O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

“Criar colisões”: Entrevista com Patricia Mazuy



Entrevista realizada por Marcos Uzal para a revista Cahiers du Cinéma.


Não foi uma atualidade particular que nos levou a Patricia Mazuy, mas a melhor das razões: nossa admiração por seus filmes e pelo lugar muito singular que ela ocupa hoje no cinema francês. O confinamento não estava nos planos dessa entrevista e, no entanto, a conversa por vezes ecoou em outros artigos deste número: a circulação e a restauração dos filmes, a economia frágil da distribuição, o estatuto incerto dos criadores…

Você sabia que, com o tempo, Travolta et moi tornou-se um filme um pouco “cult” para certos cinéfilos?

O que é engraçado é que as pessoas acham que é um filme cult porque não o viram. Se o vissem, acho que diriam a si mesmos: não é tão bom assim!

De fato, o filme pode ser visto, mas de uma maneira um pouco clandestina, porque nunca foi editado.

Eu sei que isso parte de uma ótima intenção de fazer o filme circular, mas é realmente uma merda a pirataria, a circulação livre de um filme que tentamos recuperar para restaurá-lo…

Por que é tão difícil ver esse filme?

Não é a restauração física que custa dinheiro aqui. Tudo repousa em uma história de direitos. O filme pertence a uma coleção produzida pelo Arte, Tous les garçons et les filles de leur âge, que teve diversos detentores. Aqueles que têm seus direitos hoje gostariam de fazer algo com essa série, mas é um enorme trabalho de negociações de direitos musicais ao passo que o objetivo comercial não é muito forte. Tudo isso está ligado à limitação basilar da coleção: cada filme se passa na época em que o diretor foi adolescente e era preciso obrigatoriamente incluir uma cena de festa ou balada. Isso significava ter muita música. Eles tinham negociado os direitos para quinze anos sobre um território mínimo e unicamente para a televisão para que não ficasse demasiado caro. Inicialmente, eles tinham trabalhado constituindo um catálogo, fazendo um acordo com a Sony Music, que possuía um repertório enorme. Para os diretores, era ótimo, éramos como bebês em uma loja de brinquedos! No meu caso, havia tudo menos Bee Gees. Mas todos os outros títulos estavam nesse catálogo. O filme foi construído um pouco como uma comédia musical: Higelin, Miss You dos Rolling Stones, Aerosmith, Joey do Dylan, Et si tu n’existais pas de Joe Dassin, Nina Hagen, La Mouche de Michel Polnareff. E The Clash, London Calling, posto que, no fundo, é um filme sobre a passagem da disco ao punk. Além de Bee Gees,
tivemos também que negociar um pequeno trecho de Nos embalos de sábado à noite, porque era preciso que se visse o verdadeiro Travolta!

O que pensou de Travolta et moi revendo-o?


Agora, eu o faria de outra forma, faria menos planos. Por exemplo, eu tinha filmado toda a sequência do ônibus em um dia, enquanto eu só tinha 19 dias de filmagem. Eu queria fazer planos demais! Como no meu primeiro filme eu tinha filmado poucos planos, porque eu não sabia, depois quis realmente ver se eu era capaz de filmar muitos planos. Por vezes, isso foi em detrimento do que havia dentro, em algumas sequências, em todo caso. É a Leslie Azzoulai quem habita o filme, ela é realmente incrível. A cena da patinação no gelo foi divertida de fazer, sabendo que eu tinha filmado todas as cenas de gelo no começo da filmagem e todas as cenas “sem gelo” no fim da filmagem, como se fizéssemos campos-contracampos de maneira separada. Esse negócio era uma espécie de quebra-cabeças! Era muito divertido se perguntar se isso ia dar certo ou não.



Falando em restauração, justamente, você trabalhou recentemente em uma de Peaux de vaches.

Sim, comprei de volta os direitos do filme, isso foi muito complicado. E é a mesma coisa: ninguém viu Peaux de vaches. Ele foi difundido pela última vez no Arte em 1992 ou 1993, acho. Desde então, não passou em nenhum lugar, a não ser de maneira pontual, no Festival de Belfort, na Cinemateca e em Nova Iorque.

O que você sente ao mergulhar novamente nesse filme?


