O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

O trabalho da crítica: Entrevista com Christine Martin




Não gosto de fazer entrevista, gosto de inter-vista, da alta auto-intervista. Trabalho 15 horas por dia, sexta-feira é dia maldito no jornal. Faço de 20 a 30 matérias. Cola retranca, bate título, cola título, bate retranca. Fecho 3 dias num só. 3 dias de roteiros, especiais, lançamentos, 2 notas para o suplemento dominical, pequena reportagem para sábado, capa de segunda, eventualmente uma crítica, nunca feita durante a sexta, sempre durante a semana. Cola retranca, bate título, prepara necrológio, confere telex... E agora tem a trolha de segunda. Ai, ainda bem que fiquei livre dos filmes da TV. Cola retranca, volto no arquivo, cola titulo, bate legenda... Abomino os proselitistas e patrulheiros de qualquer ordem. Quem sou eu? Não sou alguém, sou ninguém. Isto é: sou eu e Deus, mais uma partícula do pensamento revolucionário que não se conforma com a simples ilustração das aparências. Meu nome é Ligéia de Andrade e não gosto de diluição. E o importante não é o que está neste relatório confidencial, mas o que ficou de fora.

Jairo Ferreira, Nem verdade, nem mentira

E eis que chegamos, depois de dez filmes, dez encontros, dezoito textos e um expressivo atraso, ao encerramento do nosso dossiê em homenagem aos 25 anos da revista La Lettre du Cinéma. Para isto traduzimos a entrevista que Christine Martin (ex-editora chefe da revista) nos concedeu no começo do ano, no apartamento que por tantos anos recebeu as reuniões do comitê de redação. Nesta conversa, Christine completa o quadro desenhado pelos seus colegas. Sendo a única fundadora da revista que não produzia obras de arte, ela nos relata a experiência de uma outra perspectiva: a perspectiva do trabalho.

Serge Daney dizia que o crítico precisa escrever sabendo que no dia seguinte o seu texto vai embrulhar os peixes na feira. Christine Martin escrevia e fazia escrever, numa relação mais estreita com o jornalismo, no ritmo da vida mas respeitando os prazos, sem o "complexo de épico" que em tantos casos esteriliza o elã criativo, na consciência de que um texto é só um texto, entre outros, o que não é, em absoluto, pouca coisa. Escutando, transcrevendo, lendo e traduzindo o depoimento de Christine - como ponto de chegada desta exploração do planeta desconhecido da Lettre du Cinéma - uma vontade se consolidou: precisamos fazer uma revista de cinema. Uma revista sedutora, com humor, atenta à atualidade cinematográfica, disposta a ler uma história do cinema sem maiúsculas, sem terror, sem a genuflexão paralisante com a qual nos habituamos. Amando ao mesmo tempo Marguerite Duras e Jurassic Park, como diria Sandrine Rinaldi.

Uma revista que gostaríamos de ler, na nossa língua. Em diálogo com aquilo que Christine Martin chamou de "dimensão sensível da análise". Na entrevista que se segue, ela fala dos encontros com filmes e pessoas que alimentaram a sua sensibilidade: do coletivo pointligneplan ao blockbuster hollywoodiano, de Julien Husson a Monte Hellman. Christine Martin abriu o relógio e mostrou as engrenagens...

2021 nos ensinou muitas coisas. Espero ter aprendido que o trabalho da crítica é também entregar o texto no prazo.

Feliz ano novo!

Miguel Haoni

Vestido sem costura: Você poderia falar do seu percurso?

Christine Martin: Eu nasci em 1956, o que faz de mim a decana da Lettre du Cinéma. Tinha que ter um ou uma. Anteriormente, o trajeto é clássico: classes preparatórias literárias, letras modernas, um mestrado sobre O rosa e o verde de Stendahl (as pessoas sempre ficam nervosas com essas cores). Em seguida, os concursos da Capes e do credenciamento, depois dos quais eu rapidamente percebi, durante os estágios práticos, que eu não estava muito à vontade no meio da educação. Então, mudança total de percurso! Eu me registrei como trabalhadora independente para começar uma carreira de ilustradora, um velho sonho levado paralelamente com muitas realizações e algumas (modestas) exposições quando eu ainda estava na escola. As artes gráficas e o design em geral sempre me interessaram. Naquela época a ilustração era muito fértil, haviam muitas pequenas revistas underground, tipo a Façade, que utilizavam a fundo a cor e todos queriam desenhar/colar com o impacto de Kiki Picasso ou do coletivo Bazooka. Em 1980 eu realizei duas capas para a Masques (a Revista das Homossexualidades, que acabou em 1985), depois eu me vi fazendo para os editores uma espécie de trabalho simultâneo que consistia em criar uma ilustração para a capa e escrever um resumo sedutor para a contracapa. Um editor me disse: "Você escreve melhor do que desenha. Faça só isso." Então ali eu comecei a escrever para a edição, e para a imprensa.

