O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

O grande jogo




Por Raymond Bellour

Imediata e violentamente sensível, a sedução que o faroeste exerce se deve à riqueza sem precedentes de seu tema e à infinita diversidade que ele oferece no mundo fechado da repetição, conferindo a cada espectador a fascinante e perpétua sensação de reprise e espanto. Exemplo único em que o campo de uma história é coberto em sua totalidade por uma multiplicidade de pontos de vista. O western funciona como espelho e como prova. Cada filme, cada obra singular, apresenta-se como uma interpretação de uma origem e de uma história. O fato de quase todos os cineastas de Hollywood, sejam eles americanos ou adotados, terem escolhido, aceitado fazer faroestes, de o gênero ser o mais antigo e o mais novo dentre todos os gêneros cinematográficos americanos, apesar de tantos sinais de alerta, sempre até aqui desmentidos, de sua morte iminente, prova simplesmente isto: o western é a série de interpretações que uma forma de arte, o cinema americano, dá à sua história local e nacional e, a cada dia mais, à sua própria natureza e às suas exigências em relação à tradição que o sustenta; é por isso que, quando vemos um faroeste, signo vivo de uma dupla interpretação mais ou menos manifesta, sentimos um tipo particular de júbilo, um júbilo como o que sentimos quando estamos diante de qualquer objeto ao qual nos rendemos, pois podemos deduzir imediatamente seus contornos, suas formas, sua essência e até mesmo a natureza do prazer que ele nos proporciona; e ainda assim, por meio de uma reviravolta sutil e dolorosa, muitas vezes nos surpreendemos, às vezes ficamos impressionados, como se de repente nunca tivéssemos sabido nada sobre isso.

Então, o que é essa história, essa vida original que o western revive constantemente, como em um jogo perpétuo, no horizonte misto do cinema americano? É uma vida totalmente arriscada, uma vida de aventura, baseada nas apostas, e que do jogo contém todos os signos. Basta uma palavra para orientar o itinerário do herói, um encontro para selar seu destino; uma bala perdida decide uma vida, e imagino que um dos charmes unânimes do faroeste esteja na decisão rápida, imprevisível e aparentemente leve que o herói toma logo no início do filme, com um ar que pretende ser casual, e à qual ele permanecerá fiel até o desfecho, seja ele feliz ou infeliz – porque não há outro significado para a vida além da arbitrariedade, deste jogo no qual o herói sempre faz valer sua regra no terreno privilegiado onde a morte é o destino do perdedor. Daí a preferência de longa data pela figura emblemática do jogador, ser de duas faces, personagem de uma história, espelho de significado para uma tradição.

O western, arte lúdica, não haveria nada do que reclamar, se o jogo, mestre da aparência, não fosse o fato de que ele se estabelece diante daquilo que o destrói constantemente: a seriedade da lei. Baseia-se na razão social e na moralidade dos valores, uma seriedade cujo reverso é chamado de capital e cujas últimas e mais venenosas flores estão desabrochando, tão distantes e diferentes que não podemos mais reconhecê-las, no entanto, apenas um século, meio século depois, vemos em São Domingos, Hanói ou Caracas, em tantos lugares ao redor do mundo. O faroeste, portanto, situa-se nas duas auroras da história e da civilização americanas. De um lado, a aventura, a aposta e a epopeia do individualismo; do outro, e ao mesmo tempo, a conquista, a ordem e a sociedade. A inefável fragilidade do jogo, a tragédia pessoal que mais ou menos prende o herói no código livre e rígido de um rito, no modo encantador e perverso de uma repetição que desafia toda monotonia, ecoa constantemente uma lógica cujos múltiplos desvios, cuja sinuosidade não deve esconder a verdade absolutamente real do impulso silencioso de uma história que nos permite reconhecer facilmente nos pioneiros do Oeste, filhos dos fugitivos deserdados do capital europeu, o cidadão americano.

