O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

36 fillette, de Catherine Breillat


Por Camille Nevers


Le réel est sans repos
Dessine-moi des mots

(Buzy, “Morceaux de nuit”)

Boulevard de Clichy no lado de Pigalle, no vazio dos néons que anunciam a cor, caímos exatamente sobre: o Sexodrome. Ao que parece, um local onde o cliente experimenta os filmes em cabines. Por pouco que aí penetramos, na fileira de prateleiras de vídeo há uma delas dedicada às garotinhas, destinada aos amadores. É lá, e não em outro lugar, que encontramos 36 fillette.

Francamente, eu ainda não tive tempo para ir ver. Mas deve ser certamente verdade, é bom demais para não o ser. Imaginar um cara sozinho frente ao filme de Breillat, a mão na braguilha esperando que aquilo aconteça, imaginar a sua reação na falta de outra coisa, e se dizer que depois de tudo, nós podemos sempre sonhar, que ele não tenha pedido para ser reembolsado. Apenas uma fantasia...

É a história de Lili, uma verdadeira jovem de quatorze anos, bem em carne e osso, não tão à vontade na sua própria pele, que gostaria muito que nós a amássemos. Em suma, uma boa garota. Ela decidiu nesse verão brincar com fogo, ela acende os garotos que passam. Feito isso, ela continua seu caminho: Lili é virgem. Surge Maurice, playboy de regresso, quarentão convencido no seu conversível. Então começa a partida, jogo de dobro ou nada, aquele que se deixar enganar primeiro tomará para si a responsabilidade do crime. Mas nenhum dos dois ousa declará-lo de verdade. Ninguém quer ser culpado.



Esses dois são impossíveis, pois o que os atrai um em direção ao outro é também o que os faz recuar. Há alguma coisa entre eles. Desejar colocar, e recolocar indefinidamente. Ela quer fazer durar o prazer, ele acaba por se deixar intimidar, até desistir. Não saberemos nunca se “depois” isso poderia ter dado certo, provavelmente não, ou não por muito tempo, nada de hímen sem hímen entre eles, vai entender, eu acredito sobretudo que eles não teriam mais nada a se dizer. O que no fundo dá na mesma.

Em Catherine Breillat, há: o ato físico e o ato da palavra. Duas passagens ao ato que não são evidentes. Duas maneiras de passar às confissões. Em todo caso, dois momentos de verdade, mesmo se o que é dito ou visto na imagem possa mentir, porque é aí que acontece a verdadeira confrontação, entre o instante em que os personagens deixam de se falar e aquele em que eles começam a se acariciar. É essa oscilação indecisa que espreita Breillat, durante toda a cena do hotel de 36 fillette, com suas longas praias de silêncio suspensas sobre as palavras. A palavra de Lili, é o seu ato de resistência ao real, sua última muralha de menina contra o sitiante. No fundo não é tanto o homem e o seu desejo que ela teme, visto que com esses ela sabe jogar como uma criança, é o seu próprio desejo que lhe é insuportável, ela ainda não quer admiti-lo, ela não admite a sua realidade: se resolver seria resolver se abandonar, se deixar ir, se deixar morrer.

A palavra acede à ficção, nós nos contamos – histórias. A cena com Golovine, um homem célebre com quem conversar, se confidenciar, com quem existir, ser alguém. Ser este que escreve bonitas palavras de amor: Segunda. Terça. Quarta. Quinta. Sexta. Sábado. Domingo. Eu te amei a curto prazo.

Mas fazer amor, não mais dizê-lo, e a ficção implode sob a pressão do real (Sale comme un ange expulsava violentamente a ficção policial logo depois da cena do sofá). Nada mais existe que o presente absoluto da cena. Nós prendemos a respiração. Lili não aceita se ver assim desaparecer, ela esconde os olhos. Depois ela se recompõe. Ela fala para não perder a moral.

E o que os aproximava, finalmente os separa. O amor não tem nenhuma palavra.



Catherine Breillat diz que 36 fillette é o seu remake de Baby doll. É sobretudo em Lolita de Nabokov que o filme me faz pensar, não palavra por palavra, claro, mas como uma variação livre que teria escolhido, dessa vez, situar o caráter feminino no primeiro plano e considerar a história a partir do seu ponto de vista.

O Sexodrome fez bem em tê-lo classificado na prateleira de “garotinhas” – ainda que, de fato, a cineasta conheça muito bem essa seção -, 36 fillette não é um filme pornô, é um filme de amor muito físico, tudo nos é mostrado sem nunca vermos nada, Breillat não sugere, ela enquadra, então também não se trata de erotismo, então digamos, na falta de algo melhor: um filme sensual.

O texto 36 fillette foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma Hors-Série n° 17, em dezembro de 1993. Tradução: Leticia Weber Jarek.

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