Por Cyrille Pernet
Nós sempre caímos no meio de uma caixa de bugigangas sem valor. É preciso pechinchar. Dez por quinze euros. Às vezes, pode-se descer até sete, oito euros a dezena. Isso é o máximo, e além disso os revendedores de segunda mão não são idiotas: eles sabem farejar o bom cliente. Quando voltamos para casa, sentimos vergonha por ter gastado nosso dinheiro de uma maneira tão absurda. Pensamos que ninguém nos compreenderá. E esperamos que as fitas estejam em bom estado.
Em 16 de fevereiro de 1983, se procuramos os dados precisos no La Saison Cinématographique, saiu Sexta-feira 13 - Parte III. O terceiro filme de uma série que contou com oito, nove ou doze, depois de um tempo essa questão perde seu sentido. O primeiro episódio lançou um gênero, uma moda de cinema: um bando de amigos saía de férias numa casa isolada, um maníaco os assassinava, um depois do outro. A última sobrevivente, sempre uma bela garota um pouco desnudada, conseguia prender o assassino no seu próprio jogo, apunhalá-lo ou nocauteá-lo, gritando de alívio. Na verdade, ele não estava verdadeiramente morto, e ele volta no próximo episódio. Quando eu coloquei essa fita no meu videocassete, eu me dei conta que as imagens do filme, ao envelhecer, tinham perdido suas cores e seus contornos. Que barras brancas estriavam a tela, enquanto um barulho de respiração me forçava a recuar para melhor ouvir os diálogos. E finalmente, que essa decomposição da imagem e do som funcionava inteiramente como um elemento narrativo, do mesmo jeito que tal ou tal reviravolta da história. Pois os personagem que se debatiam diante do assassino iriam morrer, eles também. E da mesma maneira, eles iriam apodrecer, se tornar esqueletos. O filme não tinha, na origem, sido concebido para essa tiragem em VHS. Contudo, ele se realizava, encontrava seu sentido, sua concretização, através de um elemento exterior, essa versão degradada dele mesmo.
No verso da caixa, uma ficha técnica enumerava uma lista de nomes sem significado. O realizador, Joseph Zito, o roteirista, Barney Cohen, o produtor, o compositor (personagem importante: nesse gênero de filmes, o efeito de medo se resume, na metade das vezes, a um lento travelling acompanhado de violinos e sintetizadores), etc. Um sentimento de melancolia nascia dessa leitura. O tempo tinha passado, essas pessoas tinham envelhecido, alguns estavam talvez doentes, mortos... Evidentemente, isso é igual para todos os filmes. Há sempre uma equipe técnica, uma equipe artística. Mas os filmes de horror são aqueles que melhor se prestam a esse trabalho mental. Vemos ali rapazes e moças que morrem uns depois dos outros. Não são grandes atores. Não nos lembramos mais deles depois que eles terminaram de dar seus textos. Quando eles retornam na tela, nos perguntamos: "Quem é esse ai já?" Mas talvez eles sejam mal-dirigidos. E depois, esse não é o gênero de papel que permite mostrar a extensão do seu talento. O mais triste é que esses atores tenham sido suficientemente burros, descuidados ou mal-aconselhados para se comprometerem com filmes tão estúpidos. Eles se chamam Dana Kimmel, Richard Brooker, Rachel Howard, Larry Zerner, Tracie Savage, David Katins, Catherine Parks, Paul Kratka, Jeffrey Rogers... Quando o assassino de Sexta-feira 13 - Parte III comete um assassinato, ele mata assim realmente alguém, alguma coisa. Uma carreira, uma esperança de sucesso. Catherine Parks não fez carreira. Paul Kratka muito menos. Nem os outros. Degolando-os, o assassino os privou de tudo. Eles sentiram a força escapar, a energia que eles pensavam em usar para tornarem-se Estrelas. Eles acreditavam que poderiam pegar os estúdios na sua própria armadilha, mesmo que eles soubessem que não havia lugar para todo mundo, eles aceitaram correr o risco. Mas eles ignoraram que, na realidade, não havia lugar para ninguém. E eles se deixaram ludibriar. Às vezes, de tempos em tempos, pois cada regra tem suas exceções, alguém consegue escapar desse status de carne que se utiliza antes que ela estrague. Meg Ryan começou interpretando uma loira apavorada em Amityville 3 - O demônio. Ali o assassino de Sexta-feira 13 era substituído por um exército de espectros que assombrava uma velha casa. A pobre Meg tinha se esforçado muito para permanecer com vida para além da primeira meia-hora. Finalmente, ela conseguiu. Não se sabe porque, mas ela ainda está entre nós. Talvez porque ela tivesse mais força, mais resistência que os outros. Lorie Loughlin, a atriz principal de Amityville 3, não teve essa felicidade. Quando a garota interpretada por Lorie imitava o horror gritando no cenário de papelão, onde ninguém parecia ouvi-la, ela estava assim realmente aterrorizada com a ideia de que a outra Lorie, a atriz, fosse morrer para sempre, sob os golpes de uma real maldição, de um real perigo, aquele que lhe fazia correr a sua ausência de talento, de inteligência, de habilidade ou de sorte, simplesmente.
O filme avança. De repente, nos surpreendemos falando sozinhos. Tu que tens o papel do primeiro cadáver, eu te vi correr gritando, tropeçar, levantar, levar uma machadada nas costas, te imobilizar depois de alguns gemidos e tentar respirar sem fazer ruído enquanto o realizador se perguntava se se via o suficiente das tuas coxas cobertas de sangue. Repassando o começo do filme, eu vi teu namoradinho, ele parecia bem abatido. O que tu fizeste para obter esse papel? O que tu fizeste para servir de carne fresca para um assassino que simboliza tão bem a figura paterna, grande, forte, com facas enormes, que te castigou tão duramente, quando, no décimo quinto minuto, teu personagem aceita, enfim, perder a virgindade (tu representas as virgens?! tu?!). Pois as pessoas que vemos nesses filmes, queríamos saber por que elas foram engajadas. Sim, por que estes e não outros, que teriam igualmente feito o serviço? Procuramos uma resposta, pensamos que eles fizeram tudo, suportaram tudo para figurar na tela. Logo a imagem se enche de corpos perfeitos mas impuros, e de uma beleza má, malsã. Essa não é, certamente, uma imagem fiel à realidade (não consigo imaginar um produtor apostando milhões de dólares em atores encontrados na cama de um diretor de casting), mas isso não tem importância. Nós estamos na fantasia, a fantasia de Hollywwod.
Os créditos de Sexta-feira 13 - Parte III dão o espetáculo do fracasso, da decepção, da derrota, do sofrimento, da morte. Essa é uma das coisas que restam do cinema: um grito, uma manifestação de raiva, de desespero, da parte daqueles que não vimos, não escutamos, não amamos. Pois o cinema lhes dá também a possibilidade de uma revanche: quando tudo está acabado, anos depois, ele lhes concede, sobre uma ficha técnica ou artística, a prova de que apesar de tudo eles continuam existindo, que eles estão lá, que eles ganharam, venceram o silêncio. Que eles trabalharam para nós, para nós hoje. E esses atores de videocassete não param de se oferecer na sua beleza, sua força, sua juventude. Finalmente, eles não podem morrer. Porque sempre haverá um cinéfilo que falará deles.
Agradecimentos a Christian Mariotte
Cet homme n'est pas mort, chapitre III foi publicado originalmente na revista La Lettre du Cinéma, n° 27, julho/agosto/setembro de 2004. Tradução: Miguel Haoni.
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