Por Raymond Bellour
Os roteiros de que se serve Anthony Mann talvez sejam os mais belos porque badalam justamente na hora da aventura individual. Essa é a maior verdade do western em sua tragédia inacabada.
Os heróis, em Mann, buscam incansavelmente, presos entre duas épocas: o futuro que os atrai e o passado que os cativa. E persiste a esperança, violenta, de uma conciliação possível com a qual o filme sonha o tempo todo, sem conseguir estabelecê-la. O sonho dos heróis, todavia, não se desvia na direção da comunidade épica cuja ideia, muitas vezes, lança uma longa e nostálgica sombra sobre o faroeste. Ele se edifica, muito pelo contrário, sobre a ideia impossível de uma harmonia individual; nada diz isso melhor do que a imagem do rancho ilusório que ao final de cada provação em O Preço de um Homem e Região do Ódio transmite aos olhos cansados de Stewart um lampejo cortante e ao mesmo tempo terno, que se aproxima aparentemente de uma imagem de infância. Harmonia ferida, rejeitada em sua própria essência, ilusão de uma paz coletiva e natural, em seu sentido bucólico – Godard muito justamente apelidou Mann de “o mais virgiliano dos cineastas” –, para o único prazer da alma pessoal. E apenas uma vez quase realizada, ainda que no momento exato de sua explosão, em Lance Poole, com a calma encantadora de “Sweet Prairie”, em O Caminho do Diabo; uma outra vez encarnada, com sua bela violência e seu anacronismo, por um Rousseau de carne e osso construído como um atleta, Victor Mature em O Tirano da Fronteira. Mas se tratavam justamente de indígenas, e de um homem tão desconhecido quanto uma parábola. Porque tal harmonia contradiz a verdade mesma, histórica, da alma americana, conquistadora, que experimenta o tempo como uma odisseia tumultuada e incerta de conquista e de perigo. O rancho é uma imagem: ele supõe uma imobilidade sonhadora, ou pelo menos uma vida tranquila, onde o movimento, a progressão, estabelecem uma conciliação perpétua. Uma única vez o homem americano, ao menos como Mann nos mostra, pôde pensar em tal equilíbrio – disfarçado, é verdade, de citadino cortado da vida natural –: Yancey Cravat em Cimarron - Jornada da Vida. Mas ele se afasta imediatamente do equilíbrio logo no primeiro terço do filme, fugindo para a aventura; daí essa estranha impressão de um filme do qual Mann se abstém apenas para reaparecer na última cena, quando seu herói retorna, trinta anos depois, morto.
Pois um só tempo, de fato, permanece possível: o presente da ação. Levado para um futuro temido, que ele ama por suas únicas ligações com a transparência ilusória de um passado natural, o herói de Mann é o homem do presente. Sobre o sonho delirante, difuso, de uma harmonia, edifica-se a aventura singular, real e violenta a ponto de tirar o fôlego. Vamos chamá-la de romanesca. E os filmes de Mann, é verdade, retêm muito da ideia de aprendizado para que não pensemos na educação romântica do bildung. Mas o romance, o verdadeiro, aquele que encena Wilhelm Meister ou Rastignac, elabora-se, apesar do acontecimento, sobre períodos de paradas, de reflexão, sobre a interioridade psicológica, feita de idas e vindas e de constantes distanciamentos. Delimitar em Mann a exata tonalidade do romanesco demanda que invoquemos primeiramente uma tradição puramente aventureira do romance, em que a retirada é apenas um farsa, uma maneira disfarçada de ação, e que, sobretudo, reconheçamos a comovente e terrível solidão do herói, preso pelo desespero de sua luta abstrata e infinita no mundo de um Oeste legendário ainda meio verdadeiro e do qual suas mãos detêm apenas a sombra. Então aparece a dupla impossibilidade da epopeia: a respeito deste mundo, de início, onde a comunidade do senso e do ser é ilusória, porque o Oeste não é a Grécia nem mesmo a Itália das Geórgicas; a respeito do herói, em seguida, para quem, por mais desorientado que seja, esse mundo ainda pode parecer o da comunidade épica, mas da qual tudo o separa, agarrado como está à sua própria natureza, e sobre a qual não tem nenhum controle a não ser o rigor de sua própria aventura, a qual o separa dela no instante em que ele a alcança, e que se mostra nisso perfeitamente trágica.
Pois Mann não agencia senão os motivos para a ação permanente. Ele ignora essa alternância um tanto mágica de tempos fortes e fracos que fazem o charme e o gênio de Hawks, a suave descontração de Ford, a igualdade brutal e um tanto desapegada de Walsh. Incessantemente, ele faz de seu herói o local de um problema constante; não há, com Mann, um verdadeiro repouso; viva ou escondida silenciosamente, a ação, tanto quanto a aventura de um homem, estabelece-se plano a plano, por um olhar, um gesto, uma expectativa, uma parada mesmo, que nunca estabelece a liberdade do tempo, mas, bem ao contrário, uma inquietação da ação presa em suas próprias ciladas. Veja Stewart, sempre atento, e que não conhece um só instante de paz. Calmo, sem dúvida, em nome da discrição, da eficiência, mas sempre possuído de uma angústia nervosa que é mal escondida por seus grandes braços lânguidos e sua cabeça inclinada. O olhar busca constantemente. Violento é o momento da peripécia, mas sua coloração, sua possibilidade estão presentes em cada plano. Tomado pelo acontecimento, o herói de Mann não está livre até a última cena.