Ainda não sei, porque eu tinha que calibrá-lo de 16 a 18 de março, no Éclair, e você entende que isso não foi possível. Mas sei que isso será interessante. Já supervisionei, para Denis Freyd, a calibragem da restauração de Saint-Cyr. Recalibrar uma imagem que foi feita há muito tempo é um negócio notável, pode-se literalmente perder o filme fazendo isso. Eu fiquei enlouquecida após o primeiro dia de trabalho: o brilho do digital, os detalhes que saíram, que estavam de fato no 35 mm (o 35 tem uma definição incrível), mas não nas cópias positivas. Havia coisas de louco que eu nunca tinha visto! O calibrador dizia: que bela luz! Mas tinha se tornado algo como uma publicidade, eu fiquei com a impressão de que tínhamos transformado todo o filme em uma publicidade para chuveiros com garotas! Eu suei frio e pensei que estávamos destruindo o filme completamente. Retomamos um dia suplementar para repensar no sentido do filme, para manter o lado crepuscular e, finalmente, fiquei encantada: a restauração de Saint-Cyr é magnífica.

Então, foi preciso reinventar a imagem para adaptá-la ao digital?

Sim e, ao mesmo tempo, não se pode perder-se em outro lugar, deixar-se seduzir pela sobredefinição e o brilho. Mas descobri de uma maneira incrível os grãos de pele das adolescentes. Há algo sobre as peles que não estavam no 35 mm positivo, mas que estavam lá, no negativo.



Todas as suas falas me remetem à maneira como os filmes por vezes escapam ao diretor: não controlar mais seus próprios filmes, não poder mais mostrá-los, como você vive com isso?


A partir do momento em que não sou produtora de meus filmes, eles não me pertencem. Eu vivo isso mal quando não dá certo, porque isso não vai me ajudar a fazer outro filme! O que eu amo é fabricar, fazer. Depois, eu detesto a promoção e eu sonharia que não houvesse mais necessidade dessas coisas, que os filmes pudessem bastar a si mesmos, que não precisássemos explicá-los, que não precisássemos de críticas, de nada… Eu sonharia com isso, mas não é possível.

Esporte para moças
e Paul Sanchez está de volta passaram muito despercebidos, mesmo que tenham tido seus defensores. Você diria que eles foram mal lançados?


É sempre uma questão de poder e de dinheiro. E esses são casos particulares, muito complicados. O que é estranho é constatar como, agora, os festivais têm um poder considerável.

Este ano, os efeitos da anulação de Cannes revelam bem a que ponto tudo está subordinado a esse festival.

Quando fui a Cannes para o Peaux de vaches, era um teatro de crueldade para mim! Acho isso terrível. Há um lugar que eu achava bom, porque era claro, era direto: o mercado do filme. Achei isso incrível porque tive a impressão de estar na feira de gado. Era bom para o ego dizer a si mesmo: “Fizemos uma vaca e é preciso que haja esses caras que a vendam, eles têm muitas outras vacas para vender”. Mas, em 1989, o poder dos festivais não era tão grande quanto hoje.

Se um dos seus dois últimos filmes tivesse sido selecionado em um grande festival, você acha que as coisas teriam se passado de outra maneira?

Sim. Para Esporte para moças, Jean Labadie tinha investido muito dinheiro na coprodução e ele o lançou da melhor maneira possível, porque amava enormemente o filme. Mas, na quarta-feira, isso não deu certo, e, depois, estava acabado.



Onde se dá o impacto de um festival nesse caso? No espírito do público?

Sim, isso opera psicologicamente, mesmo psiquiatricamente! É como se fosse uma denominação controlada, como para um queijo. É muito estranho, porque é um verdadeiro ofício produzir e vender os filmes, mas isso não basta. Quando Paul Sanchez não foi selecionado em Cannes, Saïd Ben Saïd disse: “ele sai em julho, ponto final”. Tinha acabado.

Você já teve a tentação de ser sua própria produtora?