Com quantos anos?

Eu diria 21 anos, eu tinha acabado meus estudos. Era uma vida muito agradável: eu saía muito, enquanto trabalhadora independente eu organizava a minha vida como eu queria - eram os primeiros anos do Palace em Paris, então passávamos todas as noites, ou quase, na rua... Eu reescrevia livros por encomenda, depois eu comecei a trabalhar para as marcas, mais dossiês de comunicação do que campanhas de publicidade, enfim, antes coisas que exigiam um pouquinho mais de pesquisa e de conteúdo. Uma coisa levou à outra, eu conheci muita gente nesse meio e foi assim que eu ganhei minha vida todos esses anos. Aliás, eu continuo, essencialmente na vertente design de marca. Os temas são muito variados, os interlocutores rejuvenescem o tempo todo. Eu trabalho com os designers, os vídeo-artistas, os desenhistas - muito logicamente o aspecto visual do objeto revista sempre me interessou, e eu me ocupei disso particularmente a partir do número 18 da Lettre du Cinéma.

E o cinema em tudo isso? Eu sempre fui cinéfila - seria mais exato dizer "bufílmica"; no curso preparatório eu me ocupava do cineclube. Mais tarde, nos anos 80, eu ia regularmente a Cannes porque um dos meus clientes se ocupava da administração do Mercado internacional do filme. A Deauville também, no começo do Festival do Cinema Americano. A partir daí foi tentador começar a escrever roteiros: em 81 ou 82, eu fiz uma formação de um ano na Censier (Universidade Sorbonne Nouvelle), com Pierre Baudry que era, de certa forma, célebre (mais que celebrado) graças a Sophie Calle que tinha encontrado na rua o seu diário e o publicou sem que ele soubesse. Na sequência deste ano, eu escrevi com amigos, futuros realizadores ou produtores, roteiros que nunca foram filmados. Eles devem estar em algum lugar, mas onde? Mais profissionalmente, eu trabalhei em paralelo com um produtor, Gérard Mital, que se lançava em projetos "de arte" depois de uma carreira na distribuição no UGC. Ele me pediu para colaborar com Lars Von Trier porque, na época, Gérard foi integrado in extremis ao projeto de Europa que baseava-se num financiamento pan-europeu complexo; como Lars escrevia em dinamarquês, depois em alemão, depois era traduzido para o inglês, quando se chegava à versão francesa do roteiro, haviam muitas perdas. Então eu reescrevia o script em francês porque, na época, nem todos os financiadores necessariamente falavam alemão, muito menos dinamarquês. Isso não deve ter melhorado depois! Europa foi selecionado pelo Festival de Cannes em 1991. Eu não sou co-roteirista do filme, mas eu me lembro de várias discussões sobre os diálogos.

Depois a vida tomou um outro caminho... paramos de trabalhar com Gérard, eu tive filhos, pequenos no começo, muito trabalho, enfim, bem, a vida era, ainda assim, muito ocupada.

