O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Sinceridade no artifício



Noites Brancas (Luchino Visconti, 1957)

Por Éric Rohmer

Luchino Visconti é um homem de teatro. Um daqueles que mais brilhantemente colaborou na regulação - definitiva ou momentânea - da famosa querela de nossa idade escolar entre a arte do palco e a da tela. Pensar em termos de teatro, antes de registrá-la com a câmera, a obra do mais puro de todos os romancistas, não somente não deve causar verdadeiro espanto, mas pareceu, neste caso, a única solução possível. Convinha prevenir-se ao mesmo tempo da armadilha da reconstituição histórica ou geográfica e a do realismo. Logo, Visconti se mostrou fiel como nunca a Dostoiévski reduzindo à escala dos estreitos canais de Livorno as vastas perspectivas do Neva, substituindo as noites brancas do verão russo pelas noites betuminosas do inverno italiano, encerrando a narração do romancista no prisma rigoroso da deformação cênica. Notemos que nisso ele não faz mais que seguir o exemplo de um outro russo, Constantin Stanislavski, um dos grandes nomes do teatro moderno e cujas adaptações de Dostoiévski um dia foram o auge do Teatro de Arte de Moscou.

Logo, a partir do momento em que era preciso deixar o literal em favor de um sistema de equivalências - é de propósito que emprego este termo stanislavskiano - não podemos imaginar tradução mais feliz, mais rica em achados de toda espécie. Em meu balanço de Veneza, no setembro passado, tinha comparado o filme a uma série de variações sobre um tema dado. Uma segunda visão - desta vez em versão francesa - continua a me sugerir a mesma imagem, se bem que não deixo de ficar um pouquinho mais sensível, hoje, à gratuidade de todas essas ideias. E, contudo, um empreendimento como o de Visconti não pode se justificar senão pela qualidade, e mesmo pela quantidade de ideias que contém.

O filme me seduz e me irrita - é totalmente impossível falar disso objetivamente -, por uma razão que, creio, é a seguinte: assim como Gautier acreditava na arte pela arte, Visconti acredita na mise en scène pela mise en scène; porém tal crença implica uma certa crença no homem, num homem "de mise en scène", um pouco como a técnica, cara aos romancistas americanos, do "comportamento" postula a existência de um homem do comportamento. É isto que faz a força e a fraqueza de nosso cineasta. Em seu mundo amoral e rigoroso são privilegiadas as ações que se prestam melhor a uma mise en scène e - podemos acrescentar - na medida mesmo em que se prestam a ela. Os sinais exteriores da emoção serão assim colocados sistematicamente em evidência, a tal ponto que as personagens não terão preocupação mais clara que a de entregar-se a ela com o máximo de impudor. É verdade que Visconti demonstra uma predileção, aqui como em Senso, pelos seres frouxos, sensíveis às influências exteriores, cuja paixão toma a forma de uma tração incontrolável. Ao mesmo tempo, porém, acontece que heróis mais donos de seus nervos ou, se quisermos, mais livres, não saberiam fornecer fermentos tão ricos à sua inspiração.



Resumindo, se a dupla espessura dos seres dostoievskianos toma aqui mais frequentemente a forma da pura e simples duplicidade, se a comédia que se encena aqui está longe de se colocar no mesmo nível - digamos metafísico - daquela que interessa ao romancista, não é exatamente que Visconti seja incapaz de nos fazer remontar das aparências à alma, mas que, por sua vez, na alma ele crê muito pouco.

Logo, é preciso aceitar ou recusar Visconti, sua arte e seu universo; adivinha-se que aceito-o somente pela metade. Mas minha crítica só pode funcionar segundo o postulado de base, resultando o resto com uma lógica implacável. Por exemplo, a escolha de Maria Schell, canastrona até não poder mais, é uma escolha feliz ou não? Tal escolha, que poderá injuriar muitos espectadores, os levará no entanto muito longe, a terras amargas de certa misoginia, essa tão cara ao metteur en scène de Bellissima quanto o gosto pela mulher-criança foi natural ao autor dos Karamazov. Tal é o viés pelo qual, neste filme recheado de artifícios, irrompe a sinceridade.

Agora, se preferirem que outros corações lhes sejam abertos - assim revelada uma outra forma de cinema - há somente o embaraço da escolha. Vão, por exemplo, rever Bonjour Tristesse.

Sincerité dans l’artifice foi publicado originalmente na revista Arts nº 670 em 4 de maio de 1958 e republicado na coletânea Le sel du présent, organizada por Noël Herpe. Tradução: Eduardo Savella.

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