Por Camille Nevers
A obra de James L. Brooks está ao mesmo tempo entre as mais raras e as mais prolíficas da Hollywood derradeira: somente seis longas-metragens em seus créditos, escritos, produzidos e dirigidos em 35 anos; mas também a criação e a roteirização de uma dezena de séries marcantes, incluindo The Mary Tyler Moore Show, Taxi e a mais estonteante e perene, Os Simpsons (que lhe assegurou uma liberdade financeira e artística, absolutamente crucial para esse autor ultraperfeccionista sob a fachada divertida), o que faz dele uma figura central na história da televisão americana; sem mencionar, via a sua empresa Gracie Films, as primeiras produções de cineastas como Danny De Vito, Wes Anderson e Cameron Crowe… Neste final do século XX e depois de ter conhecido seu primeiro sucesso arrasador em 1983 com Laços de Ternura, coberto de Oscars, que na França à época foi largamente incompreendido, Brooks duvidava: ele estava se recuperando do fracasso de Disposto a Tudo com Nick Nolte e uma garotinha, terceiro filme que nem mesmo chegou às salas da França e saiu direto para vídeo com o título La Petite Star (1994). Ele se preparava para um novo hit na comédia – ou, nunca se sabe, um mal-entendido – e um retorno ao sucesso dessa vez, criando com Jack Nicholson, seu ator fetiche e seu provável nêmesis, um dos personagens mais antipáticos e um dos mais memoráveis que a comédia americana já trouxe. Bastaria um crédito de abertura claro, sem rebarbas (nem música) com um cachorrinho que degringola na escuridão de uma rampa de lixo...
Inútil procurar: de 1998, Melhor é Impossível, não nos diz quase nada. Lançado na França em 18 de fevereiro (nos Estados Unidos ao fim de dezembro de 1997 como o filme de Natal que ele não é), ele poderia ser lançado amanhã, vinte anos depois, praticamente idêntico. Isso quer dizer que o quarto filme de James L. Brooks não é nem Quem Vai Ficar com Mary?, nem Três É Demais e tampouco Os Estragos de Sábado à Noite – as outras três principais comédias lançadas naquele ano. Estamos muito longe do efeito de lupa sobre o estado da comédia americana do final do século propiciado por elas, o avatar trash pós-Tashlin dos irmãos Farrelly, o autor’s touch de um Wes Anderson fresquinho (cujo primeiro filme, Pura Adrenalina, lançado dois anos antes havia sido produzido por um certo James L. Brooks), ou a cultura pop em sua paródia eurodance de Will Ferrell, o retardado imarcescível. Porque Melhor é Impossível é uma comédia romântica. E a comédia romântica é aquele gênero bizarro para o qual não há preocupação com a historicidade, a visibilidade se não a mais clássica, de atenção documental ao tempo em que se desenrola sua narrativa. É um gênero tão antissocial quanto Melvin Udall, personagem principal e retrato de um canalha, escrito sob medida para Jack Nicholson (que foi recompensado com um Oscar, assim como a sua parceira, Helen Hunt, magnífica). A comédia romântica de mãos dadas com um son of a bitch, vida de cão.