E depois, um dia em 95, eu vi um filme que eu não gostei nada e eu enviei um texto ao Libération que o publicou durante o verão, sem que eu soubesse. Era sobre O ódio, de Mathieu Kassovitz. Quando eu voltei, uma mensagem telefônica de Julien [Husson] me dizia: "Eu li o artigo, ele me interessa, estamos montando um prêmio, precisamos de pessoas como você, etc.". Foi assim que tudo começou na minha história com a Lettre, porque ele tinha lido essa crônica. Quando nos falamos pela primeira vez, eu não sabia nada sobre quem eu ia encontrar. Eu disse a ele: "Mas eu não sou crítica!", e ele me respondeu: "Mas sim, você é crítica, porque você publicou uma crítica". Foi então essa mensagem de humor que me colocou na rota do pequeno bando. E eu me encontrei com Emmanuel Giraud, Julien, Judith Cahen, Stéphane Malandrin, Sophie Bredier - os nomes do prêmio Sadoul. Julien e Judith eram os motores. Éva Truffaut nos recebia na casa dela para vermos os filmes. Muito tempo depois eu os recebi muito na minha casa, para as reuniões do comitê de redação, na segunda parte da Lettre - a época em que eu era co-redatora-chefe com Axelle [Ropert], depois da interrupção de um ano que se seguiu à saída das Edições P.O.L. Era muito lógico que nos encontrássemos na minha casa pois os locais do nosso editor Yves Gasser/Alvisa não se prestavam muito para isso. Por outro lado, nos anos 90, quando não era na casa de Éva, nos encontrávamos aos sábados à tarde num lugar no 10° distrito, eu não sei mais onde. Para preparar a seleção do prêmio, víamos muitos filmes e dávamos nossas opiniões sobre eles, com um ardor na escrita tal que a ideia da revista foi rapidamente estabelecida. Eu escrevi em todos os números com muita alegria. No começo, Julien guiava na reescritura dos artigos, depois, pouco a pouco, cada um ganhava autonomia. Ele, realmente, abandonou o negócio depois de dezessete números. Ele estava num outro projeto, seus filmes, a Villa Médicis... depois as histórias sentimentais começaram a interferir nesta revista muito endogâmica. Histórias que tiraram o couro da revista em 2006. O fim foi muito complicado, impossível de manter as coisas quando a maior parte das pessoas não podem mais coexistir na mesma sala. É uma pena porque todos são pessoas que eu amo muito individualmente.

A isso se somou a falta de vendas, mesmo nessa escala tão confidencial. "É uma pena que acabou", nos diziam as pessoas que nunca tinham sido assinantes! Houve, contudo, uma época em que havia mesmo uma boa distribuição, seja na P.O.L., depois na Alvisa. Encontrávamos a revista na pequena banca de jornais embaixo da minha casa, isso dava muito prazer. Depois nas prateleiras de cinema das grandes livrarias na França e em Paris, depois cada vez menos...

Quando tudo acabou, em 2006, eu continuei assídua do Festival de Belfort, do qual Catherine Bizern era a representante geral, antes de assumir a direção do Cinema do Real no Pompidou.

Você parou totalmente com os roteiros?

Sim, sim.

Como você conseguiu resistir à cooptação dos seus colegas?

Não foi isso. Primeiro, meus colegas, como você diz, são cineastas. Logo, eles tinham primeiro uma vontade de fazer filmes à serviço da qual eles escreviam. Eu nunca tive vontade de fazer filmes, então é um pouco diferente. Eu achava amplamente suficiente escrever na revista e fazer aparições nos filmes deles, de Pascale Bodet, de Christian Merlhiot, de Vincent Dieutre, foi muito agradável. Eu atuei em Mon voyage d'hiver, uma passagem próxima do fim na qual eu fazia um playback de Berlioz, com Bojena Horackova. Uma aventura berlinense a -25°C. Estávamos com Vincent, que tinha rodado esse Voyage d'hiver com Itvan Kebadian, produzido pela Films de la Croisade (produtora de Emmanuel Giraud). A um dado momento Ivan encontra sua mãe, Bojena, que era sua verdadeira mãe na vida real. Eu interpreto o papel de uma amiga, e cantamos as duas. Christian Merlhiot me fez atuar numa sequência de seu filme Le Lac, no qual se tratava da maneira com que se percebe uma língua apenas no plano fonético, porque ele fez pessoas que não conhecem a língua francesa lerem O Lago. Eu apareço também num plano de Horezon, de Pascale Bodet, com Laurent Lacotte.




Paralelamente, o centro de interesse pela arte contemporânea de Vincent Dieutre ou de Christian Merlhiot havia um pouco estruturado uma segunda tendência na Lettre, ao lado dos defensores da "cinefilia clássica". Isso era particularmente visível após 2002. Sob a sua liderança, o coletivo pointligneplan nos permitia nos encontrarmos para projeções que aconteciam na Femis, mais ou menos toda quinzena. E íamos lá o tempo todo, nos encontrávamos também com as pessoas da Lettre. Isso soldava enormemente as correntes nos experimentos que os realizadores apresentavam pessoalmente: Arnold Pasquier, Jean-Claude Rousseau, Valérie Mréjen, Boris Lehmann... Ali também tinha material para escrever sobre os autores; eu escrevi sobre o trabalho de Julien Loustau. É todo um aspecto do trabalho sobre a imagem e a narrativa que eu acho muito inspirador. Cineastas, video-artistas ou artistas, qualquer que fosse a etiqueta que os qualificasse, pessoas como Dominique Gonzalez-Foerster ou Pierre Huyghe tinham para mim o seu devido lugar nos conteúdos da Lettre. Eles introduziam uma variedade nem sempre acolhida de braços abertos pelos defensores do cinema puro e duro, mas no fundo esses desejos de prestar contas sobre produções às vezes antinômicas fizeram todo o ecletismo da Lettre e seu caráter surpreendente - isso e o fato de não estar colada à atualidade.

