Por Jean Douchet
Tornou-se realmente conveniente declarar, à propósito de Griffith, que ele é o inventor do cinema como arte específica, que esquecemos de tal maneira que ele é e continua a ser um dos maiores cineastas de todos os tempos. Temos o hábito, efetivamente, de considerar a obra deste realizador somente pelo ângulo de sua contribuição histórica. E com justiça. Não há um cineasta clássico – Stroheim, Ford, Chaplin, Keaton, Walsh, Renoir, Lang, Eisenstein, etc -, que ela não influenciou. Nenhuma forma de expressão cinematográfica que ela não decifrou. Nenhum método técnico que ela não experimentou. Isso pertence, talvez, a um fenômeno de ordem geral: o primeiro grande artista a distinguir-se em uma arte pressente imediatamente a sua natureza assim como todas as suas possibilidades. Aos artistas que lhe sucedem resta somente explorarem suas intuições.
Pai do cinema, Griffith é, necessariamente, do cinema americano. Ele explorou todos os gêneros que fizeram a fortuna de Hollywood. Melhor, revoltando-se contra os trustes que sufocavam o cinema de seu país e fundando, com Chaplin e Mary Pickford, a célebre United Artists, ele concebeu os métodos de trabalho e de organização econômica.
Mais profundamente ainda, Griffith continua o cineasta americano por excelência. Sua obra não poderia, de fato, almejar esta sorte de universalidade que a caracteriza, se ela não tivesse sido enraizada na mesma terra de seu país. É porque ela se coloca constantemente sob o signo da história, da tradição, da ideologia e do sentimentalismo dos Estados Unidos que esta obra ocupa um lugar tão preponderante dentro da arte cinematográfica.
É porque Griffith encontrava-se de frente à extensão da arte virgem que era o cinema na sua época, na mesma situação dos pioneiros audaciosos que o haviam precedido em algumas décadas sobre o solo americano e haviam fundado esta grande nação. Da mesma maneira que eles, angustiados diante da imensidão do espaço a ser conquistado e da tarefa a concretizar, buscando fechar-se em si mesmos, refugiar-se dentro do quadro estreito mas conhecido e portanto tranquilizador dos costumes e tradições sociais, religiosas e culturais que eles tinham, ou herdadas da Velha Europa ou forjadas no barro das suas aventuras exaltantes nesse novo país, da mesma forma a liberdade intoxicante porém aterradora que implica a descoberta de uma arte nova forçava Griffith a se entrincheirar em quadros preexistentes – ao mesmo tempo aqueles da história e aqueles dos gêneros -, no interior dos quais o espírito e a imaginação podem trabalhar à vontade de tão pouco que eles deixam se fechar nesses quadros.
Essas atitudes, as dos pioneiros como as do artista inovador, engendram necessariamente um conflito entre o espírito de aventura e o respeito pelas tradições. Não é possível portanto surpreender-se em ver aí o conflito fundamental que está na própria base da obra de Griffith. Tomamos como exemplo O Nascimento de uma Nação. Uma família do Sul passa suas férias com uma família do Norte. Uma atmosfera quieta e quente de tradição familiar. Mas o pai da família do Norte é animado por uma ideia certamente generosa porém aventurosa: o fim da escravidão. Ele inflama o Norte para impor a conquista dessa ideia ao Sul. Este último, ameaçado em suas tradições ancestrais, resiste. O conflito estoura. O Sul destruído vê todas as suas tradições desrespeitadas, sua forma de vida totalmente deturpada (os Negros governam e tiranizam os Brancos). Para restaurar a sua tradição, os sulistas são animados por um novo espírito de aventura. Eles fundam a Ku Klux Klan, criando assim uma nova tradição.
Construído sobre o mesmo esquema, America será portanto o inverso de O Nascimento de uma Nação. A Inglaterra e seu rei Georges III não aceitam levar em consideração o novo modo de vida e de pensar que instaurou-se nas suas colônias americanas. O conflito é inevitável. A vitória pertence necessariamente aos Americanos, já que o espírito que anima a sua luta é a expressão de seu desejo de dispor, como bem entender, do seu modo de vida.