Eu já fui, com Simon Reggiani, eu cuidava de sua produtora Tact et Sentiments e fui eu quem produziu Basse Normandie. Mas tenho um problema grave com documentos desde que sou pequena e, para mim, isso foi um inferno absoluto! Eu sofria penalidades o tempo todo porque não depositava os documentos todos os meses para o IVA, em um período em que não fazíamos nada, não filmávamos… É idiota, porque acho que é um instrumento quando se sabe como utilizá-lo. Um filme tem dois patrões: o produtor e o diretor. E é legal poder estar com um produtor que quer o filme tanto quanto você. Foi o que aconteceu comigo com Saint-Cyr, com Denis Freyd. Ele veio me procurar para fazer esse filme. Foi um de seus primeiros filmes de ficção para o cinema, era uma loucura. O desenvolvimento levou sete anos. Paul Sanchez está de volta se passou muito bem também. Mas já faz 11 anos que voltei a Paris e vejo que tudo mudou: as velhas receitas devem ser contornadas. Os filmes muito baratos, “piratas”, vão continuar se fazendo e os filmes muito caros também. Mas, para os outros, é complicado… De fato, eu não posso ser autônoma a partir do momento em que faço ficção com atores, uma equipe técnica mais ou menos importante. Não é porque não há mais dinheiro que as pessoas não devem mais ser pagas. Aliás, não é verdade que não haja mais dinheiro.

Uma coisa que chama a atenção na sua filmografia é que você trabalhou com orçamentos muito diferentes e para realizar filmes que também são muito diferentes entre si, pelo menos à primeira vista…

É verdade que eles não se assemelham… mas um pouco, de todo modo. Um filme de Carax; é um filme de Carax, ele cava o mesmo sulco. Ao passo que meus filmes cavam, a cada vez, um caminho novo. Eu amo explorar formas, mas não quero que a forma prevaleça sobre o humano ou a vida.

Um dos pontos comuns entre seus filmes é que eles evoluem sempre de maneira surpreendente, você ama as rupturas, as mudanças de tom.
Não sei… Por exemplo, tenho um projeto de thriller em que quero explorar a fundo a forma “thriller-barroco”. Há uma ambição estética muito forte nesse filme. No caso de Saint-Cyr, era a mesma coisa. De fato, eu gosto de fazer o que nunca fiz, pura e simplesmente. Gosto de dizer a mim mesma que não se deve refazer o que já se fez. Finalmente, descubro que há ligações de um filme entre um filme e outro, mas independentemente da minha vontade.

Quando eu falava da evolução própria a cada filme, eu pensava, por exemplo, na maneira como, diante de Paul Sanchez está de volta, muda-se diversas vezes de distância. Há um momento em que não se sabe mais se dá medo ou se é engraçado…

Sim, era a ideia explorar uma tragicomédia bamboleante em que não sabemos mais se estamos em um negócio de comédia adolescente ou em uma tragédia, em que uma garota que tem a aparência frágil de fato não o é de modo algum. Eu queria deliberadamente trabalhar sobre a surpresa do espectador.



Esporte para moças é também um filme estranhamente construído, com duas partes muito diferentes. A primeira parte no haras é…

É muito desajeitada, pode-se dizer! Há um monte de coisas capengas na primeira parte, porque eu não estava em forma. Eu corri atrás do filme e só consegui, enfim, dominá-lo na segunda parte. Fazia muito tempo que eu não filmava. Dos 32 dias, os 10 primeiros, no haras, foram complicados… É bamboleante, mas não no bom sentido do termo! Depois, adoro o filme.

Por que o início da filmagem foi ruim?

Tive que gerir um monte de reveses, verdadeiros reveses… Mas, no fim, ninguém ligava para o fato de saber que houve reveses. É como para tudo no mundo, como na política, é preciso saber quais responsabilidades assumimos. No haras, eu estava doente, com muita febre, e não disse a mim mesma que o mais importante era assumir minhas responsabilidades no filme em vez de fugir.

Você reviu o filme desde então?


Sim, fiquei sobretudo desnorteada de ver Bruno Ganz e Marina Hands. Desde o momento em que seu personagem parte para a Alemanha, eu adoro, realmente. Ocupamos um concurso hípico alemão que era uma etapa para os campeonatos mundiais, então tínhamos a cada vez três minutos para invadir a pista, pois, caso contrário, isso poderia invalidar as provas dos verdadeiros concorrentes. Olha que bagunça! Isso se tornou divertido, porque era realmente complicado.

Você reivindica frequentemente um gosto pelos faroestes, os filmes de guerra, o cinema de gênero americano. De que maneira eles impregnam seus filmes?