Mas de onde vem esse sentimento de irremediável nostalgia, mais ou menos reprimido, e que explode por vezes com tanta emoção? Da encenação, ou mais precisamente, do jogo de câmera. Observadora e seguidora fiel, ela edifica pacientemente a aventura gestual, assegurando no reconhecimento preciso de cada ato a linearidade lógica da narrativa; mas de súbito sonha, toma literalmente conta do campo, acaricia, demora-se um pouco demais, levanta-se ou aproxima-se, congela-se, ganha vida própria, e esses são os belos movimentos, quase sempre em exteriores, sobre este ou aquele momento da paisagem, deslizando pelo topo da colina, pela grama pesada e pelas copas das árvores, espiando o movimento da água ou, igualmente, este ou aquele gesto, que parece quase de outro tempo. Trata-se apenas de uma ilusão, é claro, porque a história avança silenciosamente, e um clarão é suficiente para remediar o tempo. Mas é uma ilusão vívida, física, enraizada no espaço e agarrada aqui e ali, como se fosse uma metáfora, àquilo que está mais distante, algumas linhas, ditas clandestinamente, quando não pensamos mais nelas, e que respondem, com tanta habilidade, ao destino do roteiro. É a lacuna que liga a epopeia da ação àquela epopeia impossível da vida natural e da paz de espírito. E isso, os impulsos, as precipitações, a vida subitamente pessoal de uma câmera basta para instaurar. Do dramático puro, passamos ao lírico; dessas duas impossibilidades nasce, rica em todos os seus poderes, a trágica profundidade romanesca, sobre a lenda ilusória de um herói e a face de um ator.
Esse jogo sutil e enternecedor da câmera organiza-se em torno do ator principal, sobre o qual a obra repousa em sua totalidade. A ilusão, já tão forte em todo filme americano, alcança aqui seu ponto extremo, porque os outros atores, por mais importante que sejam seus papéis, não contam, por assim dizer: o herói é a equação da narrativa e da encenação. Portanto, seu físico, seu jeito, seu estilo de ser importam antes de qualquer outra coisa. É por isso que tudo o que foi dito acima se aplica principalmente aos cinco filmes que Mann fez com Stewart, esse personagem que ele e Borden Chase tiraram da comédia e moldaram literalmente para projetá-lo no Oeste. À uma direção que ele pretendia enquanto tal, ao desejo de uma tonalidade afetiva tão exata, Stewart correspondia magnificamente, com seu ar incerto e ferido, sua lógica, sua tenacidade, o clarão de seus grandes olhos marejados por sonhos e um senso da natureza física das coisas e dos eventos que nos fazem crer ao mesmo tempo na brutalidade do mundo e na sua estranheza.
Entretanto, O Homem do Oeste – mesmo que tudo de Mann se encontre aí de novo – parece ser de uma outra linhagem. Godard disse bem quando nos convidou a ver retrospectivamente em O Homem dos Olhos Frios o indício de uma evolução radical onde muitas vezes nos contentávamos em encontrar esquematismo. De fato, Anthony Mann, construindo após um primeiro ensaio com Fonda, todo o seu filme em torno de Gary Cooper, como fez por muito tempo com Stewart, não poderia deixar de mudar a natureza de sua imagem e sua intenção. Pois o ator, com ele, assegura a mediação perfeita entre a imagem e o roteiro, enquanto que para outros, por vezes – e exemplarmente no caso de Lang –, serve para mantê-los esquartejados. Ora, conduzindo um Gary Cooper envelhecido pelos caminhos de um Oeste desolado, ajustando a velocidade de sua câmera à marcha e ao olhar de um herói lendário em um momento no qual o western já questionava sua própria sobrevivência, Mann não podia fazer – queria – nada além de um belo filme depurado, todo em pontas secas, de um rigor em todos os sentidos admirável, que deixa nas bordas da alma atônita um gosto de morte cinzenta. Foi, antes de Cimarron, em que o Oeste desapareceu para dar lugar à América, antes de El Cid, em que Charlton Heston e a História festejaram suntuosas núpcias, o verdadeiro adeus de Anthony Mann ao faroeste. E eu não acredito que O Homem do Oeste seja mais ou menos belo do que O Preço de um Homem ou Região do Ódio: somente que eles são diferentes, e que preferir aquele um ou aquele outro é uma questão de atores e, para Mann, da história e da direção que eles pressupõem. Essa é a única razão, creio eu, que me faz gostar mais dos primeiros de seus filmes, onde se vê no belo e mutável rosto de Stewart, contra a água e a doçura de colinas floridas, a violência concreta que transforma um homem comum em presa do desejo furioso de viver o motivo de uma trágica nostalgia.
Anthony Mann foi originalmente publicado em BELLOUR, Raymond (Org.) Le western: Approches - Mythologies - Auteurs – Acteurs – Filmographies. Paris: Gallimard, 1993 (pp.276-279). Tradução: Ezequiel Antônio da Silva Stroisch.
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