O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Que pé!





Sobre As good as it gets de James L. Brooks

Por Hélène Frappat

A arte da comédia americana se destaca na estilização dos personagens e nos contracampos com os cachorros. Uma lembrança entre outras: Meia-noite de Mitchell Leisen. Na hora do café da manhã, a discórdia reina entre Don Ameche e Claudette Colbert. As réplicas jorram, o pânico atinge o ápice... até que um close de um cachorro bastante afável, pacificamente sentado com seus donos, põe fim – provisoriamente – ao seu pugilismo fantasioso. Chantal Akerman não se enganou quando, em Um divã em Nova York, fez de um cachorro o desafio de uma love story, logo de uma cura.

O personagem de comédia é geralmente um agitado que não sabe o que fazer; a estilização, maneira sempre elegante de estar adiantado sobre a psicologia, se apodera de sua agitação para a pôr em cena. Então, duas soluções (pelo menos): ou o cineasta traduz a agitação em rapidez, e se interessa pela aceleração dos corpos, toda trajetória e toda direção postas de lado – objetivo: saltar o mais rápido possível, mesmo contra uma parede, a maluquice sendo um excelente acelerador da velocidade –, ou ele é atento à direção, isto é, ao trajeto da agilidade. De um lado o Hawks de Bringing Up Baby (onde um leopardo amante de música desempenha as funções de cachorro), do outro As good as it gets de James L. Brooks.

As good as it gets dá uma forma burlesca aos transtornos psíquicos de seu herói de comédia (Jack Nicholson), lhe inventando um andar: saberemos que ele é tantã (TOC = transtorno obsessivo compulsivo) quando descobrirmos a maneira pela qual, literalmente, ele coloca um pé na frente do outro. Dois pés que ziguezagueiam, se contorcem e avançam em esquadro, história de respeitar uma misteriosa lógica, da qual só importam os efeitos. Dois pés filmados de perto e acompanhados, em breve, pelas patas de um cachorro mimético (amante de música ainda por cima).

Não haverá redenção, mas, mais modestamente, uma ligeira torção no andar do personagem: não há cura para a maldade, mas, da mesma maneira que se pode acreditar que uma troca econômica se torna uma relação amorosa, nós poderemos observar como a luta feroz do pé esquerdo de Jack Nicholson contra o seu pé direito cede o lugar, no fim das contas, para um andar “em conjunto”, que lhe autoriza mesmo o passeio a dois! Desenlace invertido do El de Buñuel, no qual o balé errático dos pés do personagem desmentiam ironicamente seu discurso de cura.

Quel pied ! foi originalmente publicado na revista La Lettre du Cinéma n°5, verão de 1998, p. 43. Tradução: Miguel Haoni.

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