O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Casamento experimental






Sobre As good as it gets de James L. Brooks

Por Axelle Ropert

No cartaz, Jack Nicholson se enternece por um terrível cachorrinho. No trailer, um velho misantropo retorna, graças à descoberta do amor, ao seio de seus semelhantes. Raramente se viu uma promoção tão “distante da realidade”, chegando a traduzir o agridoce As good as it gets pelo otimista Para o bem ou para o mal[1].

Como conseguir jantar com uma mulher quando só se suporta talheres de plástico? Como conseguir jantar com um homem quando só se tem uma preocupação na cabeça, a asma de um garotinho? Através dessas situações de impedimento, James L. Brooks explora, sob todas as suas facetas, um mecanismo que não para de relaxar e de se contrair: a forçação. O voluntarismo é, assim, essa decisão engraçada, complicada e tão pouco exemplar quanto possível de não mais se deixar levar e de se controlar, em resposta (e aí se encontra a lei do encorajamento mútuo) ao abandono simétrico do seu parceiro. Lutar contra suas obsessões (comer com verdadeiros talheres), se obrigar a se examinar meticulosamente (compreender que um garotinho não pede para ser o centro de uma vida), mas também brutalizar os outros (humor misantrópico à vontade) poderia ser o programa dessa mecânica íntima, um programa perfurado pelas “pequenas ausências”... Aos momentos em que se enredam brutalmente o desejo de contornar e o medo do que pode vir em seguida se sucedem, na verdade, pausas surpreendentes de repouso (uma mulher medita num bonde, uma paisagem desfila no campo). Uma inspiração, e a confrontação se prepara, uma expiração, e o conflito desaparece.

Todos temiam Jack Nicholson. James L. Brooks compreendeu que era preciso utilizar um histriônico como um disco arranhado: seja lhe fazendo interpretar indefinidamente o mesmo refrão, seja lhe interrompendo. Graças a uma Helen Hunt que opõe às caretas de seu parceiro seu cansaço de mulher inquieta, Jack Nicholson só pode representar no vácuo – obrigado a manter a compostura, ou ser censurado –, desarmado por essa valentia feminina. Jack Nicholson não suporta ninguém exceto Helen Hunt, Helen Hunt suporta todo mundo exceto Jack Nicholson: a exasperação é, assim, essa curiosa relação humana que obriga a sair dos seus (maus) hábitos para se encontrar em território verdadeiramente estrangeiro – esse é o charme incomparável de As good as it gets, de dar constantemente a impressão de uma terra incognita por onde avança o casal.

Não se pode aprender a amar um cachorrinho, um negro musculoso, um vizinho homossexual ou uma terna jovem mulher (sic). Esta é a bizarra convicção anti-humanista do filme, não sem lembrar a já célebre sentença mccareyana: “Eu amo o meu filho como se ele fosse humano”. A grande reconciliação humana não existe, e o misantropo permanecerá misantropo, apesar de tudo. Mas ele terá aprendido à reconsiderar esse vizinho homossexual, esse cachorrinho, esse negro musculoso, essa terna jovem mulher, quer dizer à lhes reservar, literalmente, um lugar na sua vida. Não se sabe se Jack Nicholson um dia saberá abraçar corretamente (e duvidamos disso!), mas, guiados pela prudência daqueles que perderam muito e tem tudo a ganhar, esse homem e essa mulher se experimentarão no amor. As good as it gets...

[1] No Brasil, o filme ganhou o titulo de Melhor é Impossível. (NdT)

Mariage à l'essai foi originalmente publicado na revista La Lettre du Cinéma n°6, verão de 1998, p. 42. Tradução: Miguel Haoni.

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