Quem era o redator mais colaborativo?

Se levarmos em conta os ritmos de escrita de cada um, os formatos prediletos, a grande variedade de rubricas à nossa disposição, a periodicidade trimestral que podia dar a sensação de uma eternidade... Haviam pessoas para quem era complicado entregar antes do último segundo, outros que se aplicavam num detalhe meticuloso, o que fazia a qualidade das grandes entrevistas, entre outras. Da minha parte, eu tenho uma relação muito diferente com o mundo do trabalho, eu tenho uma ligação com a encomenda, enquanto freelancer a quarenta anos. Então quando alguém diz: " É agora e você tem que refazer para amanhã", eu sou capaz disso. Além disso, a crítica para mim não é uma obra de arte. Deve-se estar inspirado, sim, mas ela deve ser límpida, deve ser compreensível. Tivemos por vezes publicações muito confusas ou inchadas tendo em conta o volume da revista. O lado "panelinha" pode ser terrível para uma publicação que abre generosamente suas colunas, sobretudo sem remunerar ninguém, e eu acho que houveram momentos em que o nosso flanco pode ter cedido a isso.

Como vocês perceberam a baixa no público?

Nós sempre fomos "pequenos". Em 2004-2005, período Alvisa, tivemos uma boa onda de quinhentas assinaturas, o que não é desprezível, mas as vendas nas raras livrarias nunca decolaram. O diretor de publicação, Yves Gasser, tinha seus problemas de tesouraria, era quase engraçado: você chegava no seu escritório e ele tinha obras de arte por todo lado, uma semana depois ele teve que vendê-las. Eu achava isso muito rock'n roll. Exatamente o oposto da P.O.L., pelo menos. Não muito seguro, nem de uma transparência total! Ele tinha sido, porém, um produtor brilhante nos anos 70, especialmente no quadro do novo cinema suísso de Alain Tanner, de Claude Goretta e de Michel Soutter.

O nome da editora, Alvisa, é, ainda assim, difícil de encontrar nos fascículos da Lettre.

Tem uma pequena logo, muito visível, na primeira página até o número 29, e que desapareceu no 30 e no 31! Alvisa se constituiu como um micro-grupo de jornalismo cultural, com L’Avant-Scène Cinéma, Théâtre(s), Topo, uma revista literária e uma revista inicialmente dedicada ao roteiro, Synopsis - grupo que veio reforçar a Lettre. Como Synopsis, que era muito mais comercial, vendia bem na época, nos deixavam numa paz imperial em relação a nossa visão do cinema. Para fazer as coisas direito, Yves Gasser reunia todas as revistas num comitê de redação, às segundas de manhã. Enquanto publicação trimestral nós nunca tínhamos notícias muito quentes! Axelle e eu explicávamos que iríamos fazer uma entrevista com Jean-Paul Civeyrac, por exemplo. Ninguém entendia verdadeiramente do que estávamos falando, mas nos respeitavam. Então Yves nos deixou escrever e publicar tudo o que queríamos, mas entre o fato de que ele não era um administrador muito bom, que vendíamos pouco, e depois o grande clash na equipe de redação, o número 32 nunca viu a luz do dia.

Podemos retornar um pouco ao prêmio Georges et Ruta Sadoul para falar dos cineastas, dos filmes. Esse foi o momento em que vocês descobriram Pierre Léon, por exemplo. Um cineasta sobre o qual você escreveu muito. Como foi isso?

Pierre é um grande amigo de Éva. Pierre, seu irmão Vladimir, Serge Renko, eram todos muito próximos de Éva. Conhecê-los e vê-los na casa dela levava a amar ainda mais os filmes. Suas paisagens da região de Creuse me encantavam, tanto quanto o conhecimento deles sobre a música clássica. Pierre e Vladimir tinham um tal encanto nessa autoridade... russa.

Existem cineastas que estão no corpus da Lettre em função do seu engajamento, por exemplo Darezhan Omirbayev ou os irmãos Larrieu. Você poderia falar um pouco desses cineastas?

A Lettre mantinha boas relações com os assessores de imprensa que sabiam que a revista poderia se dedicar a filmes confidenciais, em termos de distribuição. Eles podiam facilitar os encontros. Nós tínhamos visto e amado os três primeiros filmes de Omirbayev, os filmes em K (Kardiogramma, Kairat e Killer). Eu adorava esses filmes a ponto de escrever sobre todos eles e de querer dialogar com Darezhan. Axelle e eu o entrevistamos. Eu me lembro muito bem, foi no hotel Rive Gauche, rua dos Saint-Pères. Darezhan só falava russo e havia um tradutor inglês. Pequeno palimpsesto das línguas que contribuiu ainda mais para engrossar o mistério. Eu sempre quis fazer entrevistas com pessoas que eu achava muito intrigantes. Monte Hellman, por exemplo. Teve uma retrospectiva em Pantin, eu vi todos os seus filmes e pensei: "Eu quero fazer uma entrevista com Monte!" E ele foi ótimo, nos entendemos verdadeiramente bem, e mantivemos, por algum tempo, contato por email. Eu adorava esse cara, eu adorava seus filmes. Eu fiquei muito triste de saber da sua morte na primavera. Ele tinha a mesma idade que o meu pai.

Qual foi, para você, a entrevista mais inesquecível dessa época?

Monte, certamente. Porque Monte era, ainda assim, essa versão de uma Hollywood um pouco improvisada, capaz de se divertir com o fantástico. Monte, para mim, foi um encontro verdadeiramente belo. Depois, porque era um amigo de longa data, Dominique Dubosc. Seu trabalho de documentarista se ancora, desde os anos 70, na França, na América do Sul ou na Palestina. Mais um que tinha, para mim, o seu devido lugar na Lettre.




Você fez muitas entrevistas apresentadas como depoimentos, quer dizer, sem as perguntas, sem o formato do diálogo, por exemplo na entrevista com Diane Baratier. Por quê?

Sim, eu comecei uma rubrica que se chamava "Le cinéma de...", elas não eram totalmente entrevistas, antes um olhar particular de um ponto de vista de ator, de técnico ou de encenador. Isso se lia mais como uma reportagem do que como uma entrevista. Eu gosto muito do fato de tê-las sintetizado. Depois, é talvez uma restrição que eu me impus porque já tinha grandes entrevistas que corriam por muitos números. Assim foram realizados "Le cinéma de Jacques Lassalle", "Le cinéma d'André Dussollier", "Le cinéma de Diane Baratier". São pessoas com quem eu tinha afinidades pessoais. Eu conhecia muito bem Jacques Lassalle porque vivi com o seu filho, então eu achava que havia no seu teatro elementos visuais muito cinematográficos, cuja gênese ele desenvolve bastante no artigo. Além disso, ele mesmo fez cinema, ele interpretou o marido de Catherine Deneuve em O vento da noite, de Philippe Garrel, ele estava tão orgulhoso!

E os irmãos Larrieu?

Fin d'été foi apresentado num dos últimos prêmios Sadoul, mas eles não ganharam. E, eu me lembro muito bem, eles tinham gostado muito do que eu escrevi sobre Fin d'été e eles vieram me ver dizendo: "Você é o nosso prêmio". (risos) E depois nós permanecemos próximos graças aos artigos, aos encontros nos festivais. Eu gosto muito da abordagem deles, eu me sinto em sintonia com a sua fantasia, verdadeiramente, e eu lhes perdôo quase tudo. Que objetividade!

Todos os filmes dos irmãos Larrieu passaram pela Lettre du Cinéma através da sua mão, havia esta relação de fidelidade com outros?

Sim, alguém com quem eu tinha uma grande afinidade era [Adolfo] Arrieta. Com Adolfo nos entendemos muito bem; mesmo se eu não tenho notícias recentes, e não tê-las é um erro. Adolfo é frágil, é realmente necessário levá-lo pela mão. Em 2003 nós fizemos durante alguns dias, no Reflet Médicis, uma pequena retrospectiva Arrieta (tiveram muitas outras depois) na qual ele queria apresentar o seu último filme Eco e Narciso, sem legendas. Eu fiz um pequeno texto para que as pessoas pudessem entender a sinopse, nem todo mundo é familiarizado com as Metamorfoses de Ovídio, e ele estava muito contente, fizemos uma bela sessão. E depois ele me enviou seus roteiros. Foi por isso que pudemos publicar tantos fragmentos deles na revista. Mesmo no número 31, eu acredito que publicamos coisas, verdadeiros fragmentos do seu último filme. Eu acho Arrieta realmente mágico, além disso ele tem um defeito terrível, ele retoma seus filmes e refaz tudo, ele corta, ele acrescenta coisas, como pudemos constatar na retrospectiva do festival EntreVues de Belfort, em 2009.