“Too much reality for a Friday night”
Este é um gênero que consequentemente deixa de lado a questão do contemporâneo e do “reflexo dos tempos”, para se inquietar exclusivamente com a existência de seus personagens, pintando retratos que são tão humanamente e precisamente desenhados quanto o valor amplificado dos arquétipos (o autor amargo e obsessivo, a mãe corajosa, o artista gay afeminado). Ele modela em cada um a força de caráter e, portanto, a força progressivamente revelada dos sentimentos, ao sabor de não importa qual situação, incluindo a mais trivial, contanto que nos ensine algo sobre eles, sua condição, sua vida, seu estado de espírito: por exemplo, a sequência que põe em dificuldades a heroína que é obrigada a cuidar do filho, que vomita em cima dela, enquanto recebe um pretendente que está pronto para pular em cima dela, com a mãe no quarto ao lado, de fones de ouvido, tentando ser discreta, porque a promiscuidade é o terreno dos apartamentos baratos quando se exerce, como Carol (Helen Hunt), o ofício de garçonete e quando se tem um filho doente. Essa capacidade de levar os personagens a expressarem com o máximo de tato possível, a cada instante, suas preocupações, razões e sentimentos, elabora-se à custa de todo contexto naturalista e de todo ponto de referência temporal preciso, pois a comédia romântica está exclusivamente interessada em fazer valer uma realidade psicológica e uma verdade humana: e desprender a força sentimental de uma narrativa para conferir a tal verdade sua paciente exatidão, esse é o único objeto de sua mise en scène. No caso, é todo o motivo de Melhor é Impossível à medida de seu inabalável e insuportável personagem principal. Consequentemente, não há nada menos datável do que uma comédia romântica, porque não há nada menos datado. Ela está interessada apenas na tarefa infinitesimal e gigantesca de filmar o nascimento do sentimento (em Melvin) – por qual esforço sobre si mesmo um tal evento é absolutamente possível, pensável –, e sua reciprocidade eventual jamais adquirida (em Carol). Um sentimento dá lugar a outro, a um novo estado, assim como a misantropia do mau-humorado cínico dá lugar ao amor por essa mulher, o único “outro” que o tolera e que ele tolera também, mas um amor que ele é incapaz de exprimir. E está tudo lá, muito rapidamente resumido nesta incapacidade por parte do Melvin de se expressar, ou sempre mal ou sempre enviesado, assim como de pensar, bloqueado como está pelas saliências atrozes, exultantes e desagradáveis que tal enfermidade provoca nele – aquela tara insensível que em Brooks é sempre o déficit da fala – e o ódio por si mesmo enterrado sob o aspecto mais confortável do bastardo perfeito. A comédia romântica é o gênero mais filosófico que se tem no cinema, estritamente atormentada por uma ou duas questões morais que ela se dedica arduamente a expor de forma não muito direta, já que isso seria trair o raciocínio e as digressões necessárias, mas da mais justa possível. No filme, são Helen Hunt e Greg Kinnear que estão incumbidos do papel dessa justeza, por meio de seus olhares aterrorizados a Nicholson, espelhando a deformidade de sua alma. Como ele também é inteligente, ele acaba percebendo – como isso (uma bela mulher, um vizinho sensível ou um cachorrinho) o olha. É como se todo o talento de uma comédia romântica estivesse em se dedicar a uma reflexão conduzida de acordo com o ritmo exato dos personagens, à formulação de uma idéia, no encadeamento de situações lógicas e de etapas psicológicas, no pormenor, idéia que nos deixa como únicos juízes e fiadores da sua coerência e da sua validade. Na verdade, uma comédia romântica sempre nos pede para sermos inteligentes e o fato dela conseguir isso é sinal suficiente de seu sucesso.
“Con… science? How do you spell ‘conscience’?”
Seria uma pergunta feita no início, para a qual é necessária a duração, ou quase, de todo o filme, para ter uma resposta em eco tardio. Um debate interno, mas filmado a partir do exterior, com a necessária distância e recuo – fiel às anfractuosidades do espírito que se interroga, e logo se descobre, um pouco atônito, uma consciência. Cada cena, cada personagem e sua interação relançam concretamente e abstratamente a narrativa e seu tema, cada filme de James L. Brooks trata do combate de um ser com essa pergunta inesperada, essa espécie de desvio (de si mesmo) que se impõe a ele. Aqui, essa frase suspensa que Melvin, o autor misógino de literatura feminina, não é capaz de terminar de escrever por causa do maldito cachorrinho que entrou em sua casa: “Love is... Love is... Love is...”