O que condena incansavelmente Griffith, em toda sua obra, é a intolerância. Ela tem duas fontes, situadas nos dois polos desse conflito que ele tratará de filme a filme. Ou ela é fruto de um espírito fanático que quer impor uma ideia geral sem levar em conta o modo de vida dos homens; ou ela é o produto de uma ligação igualmente cega à tradições antiquadas. A inteligência sectária como a paixão cega são as duas causas das catástrofes e do mal que se abatem sobre a humanidade. Somente o coração, pelo amor que é respeito e compreensão dos outros, pode resolver esse conflito e reestabelecer a harmonia universal.
Mas esse tema geral e naïf, típico do sentimentalismo e do otimismo americano da época, teria apenas um interesse fortemente limitado se ele não estivesse em concordância com um conflito mais fundamental, puramente estético, que existe no cinema desde que ele deixou de ser um simples modo de reprodução para se tornar um meio de expressão: aquele que se estabelece entre o espaço e o quadro.
Basta lembrar o que era a sétima arte antes da revolução estética alcançada por Griffith. Assim que Lumière coloca sua câmera na plataforma da estação La Ciotat, seu aparelho não se mexe mais. O espaço é definitivamente circunscrito por um quadro fixo. Exatamente como no teatro, onde o quadro da cena não muda nunca. É portanto uma visão teatral que utilizarão os sucessores de Lumière, de Méliès até Feuillade: em Méliès o cenário é onde os personagens aparecem ou desaparecem no interior do mesmo quadro, como deve ser no teatro de um ilusionista; em Feuillade, progressão pelo caminho da decupagem: a câmera muda de lugar à procura do cenário, mas, uma vez encontrado, continua fixa. Existe nesses primitivos uma união perfeita entre espaço e quadro.
É essa unidade que Griffith vai mudar transformando-a em uma dualidade. Conhecemos a lenda: em um plano geral, Griffith emocionou-se pela expressão dolorosa de uma de suas atrizes; ele avançou a câmera e fez um close dela. Assim teria nascido a primeira utilização do close para fins de expressão dramática. Descoberta que revolucionaria toda a linguagem cinematográfica. Pois, a partir do momento em que autorizam a intervenção da câmera no espetáculo, o dogma da sua fixidez é abolido. É a porta aberta a todas as possibilidades: travelling, panorâmica, mudança de ângulos, etc. Mas é também a intrusão de uma nova dualidade, que ainda continua atual, entre cinema-decupagem e cinema-montagem. Griffith devia explorar simultaneamente esses dois caminhos. E sabemos a influência considerável que tiveram sobre o cinema seus ensaios de montagem paralela em Intolerância.
Tudo acontece em Griffith como se a pressão de quebrar, para as necessidades da expressão cinematográfica, a harmonia entre o espaço e o quadro suscitaram nele a nostalgia da unidade perdida; como se cada um de seus filmes fosse uma procura apaixonada da harmonia visual que ele precisou romper.
É suficiente observar a construção visual de um dos seus filmes. Ele começa sempre por uma visão paradisíaca, sucessão de planos gerais, de momentos felizes, em que se estabelece um acordo perfeito entre o quadro e seu espaço. A felicidade, a paz reina. Mas no interior desse mundo plano a ameaça da dramatização, de um conflito introduzido por um homem que quer substituir uma outra visão edênica àquela existente (como o pai nortista e fanático de O Nascimento de uma Nação, ou o Chinês de Lírio Partido), ou ao contrário impor aquela a qual ele está ligado (America).
Por consequência, a luta entre o espaço e o quadro se instaura. Liberado de qualquer entrave, restituído à sua natureza íntima, o espaço volta a ser fundamentalmente hostil. De pacífico ele se torna um importante lugar de guerra, de violência e de morte. Mais vasto ele é na tela, mais ele esconde perigos: basta lembrarmos, em O Nascimento de uma Nação, desses imensos planos gerais que descobrem as batalhas, ou daquela cena da jovem sulista perseguida pelo negro.
É suficiente observar a construção visual de um dos seus filmes. Ele começa sempre por uma visão paradisíaca, sucessão de planos gerais, de momentos felizes, em que se estabelece um acordo perfeito entre o quadro e seu espaço. A felicidade, a paz reina. Mas no interior desse mundo plano a ameaça da dramatização, de um conflito introduzido por um homem que quer substituir uma outra visão edênica àquela existente (como o pai nortista e fanático de O Nascimento de uma Nação, ou o Chinês de Lírio Partido), ou ao contrário impor aquela a qual ele está ligado (America).
