ser a consciência apurada da vida.


Sem querer aprofundar muito o filme, digamos que a vitória está necessariamente do lado daqueles que têm suas forças no degustar mais íntimo de todas as sensações. O professor-espião, cuja profissão, quando vista de perto, se parece com a dos atores e que sabe apreciar a vida privada e todos seus prazeres (uma boa mesa, um belo vestido, uma linda moça), sai vitorioso da cena de seu “sequestro”, contra Joseph Tura, posto que este “é” o coronel Eberhart. Ora, este último só existe por sua vida profissional, ligando-se então à parte mais externa da vida. Isso quer dizer que ele será necessariamente sujeito a todas as aparências e constantemente abusado por elas. Assim Tura se trai, introduzindo em seu personagem de coronel Eberhart uma possibilidade de vida privada, logo de uma vida mais rica. Essa falha não escapa ao professor-espião que desmascara rapidamente nosso herói. E, no entanto, o professor será abatido, pois sua consciência da vida não resiste à de todo um povo, e ainda menos à do espírito. Inversamente, assim que Joseph Tura, fantasiado de professor, vai ao coronel Eberhart, ele será sempre vencedor, não porque Joseph Tura, mas porque Professor. Pode-se resumir isso dizendo que, para Lubitsch, “ser” é estar no instante, logo não é ser. E, no entanto, podemos ser quando, pela riqueza de cada instante, nos comunicamos com a permanência e a plenitude da vida. Assim, nas relações humanas, “é” aquele que experimenta essa impressão de uma maneira mais intensa que o outro, que portanto não é. Pela força das coisas, Tura e seus camaradas, bebendo de uma invenção de cada instante, “serão”, enquanto os nazistas não “serão” em relação a eles. É talvez a maneira mais fútil, mas não menos elegante, para o espírito, de triunfar sobre a matéria. Ser ou não ser aparece assim como a mais vibrante, inteligente, sútil dissertação jamais escrita sobre Hamlet.


Pode-se muito bem aplicar tudo o que já foi dito ao Diabo disse não. Não é então normal que o herói, Don Ameche, que não deixa que o menor instante passe sem aproveitá-lo, roube por exemplo sua noiva de seu primo que limita sua vida a sua posição social? Nesse filme, não se trata somente da vida, mas de uma vida inteira, do nascimento à morte. E ela poderia muito bem ser à imagem da de Lubitsch, grande epicurista, que nos deixaria aqui seu testamento. Salientemos esse codicilo, consagrado, como em todo grande autor de comédias, ao jogo da mentira e da verdade, ligado ao da aparência e da realidade. Ora, a mentira de Don Ameche é bastante aparente. É uma falsa mentira. A verdade é a vida. Esta nos escapa em sua continuidade. Ela nos alcança de maneira descontínua, sob a forma do instante. A verdade que nós conhecemos está, portanto, ligada também ao instante. E essa verdade, sempre verdadeira no instante, muitas vezes se encontra em contradição com aquela que precede e que sucede. Há mentira? Certamente não. Mas uma sucessão de pequenas verdades dessemelhantes. Aquele que vive totalmente o instante pode parecer mentir e se travestir sem cessar, no entanto ele se mantém constantemente verdadeiro. 

Sendo assim, se um ser para se sentir vivo se lança inteiramente na embriaguez de cada instante, deveria ele recusar um sentimento forte e durável como o amor? Ou, pelo contrário, ele não poderia, sem trapacear, experimentar a vida em todos seus graus de ser? Lubitsch não hesita em responder. É seu herói quem possui a verdade, todo o resto é só mentira. A ele, então, o paraíso. Mas uma linda moça torna a descer ao inferno (a versão exibida na França se encerra, infelizmente, e inexplicavelmente, pouco antes desse traço final). Mais um instante de prazer. O Céu, a Eternidade podem esperar. 

Ernst Lubitsch foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma, n° 127, em janeiro de 1962. Tradução: Leodoro Camilo-Fernandes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário