Por Michel Mourlet
Não podemos agrupar sob o mesmo vocábulo de "cinema" a cognição do mundo pela câmera e as experiências de trucagem, desenhos animados, marionetes, gravura sobre película, o único denominador comum sendo a projeção sobre uma tela. O que constitui a originalidade e a vocação própria do cinema, é de emprestar a superfície das coisas para ir ao seu coração, não de acrescentar um capítulo à história das deformações picturais. O cinema não é nem uma escritura nem uma partitura, a câmera não é nem uma caneta nem um pincel, é um olhar que seleciona. É também por isso que é inútil compará-lo à poesia. A poesia é uma invasão da linguagem pelo ser, exprimindo por misturas, contatos, alquimia, as relações sutis, secretas, tênues, ou ao contrário profundas, elementares entre as coisas, entre o homem e as coisas. A linguagem então não designa mais, ou designa menos, ela se aproxima do ser. A significação das palavras prolifera, invade o signo, opacifica sua transparência, solidifica sua fluidez: a poesia cria sua matéria. Por outro lado, visto que a matéria é dada ao cinema, a beleza não será reconstruída pelo cineasta, mas discernida, cercada pela objetiva: contrariamente ao poeta, ao pintor, ao escultor, o cineasta não modifica, não transfigura, não "exprime", ele seleciona. À verdade interna que nós exigimos de toda forma de arte, ele adiciona a verdade objetiva. O poeta é o poeta da linguagem, mas o cineasta é o poeta do real.
Cinéma, poésie et autres foi publicado em Sur un art ignoré - La mise en scène comme langage, Henri Veyrier, 1987. Tradução: Miguel Haoni.