Por consequência, a luta entre o espaço e o quadro se instaura. Liberado de qualquer entrave, restituído à sua natureza íntima, o espaço volta a ser fundamentalmente hostil. De pacífico ele se torna um importante lugar de guerra, de violência e de morte. Mais vasto ele é na tela, mais ele esconde perigos: basta lembrarmos, em O Nascimento de uma Nação, desses imensos planos gerais que descobrem as batalhas, ou daquela cena da jovem sulista perseguida pelo negro.
Como que para fugir do perigo que representa agora esse espaço, a câmera o corta. Os personagens buscam se refugiar em um quadro cada vez mais estreito. Mas em vão. Esses pedaços fragmentados, decupados no espaço, são da mesma natureza que ele. Eles aprisionam, cercam, torturam aqueles que eles prendem. O quadro por sua vez persegue os inocentes, participa do massacre deles ao mesmo tempo em que nos livra de suas dores e do seu apelo patético. No fim do filme, no ápice do conflito, as vítimas se encontram asfixiadas em lugares fechados e apertados (a cabana de O Nascimento de uma Nação, a despensa de Lírio Partido, o fortim de America, etc.), ameaçados por toda parte pelo assalto de foças externas. É preciso então que, respondendo aos seus socorros e ao apelo de nossa emoção, as forças amigas atravessem o espaço – pelo puro movimento lírico que são esses cavaleiros filmados em um travelling para trás – e libertem os desafortunados de um destino atroz. Graças à comunicação de almas e corações, quadro e espaço reconciliam-se.
Griffith parece ter visualizado essa abordagem estética na célebre cena que termina Horizonte Sombrio. A heroína, grávida por culpa de um sedutor rico, entra em choque com o quadro rígido da família puritana que a recebeu como empregada. Caçada, ela foge, à noite, em pleno inverno, através das planícies cobertas de neve. Ela desaparece, exausta, sobre um rio gelado. Com o amanhecer, esse imenso espaço de gelo se quebra. O iceberg sobre o qual ela se refugiou racha cada vez mais até se tornar uma minúscula prisão flutuante que dirige-se até as quedas mortais do rio. O jovem rapaz da família, apaixonado pela heroína, parte a sua procura e a vê na borda do precipício. Ele corre de pedaço de gelo a pedaço gelo – de plano a plano – e salva in extremis sua amada, agora adotada pela família.
Mas é talvez em Abraham Lincoln, um dos raros filmes falados de Griffith e um de seus últimos, que está melhor resumido o pensamento estético de nosso autor. Realizado quase inteiramente em longos planos gerais e fixos, o filme parece ser um retorno à técnica dos primitivos, a esta unidade do espaço e do quadro em cujo interior se passa a cena. É que aqui é a própria unidade do espaço, este imenso espaço que são os Estados Unidos, que está ameaçada. De onde vem esta forma de extremo rigor dos quadros, última tentativa de impedir esta ruptura fatal. De onde vem ainda, a vontade selvagem do próprio Lincoln de se fechar em um modo de vida cada vez mais austero, sacrificando tudo aquilo que poderia ter sido felicidade pessoal no altar da pátria, é o que explica porque o filme foi feito em função da célebre estátua do Capitólio, o filme termina quando a vemos, ele nos conta a história de um homem que aceitou tornar-se estátua enquanto vivo. De onde vem, enfim, a vontade de Griffith de colocar sua mise-en-scène sob o signo da imagerie d’Épinal, quadro por excelência da tradição histórica e da convenção estética, que melhor responde aos dados afetivos imediatos da sua audiência.
Assim a motivação emocional que empurrou Griffith a capturar através de um close a face patética de uma das suas atrizes e o forçou a inventar o discurso dramático no cinema, tornou-se o motor do seu pensamento. Ele só pode atingir a felicidade e a paz em um quadro que circunscreve e ordena um espaço imenso. Mas todo quadro imposto à força cria uma cisão e resulta em desgraça. O quadro, para obedecer a sua missão, não pode, nem deve, obedecer a qualquer outra razão que não seja a do coração.
Texto retirado do livro L'Art d'Aimer, pp 51-58, publicado originalmente em Dictionnaire du cinéma, Éditions Universitaires, 24 de outubro de 1966. Tradução: Cauby Monteiro.
Texto retirado do livro L'Art d'Aimer, pp 51-58, publicado originalmente em Dictionnaire du cinéma, Éditions Universitaires, 24 de outubro de 1966. Tradução: Cauby Monteiro.