Ele não pára nunca.

Sim, ele não pára nunca, mas isso, ainda assim, é um pouco problemático. Não sabemos nunca se o filme terminou ou não. Mas Arrieta sempre foi generoso e também era muito bom ter ele do nosso lado. Que revista poderia se permitir publicar um roteiro com um storyboard como esse, tão poeticamente ilustrado em dois/três números?

Qual era o estado da crítica francesa na época da Lettre? Qual era o ambiente geral?

O ambiente geral é que haviam os grandes e os pequenos: Cahiers, Positif, Vertigo e Trafic, Les Inrocks na parte de cinema e mais muitas tentativas de duração mais efêmera. Vou tomar a liberdade de citar um artigo de Jacques Morice do Télérama na coluna "Critica das criticas", muito elogioso sobre a Lettre du Cinéma. "Diante dos dinossauros Cahiers, Positif, as pequenas revistas são uma legião (...) Desafiando a inclinação geral de querer, custe o que custar, reagir no calor do momento, a Lettre du Cinéma defende corajosamente sua posição de exploradora intermitente. Eis uma das revistas mais confidenciais, pouco mais de 500 exemplares vendidos, mas também das mais entusiasmantes do momento. A única que reúne pessoas que desejam fazer cinema - a maior parte já são roteiristas ou realizadores, Serge Bozon, Axelle Ropert, Vincent Dieutre. Como anteriormente os Jovens Turcos da Cahiers amarela, a equipe de redação põe suas ideias em prática e promove novas formas de discurso crítico: cartas, abecedários, poemas, entrevistas verdadeiramente longas, todos os meios são bons para melhor cercar o complexo arquipélago do cinema atual. A revista vale tanto como revista de cinema quanto literária. Aberta ao campo das artes plásticas, a Lettre du Cinéma sabe também se afastar das sereias chamativas da modernidade exibidas por Lynch, Bonello ou Grandrieux, como diz Axelle Ropert." Bom, da minha parte eu, ainda assim, adoro Bonello. "É um laboratório estrangeiro ao dogma mas aberto à experimentação, preferiremos sempre o impulso da pesquisa às certezas da teoria, confessa Christine Martin, redatora-chefe. Reconciliar prazer e reflexão, tal poderia ser seu credo, fazer, em suma, da revista de cinema uma arte de viver." Isso somos nós!

Havia uma pequena "guerra fria" com a Cahiers?

Não, eu não falaria guerra fria. No fim das contas, a Cahiers fazia sistematicamente referência à nossa publicação, os Inrocks também. Eles nos ajudavam. Eu me lembro que haviam festas, quando Noël Herpe fazia festas na casa dele todo mundo ia, todo mundo se gostava. Jean-Marc Lalanne era muito amigo de Sandrine. Um dia Charles Tesson me disse: "É ótimo isso que você fez com Diane Baratier". Fazíamos uma coisa diferente, nesse mundo minúsculo da crítica. Em todo caso, do meu ponto de vista um pouco afastado, eu não sentia nenhuma hostilidade.

Mesmo no nível teórico?

No curso da sua longa vida, a Cahiers teve várias linhas, duras ou semi suaves. Jean Narboni e Bernard Eisenschitz deram, cada um, um panorama edificante sobre isso durante a sessão de encerramento do evento genial que Serge Bozon concebeu no Centro Pompidou em novembro de 2010: Beabourg, la dernière major! Por falta de predisposição e de bagagem, eu não me encontro numa abordagem teórica, e reivindico mais a dimensão sensível da análise.

Você está mais próxima de uma prática crítica concebida como rotina de trabalho.

