O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Sobre "Silenzio"




Por Christian Merlhiot

Há muito tempo eu me interesso pelos dispositivos de mise en scène da linguagem. O que é dito não me compete, são citações, empréstimos. O primeiro dispositivo que eu explorei em Les semeurs de peste era muito simples: repetir, lendo, o texto de um processo que marcou época na História italiana. Depois desse filme eu me inspirei em outros dispositivos para fazer falar a língua, fazer surgir um eco ou uma distorção que venha confundir seu sentido. Eu modifiquei a voz, criei entonações, joguei com a articulação, os sotaques estrangeiros, acumulei as traduções, em suma, eu considerei diferentes modos de transporte do discurso me empenhando sempre em extrair dele um sentido menor e subjacente.

Silenzio se situa na continuidade desses filmes porque ele interroga a opacidade e a brancura da língua até no seu mutismo. É preciso entender que esse silêncio não é uma ausência de linguagem mas que, ao contrário, ele multiplica as possibilidades de enunciados e desloca as formas de comunicação. Sem outro ponto de apoio sobre as palavras além de sua entonação e sua musicalidade, os gestos dos personagens liberam subitamente uma sensualidade discreta e às vezes erótica, alhures submergida pelo fluxo do discurso.

A afirmação do sentido me interessa menos que a forma de o pôr em crise, de o fazer vacilar. A linguagem é autoritária, mas ela é também muito vulnerável, um nada provoca a gagueira e engendra novas perspectivas narrativas. Nesse sentido, mesmo um filme sem diálogo articulado como Silenzio é um filme sobre a língua. O questionamento foi apenas deslocado para o seu espaço tátil, para a repetição das palavras, a entonação que as acompanha, para o gesto que as sustenta, as antecipa ou as segue... Enfim, tudo que é necessário para acompanhar uma palavra perdida numa língua estrangeira.

Mas Silenzio é sem dúvida o último a questionar essa alteridade absoluta na qual o outro não tem lugar. Dois personagens ganham corpo longe dos espaços urbanos. Eles abandonam uma cidade para se deixar, pouco a pouco, atingir pela paisagem. Essa troca nos confins da língua só é possível graças à emergência da paisagem. Tudo o que se enuncia numa simples co-presença dos personagens atesta sua experiência comum. Que eles observem um vulcão adormecido, sejam testemunhas da fúria do mar ou atravessem a brancura de uma floresta enevoada, eles registram esses eventos como o bem comum que a partir de agora os aproxima. A paisagem age como ator no filme. Me parece, além disso, que para interrogar a paisagem, um filme só pode renunciar à palavra. Como se uma fosse a reserva da outra e como se elas absorvessem uma à outra. Podemos falar de uma paisagem ausente mas falar diante de uma paisagem é falar diante de um cenário. É preciso que um dos dois esteja ausente para reabsorver a distância entre o espaço e as palavras.

A propos de "Silenzio" compõe o material de imprensa do filme, lançado em 2005. Tradução: Miguel Haoni.

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