Talvez na minha relação com o espaço. Seja em um pequeno cômodo ou em um grande espaço, acho que os cenários inspiram a ficção. Diverte-me muito buscar soluções quando o lugar torna as coisas um pouco difíceis, como o concurso hípico de que acabo de falar.



Você acha que seus filmes são muito franceses ou isso não tem nenhum sentido para você?

De fato, tento fazer filmes muito franceses, mas eles não o são. Eu adoro tanto A noite da encruzilhada e Um dia no campo quanto O homem que matou o facínora. É mais uma questão de música, de ritmo. Quando eles são filmados na França, tento fazer com que sejam franceses. Depois, eles são como são!

Um outro ponto comum a muitos de seus filmes é que você gosta dos personagens um pouco perturbados, que vão explodir em algum momento…

Sim, em Nova Iorque, quando revi todos os meus filmes, me dei conta de que meus personagens eram todos um pouco borderline. Paul Sanchez está de volta trata realmente da loucura, mas, nos outros filmes, os personagens têm razões objetivas e muito justas para explodir de raiva.

O que dissemos dos personagens retorna ao que eu tentava dizer acerca de suas narrativas: em um determinado momento, algo balança, não fica no lugar, precisa se transformar…

Em Saint-Cyr, as meninas se movimentam, mas é a História, a história da escola que se transforma, é a Sra. de Maintenon que enlouquece, progressivamente. Porque também há filmes em que cada coisa vai poder se contradizer: o personagem não se movimenta, são as coisas em torno dele que mudam. Por exemplo, um personagem que seria obrigado a sempre gerir as coisas, em uma condição social específica, alguém que está o tempo todo em sobrevida, na reação concreta diante das coisas. Será interessante colocar diante desse personagem que não se movimenta um personagem que se movimenta intimamente para criar colisões, portanto, criar vida.



Um dos problemas frequentes nos filmes franceses que buscam filmar o social é que eles têm uma tendência a reduzir os personagens a um modelo sociológico. Ao contrário, seus personagens mudam muito, o que não significa que você negue o social, mas você não tem uma visão imobilizada dele.


Sim, mas há também grandes filmes sociais em que se fica imobilizado em um negócio. A diferença é que o desejo desses filmes é estar no social. Ao passo que, pessoalmente, acho que me interesso sobretudo pelo que há na cabeça e nas emoções. Acho que as pessoas são sempre surpreendentes. Por exemplo, sou muito amiga de um policial que é fã de Espinosa. Bem, nunca vi isso no cinema. Se falarmos com qualquer um na rua e cavarmos um pouco, muita gente é imensamente rica de complexidades.

Pode-se imaginar um policial que lê Espinosa em um de seus filmes, ao passo que, na maior parte dos outros, ele não teria lugar. Os espectadores diriam “que ideia desvairada!”.

Se tratarmos isso no registro burlesco, sim. Mas, se for levado a sério, é preciso inventar as circunstâncias, as situações que fazem com que seja muito sério. E isso é verdade independentemente do gênero do filme, uma comédia, um filme policial ou um drama psicológico.

Em Paul Sanchez está de volta, você filma também personagens de classe média, sem muitas asperezas aparentes.

Quando se constrói um personagem, é preciso que ele seja de algum lugar. Didier Gérard não aguenta mais não ser nada aos olhos do mundo. É quase um ancestral dos gilets jaunes, em seu ataque de fúria.

O que você acha de Claude Chabrol? Vendo Paul Sanchez está de volta, disse a mim mesmo que seria possível aproximá-lo de alguns de seus filmes.

Não está errado. Quando ele olha uma classe social, é muito complicado, não é simplista. Não se está nunca pairando acima dos personagens em Chabrol.

Parece-me que, tanto nos seus filmes quanto nos de Chabrol, essa complexidade dos personagens passa muito pela liberdade que vocês conferem aos atores.