Que seria a tradução de uma paisagem mental complexa, feita de filmes recentes, filmes vistos anteriormente, de pontes entre as artes, da vontade de se dirigir a esses artesãos vivos que são os cineastas (e os vídeo-artistas, do meu ponto de vista) contemporâneos. A periodicidade da Lettre, publicação trimestral que não queria exatamente dar conta da atualidade, nunca nos incitou a dizer o que era preciso ver ou não. Os filmes que nós não gostávamos, não prestávamos conta deles, um ponto e isso é tudo. Logo, nada na Lettre, de todas essas páginas de críticas da Cahiers ou dos Inrocks, na época semanal, é num estado de urgência que não permite recuo. Aliás, o retorno dos Inrocks a uma fórmula densa e mensal, desde a primavera de 2021, é uma boa notícia.

Existem outras diferenças muito sensíveis na Lettre, por exemplo o lugar dado aos atores. Vocês colocaram em evidência certos atores que Axelle qualificou como excêntricos. E esse é um dos pontos cegos da crítica histórica, com a política dos autores...

Sim, que centraliza tudo na mise en scène!

E o gosto pelos atores é amplamente partilhado entre vocês.

Sim, isso é totalmente justo.

O que você achava dos filmes dos seus colegas? Você só escreveu sobre Lições de trevas.

Sim, porque depois de tudo nós todos queríamos evacuar um pouco o lado "panelinha". Então eu só escrevi sobre Lições de trevas. Eu não poderia escrever sobre Mon voyage d'hiver porque eu estava nele. Enfim, isso seria complicado de qualquer forma, mas eu acho que depois falamos menos dos filmes uns dos outros.

Você se lembra bem do lado "arte contemporânea", mas os seus textos nos dizem o quão "cinéfila clássica" você é. O cinema americano está sempre lá...

Sim, mas o que eu amo no cinema americano são também os momentos contemplativos, suspensos e inúteis. Eu me lembro às vezes mais de coisas que acontecem na natureza que das coisas entre os protagonistas. Os planos fixos da lua cheia são muito recorrentes (e não só nos filmes de Otar Iosseliani), eu posso ficar horas vendo isso.




Mas encontramos, por exemplo, Cassino de Scorsese, Prenda-me se for capaz de Spielberg, Mestre dos mares: blockbusters. Você era de certa forma dedicada a essa produção.

Não necessariamente dedicada, mas eu lembro de uma definição de Julien que dizia que um bom filme era aquele que honrava o seu contrato com o público, mesmo que seja muito comercial. Então, por que não falar de Spielberg? Cassino, eu falei mal dele no número um - eu o revi recentemente e ele é ainda pior do que eu lembrava. Ele não honra nada, enquanto que Steven Spielberg ou Peter Weir nos filmes que acabamos de citar, sim. Além do mais, essas são pequenas polêmicas que organizam as variações de humor sobre cineastas que podemos amar em outros momentos. Como tínhamos decidido falar só sobre coisas que nos tocavam, incluindo as "super-produções", tomávamos o tempo para argumentar e testar a sedução com o passar do tempo.

E tem as missivas também, a Lettre enviava cartas, era uma forma de...

Uma forma de receber noticias, de dá-las, de provocar reações...Sim, a Lettre enviou muitas cartas! ou bilhetes de humor. As "Notulettes et friandises" ("Notinhas e guloseimas") era um negócio genial que Julien inventou, formatos curtos que permitiam abordar o que quiséssemos. Terrivelmente radical, e sobretudo não convencional. São coisas como essas que Gérard Lefort amava. O "Movie-clubbing" de Axelle era um encontro extremamente fino, no limite de um cômico absurdo e, ao mesmo tempo, retrato mal-disfarçado do cinema.

Devemos falar da igualdade entre homens e mulheres na redação, e de uma espécie de cinefilia queer não declarada.

Sim, com isso eu estou de acordo, mas era encarnado por Vincent...

Não apenas...

Em quem você pensa?

Se pensarmos na Diagonale por exemplo, tem um lado...

Eu não tenho certeza se era o lado queer de Guiguet, Biette ou Vecchiali, nem as posições filosóficas ligadas ao gênero que fizeram da Diagonale um polo de atração tão forte para a Lettre du Cinéma. A igualdade? Eu acho que nunca nos pusemos a questão, as pessoas propunham textos, a espontaneidade e as afinidades faziam o resto. Nós certamente não colocamos a questão sob um ângulo politicamente correto.

Vocês sentiam na época que a Lettre tinha um certo impacto?

Na época eu acho que sim, nós sentíamos, havia um prestígio, digamos um pequeno prestígio, mas eu não sei se esse prestígio poderia ser avaliado. Pela imagem do interesse que hoje você tem pela gente, talvez? Desde o fim da Lettre, todo mundo ficou triste. Tarde demais - ninguém fez nada na época, mas isso é demasiado humano.