. Deixá-lo entrar em sua casa era deixá-lo entrar em sua vida, mas também em sua cabeça, nesse mundo milimétrico e limitado a ele mesmo, aos seus tiques e às suas manias. Além dele: o pânico. Melvin é o típico reacionário; ele só consegue existir em reação. O outro o horroriza, mas – ou porque – ele só existe através dele, em oposição a ele, fora disso ele não é nada além de uma acumulação de neuroses e de fobias. Incapaz da menor iniciativa, de dar um passo pra trás ou “pra fora”, rocha de ódio zombeteira que grita insanidades e não suporta sequer que lhe toquem. O filme utiliza genialmente a mola cômica (e depois romântica) de que justamente Melvin não encoleriza-se por ter de habitar um mundo fofo, meloso e levinho, de comédia romântica. Ter de coexistir com um maldito chick flick. Esse mundo que ele faz, contudo, existir nos livros dos quais todos os seus leitores, e leitoras, são fãs. Mundo que o sitia (de emoções indesejadas) e que ele quer a todo custo deixar de fora. Expulse o natural pela rampa de lixo e ele vai voltar pela escada, ou trotando como Verdell, o griffon de bruxelas. Mas para resolver a famosa questão sobre o que é o amor, ele vai ter, ainda assim, que entregar-se ao cachorrinho, o único ponto de vista do filme em contracampo neutro com Melvin, sua presença ridiculamente fofinha com seu olhar desprovido de julgamento moral. E o que faz com que Verdell se apegue ao homem que foi seu carrasco, apesar de tudo? Contrariamente ao que Melvin, em um acesso de empatia embaraçosa, queria demonstrar a Simon (Greg Kinnear), não são os pedaços de bacon que ele guarda no bolso – pois o experimento fracassa. Tem outra coisa, que Melvin prefere evidentemente evitar confrontar: é que Verdell se apega a quem se apega a ele e basta, é aquela besteira desarmante dos animais que só esperam ser amados para amar de volta. Melvin acabou, a despeito de si mesmo, encontrando seu mestre.
“Pay me a compliment, Melvin!”
Esperando o amor como em todos filmes de Brooks, Melhor é Impossível é um filme sobre o infortúnio e a tristeza diferentemente declinados pelos três belos personagens a bordo. O que há de mais precioso nesse cinema está no fato de que uma pessoa surpreendida pelo instante flutuante em que se põe a pensar é, em última instância, sempre alguém que volta a repensar. A mise en scène lhes dá tempo à reflexão e ao espectador tempo para seguir seu raciocínio. Isso é o que a língua inglesa nomeia como "second thought" – esse "segundo pensamento", difícil de traduzir em francês (senão por "à la réflexion") para descrever o movimento que faz um personagem mudar de ideia, reconsiderar-se: doze anos depois, esse seria o tema manifesto de Brooks em Como Você Sabe.
Melvin repensa – o que ele faz, o que ele diz. O que ele é. Tudo vem da frase imunda largada a Carol sobre o filho dela, cuja saúde ele sabe que está debilitada: e é esse plano que aguardava Brooks, o olhar de surpresa ferido de Helen Hunt face à face, Nicholson ocupado com a disposição simétrica de seus talheres de plástico, que levanta finalmente o olhar. Ele vê ela o olhando. Seu olhar. O plano em sua duração mostra com isso como ele repensa e como pela primeira vez ele acede a um clarão de consciência. Esse foi o início de uma longa convalescença, ao final da qual, à força de caretas e de esforços frustrados, Melvin recompensará o que ele havia lamentavelmente estragado, perdido e arrotado: desajeitadamente e pausadamente, não há outra maneira e ele não a cortaria, Melvin passará pelo ridículo, pelo enternecimento e pelo sentimentalismo – como todo mundo. Ele retornará na hora de comprar paletó e gravata em um longo desvio do restaurante, cena que é ainda mais magnífica por ser dispensável (dramaticamente, e essencial ao tempo de consciência impresso pelo filme), para conseguir finalmente fazer um elogio àquela que, no seu lindo vestido vermelho, espera. Para os sons of a bitch também existe uma saída, sim, uma recuperação possível, amorosa ou artística – o que em uma comédia romântica representa aproximadamente o mesmo. Essa é uma das melhores razões para rever em 2018 esse filme divertido e doloroso, esse belo filme vinte anos depois e idêntico. To be a better man.
Pour le pire et pour le meilleur foi publicado na revista Carbone em setembro de 2018. Tradução: Ezequiel Antônio da Silva Stroisch.
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