Eu amadureci muito, espero, na minha relação com os atores. Quando comecei a fazer filmes, achava que a espontaneidade vinha da ausência de preparação. Em Peaux de vaches, eu tinha 28 anos e muito medo de fazer um negócio prefabricado. É preciso dizer que, pouco antes, eu tinha feito um curta inteiramente preparado, mas que, no final, era vazio. Porque eu só tinha me ocupado dos planos, e não dos atores. Bruno Ganz me ensinou uma coisa essencial durante a filmagem de Esporte para moças: pode-se totalmente repetir várias vezes sem quebrar a espontaneidade. Antes, eu tinha medo de repetir porque tinha medo de perder a verdade, mas é um erro. O tempo em que cavamos, procuramos, erramos, como não temos dinheiro para fazer isso nas filmagens, é preciso encontrar esse tempo antes. Buscar, de maneira lúdica, dizendo-se: “E se fosse…”. Isso vai decantar, nós dormimos. Bruno queria seus diálogos antes, visto que o francês não era sua língua, mesmo que ele fosse perfeitamente bilíngue. Marina Hands também, mas porque, como ele, ela vem do teatro. Essas repetições fazem deles grandes atores de cinema, porque eles chegam a uma filmagem disponíveis como bebês: eles trabalham tanto anteriormente que não precisam mais pensar antes do plano. Muita preparação permite ao ator estar ali, pura e simplesmente, em vez de ficar preso ao roteiro. Quando abrimos a porta, abrimos a porta e não estamos dizendo “é essa ou aquela cena”. Eu continuei trabalhando assim no Paul Sanchez está de volta.

Você mesma foi atriz recentemente, notadamente em Dois Rémi, dois, de Pierre Léon e Jamais contente, de Émilie Deleuze. O que aprendeu com essa experiência?


Aprendi muitíssimas coisas sobre os atores com eles. No filme de Pierre Léon, eu tinha um pequeno papel e eu o observava. Admirava muito sua maneira de trabalhar com nada, fazendo coisas radicais. Esse tipo de cinema era um outro mundo para mim. Com Émilie, também era uma aventura, uma vez que, quando ela me pediu para rodar no seu filme, eu não sabia que era um papel importante. Imaginava que seria apenas uma figuração. Eu me impliquei realmente na mecânica do ator e aprendi o que era a espera do ator, a necessidade de permanecer sempre disponível sem perder a energia que imprimimos ao papel. Eu precisei vivê-lo para compreendê-lo.



Enquanto diretora, o que você acha da noção de female gaze?

Precisamos mesmo falar disso? É um momento, faz todo mundo se mexer e é muito bom. Mas não se deve dizer qualquer coisa. O desejo de um diretor ou de uma diretora é essencial. Não posso filmar alguém que não tenho vontade de olhar. Há sempre um desejo, mas que não é sexual. Na seleção de elenco, temos vontade de filmar uma pessoa ou não. E, depois, trabalhamos. Mas isso não é físico, é um todo. Por exemplo, acho que Sternberg era um grande canalha, mas, quando ele filma as mulheres e os homens, ele os olha. E ele quer devorar todo mundo, não só a Marlene! E, enquanto espectadores, ficamos contentes, porque também devoramos todo mundo! Tenho uma relação bastante infantil com o cinema, gosto de devorar o que vejo.

Ser uma mulher já foi por vezes incômodo para você? Isso chegou a prejudicá-la?

Sim, mas não no começo. No começo, o fato de ser uma mulher me ajudou. Foi porque eu era uma jovem mulher que propunha uma forma de faroeste com um monte de rebuliço que o produtor pensou: “olha, isso é curioso!”. Se eu não fosse uma jovem mulher, como o roteiro era bastante indigente, não tenho certeza se o teria feito. Depois, ser uma mulher nas relações de poder, em que podem ser tomadas as decisões, isso pode me prejudicar. Mas o problema não é só uma questão de gênero, é o problema do poder.

O que você está preparando agora?

Tenho três projetos em curso esperando que um deles se realize. O thriller bastante barroco de que lhe falei mais cedo. Um thriller puro, uma tragédia. O outro parece ser um filme social, mas, de fato, é um melodrama. E o terceiro é um filme de colagem para retraçar 60 anos da vida de alguém, é um assunto mais íntimo. São colagens, não sei aonde eu vou. É muito lúdico, bastante divertido. Para esse projeto, não tenho roteiro, mas, estranhamente, tenho todos os atores de prontidão. É incrível, não? É um projeto muito felliniano, com telas pintadas… é um pouco maluco.

Entrevista realizada por telefone por Marcos Uzal, em 16 de maio de 2020, publicada originalmente na revista Cahiers du Cinéma, n° 766, junho de 2020. Tradução: Rafael Zambonelli. 

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