Eu não tenho nenhum ponto de vista sobre o que poderíamos escrever hoje. Provavelmente sobre as séries. Quando eu vejo como Sandrine/Camille fala delas no Libération, sim, eu acho que poderíamos ter continuado. Era emocionante fazer a revista, e a matéria foi infinitamente desenvolvida ao lado dos filmes clássicos que se faziam. Eu poderia ter escrito sobre a dança. Eu escrevi sobre Ribatz, Ribatz! ou le grain du temps, de Marie-Hélène Rebois. O que é a captação da dança? Um filme, um espetáculo? Ela realizou o filme reatualizado do pano de fundo de Dance de Lucinda Childs, que é absolutamente magnífico. Eu acho que eu teria perseverado nesse tipo de coisa, e eu teria também vontade de abrir as veias do filme popular, isso nunca foi uma coisa que nós tratamos de verdade. E quando você diz que eu trabalhava sobre os blockbusters, o que eu via era como um objeto tão dirigido poderia ser um sucesso artístico entusiasmante. Eu acho que Prenda-me se for capaz é um filme muito bem-sucedido, enfim, você pode vê-lo vinte vezes sem se cansar!


É o prazer quase absoluto, ele desliza.

Ele é feito no prazer total, o ritmo, o atordoamento das metamorfoses... É uma grande comédia, que não é mais do que uma comédia, claro. Como ele termina bem, como cada plano é perfeito, que belo objeto dito "para o grande público"! Enquanto que o Lobo de Wall Street é dopado, pesado, todos os truques hipertrofiados de Scorsese, no fim a coisa fica impossível, Scorsese que eu antigamente adorava e ultimamente com o Irlandês? Mas por que se perder à toa em procedimentos tão complicados? Existe um pequeno documentário sobre a filmagem, no qual se vê Scorsese, Pesci, Al Pacino e De Niro, os quatro sentados numa dessas trattorias nova-iorquinas que ele tanto filmou. E eles só falam da câmera multi-camadas que permitia, se podemos dizer, tratar em tempo real os estratos de envelhecimento ou de rejuvenescimento dos personagens. É patético.

Por que você parou de escrever críticas?

Escrever em outro lugar, você quer dizer? Eu não sei, eu não tenho resposta para te dar.

Você escreveu tanto, em todos os números, e no entanto você é quase a mulher invisível da Lettre. Não existem fotos no Google, nem Wikipedia, você é impossível de achar...

Sim, eu gosto muito disso. Isso corresponde totalmente à minha natureza.

Por quê?

Mas por que ser visível? Os outros criaram obras, é muito diferente, eu era crítica, eu escrevia artigos e fazia uma revista, o que é tudo menos uma obra. Todo mundo conhece os rostos dos editores? Não. Francamente, eu não vejo interesse. Aliás, existem pessoas que me viram e que me conhecem, eu apresentei muitos filmes nos festivais.

É a sua história também, você poderia fazer uma compilação dos seus artigos...

Só os meus? Ah não, isso não é interessante. Era o conjunto o que criava uma tensão, os contrastes. Seria muita pretensão pensar o contrário.

Você acha?

É muito interessante essa pergunta. Para mim as compilações a posteriori são realmente uma coisa de ego. Sim, eu adorei escrever para a Lettre, sempre segundo um esquema um pouco particular: eu escrevo num primeiro jato e deixo de lado. Eu deixo passar um dia. Eu releio, jogo fora e recomeço tudo. Depois eu não quero mais ouvir falar e não quero nunca mais reler. Nunca mais. Quer dizer que, na verdade, se você me apresentar um texto meu, eu não vou reconhecê-lo. Um distanciamento absoluto. O que não quer dizer que eu não lhe dê valor - mas não a ponto de publicar uma coletânea solitária. Para mim o projeto de escritura era coerente nas suas variações, porque tem alguma coisa muito engraçada de Vincent antes, alguma coisa muito incisiva de Serge depois, uma revista é uma montagem a partir do coletivo.

Foi triste o fim da Lettre?

Sim, você conhece um fim que não seja triste? Ao mesmo tempo eu acho que foi libertador. E nada nunca está totalmente acabado. A prova: nós estamos falando dela.

Entrevista realizada por Miguel Haoni em 10 de fevereiro de 2021.
Transcrição: Dalva Deshogues
Tradução: Miguel Haoni

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