O limite do jogo é o sistema de valores que ele sempre confronta e sustenta. Isso é visto claramente, sem a necessidade de uma segunda leitura, em obras que deliberadamente confessam sua natureza anti-lúdica. Primeiro em Os Conquistadores, no qual Lang submete, sem pestanejar e com notável rigor e audácia, o espírito de aventura ao espírito de empreendimento: plantar postes telegráficos nos estados ainda virgens do Oeste significa plantar ações; se o inimigo, índio ou malfeitor, ficar no caminho, ele é fuzilado, sem remorso ou alegria, em nome da ordem, de uma moralidade cuja lógica mais segura é o sistema do dinheiro. Falou-se de anti-western, mas também sabemos que testemunhas antigas, chamadas a dar sua opinião, reconheceram a perfeita autenticidade do filme. A contradição é apenas aparente, e a lição é simples: Lang, fiel à sua alta acuidade, leva o faroeste do reino da mitologia privada para o da mitologia pública. Como um príncipe do sistema, ele redistribui os valores semânticos de acordo com um código social e político. O humor e o conflito individual não precisam nos iludir aqui; Lang se atém à lógica de uma interpretação realista e anti-heróica.




A segunda negação, que é mais natural por isso mesmo mais frequente, é encontrada na seriedade épica de Ford. Pois se o western, por sua natureza histórica, nada mais é do que uma nostalgia do épico tradicional, ele frequentemente opera de maneira semelhante em termos de valores. O indivíduo, para Ford, incorpora valores coletivos e define de uma só vez a origem da moralidade e sua eternidade. Daí este universo profundamente tradicional e messiânico – cujo único evangelho é o homem americano em seu conceito mais elementar –, daí esta obra que, em um sentido magnífico, constitui um dos mais altos monumentos de identificação com que se pode sonhar. A mitologia lúdica do faroeste, que Ford usa com a habilidade suprema de quem sabe fazer quase tudo, desaparece constantemente em uma seriedade épica. Os dois jovens em Caravana de Bravos decidem suas vidas por acaso, mas como não ver aqui o pretexto para um itinerário que não tem nada a invejar (o comboio mórmon nos convida) ao de O Peregrino, de John Bunyan? Quanto a John Wayne em Rastros de Ódio, ele encarna tão fortemente o espírito de conquista, família e raça que seu périplo aventureiro apenas ecoa (pelo menos em princípio) as palavras orgulhosas e proféticas desta mulher pioneira, que permanecendo no limiar de seu rancho, dá como contraponto à provação atual a beleza e a nobreza da América de amanhã. A ideia do jogo na obra de Ford é expelida em dois níveis: o do personagem e o do diretor.

Porque essa ideia, a bem da verdade, demanda que se jogue ao máximo com a carta do indivíduo. É isso que Sturges faz, por exemplo, por meio da sua escolha de tema e atores, embora nunca consiga torná-la absolutamente convincente por falta de talento ou de um certo gênio. É preciso nada menos do que genialidade (grande ou pequena, não é essa a questão) para construir uma obra com um rigor arbitrário e lúdico, como quando você opõe a evidência objetiva da expressão fordiana (muitas vezes admirável) ao desafio de um sistema formal e temático que deve pouco aos álibis do natural. Ray faz isso de forma violentamente bela em seu Johnny Guitar. Lang faz isso de forma magnífica contrastando O Diabo feito Mulher com Os Conquistadores e revelando de uma só vez os dois extremos do western no seu estado mais puro. Nada poderia ser mais decisivo ou mais autônomo do que essa parábola realista na qual a ideia de destino é sempre combinada com a da mais fascinante liberdade. Os personagens de O Diabo vivem talvez a vida mais deliberadamente solitária e amoral (em termos de valores tradicionais e coletivos) da história do faroeste. Marlene e Mel Ferrer, capturados pela câmera irônica e tão grave de Lang, rejeitam qualquer idéia objetificada do Oeste em favor de um código violentamente pessoal, lógico e irrisório, o qual encontra em um rancho lendário sua possibilidade lógica e na imagem de uma roda de loteria sua motivação simbólica. Para quem pensa em Lang apenas como um cineasta do imediato, do natural, aconselho que dê uma olhada mais de perto nessa prova de elegância abstrata e teorização singular. Lembremos, não tanto por conta de Marlene, de O Expresso de Shanghai, de Sternberg, em que o jogo é levado ao seu ponto absoluto, porque em nenhum momento os filmes escapam da série fantástica e ritualística que une os personagens e faz de seu autor um mágico imenso e fascinado.

Este encerramento do sujeito que por si só abre as portas para a tomada de decisões lúdicas é encontrado em Anthony Mann, cineasta do homem individual. Aqui o jogo ganha peso, preso nos fios do romance e da inversão psicológica. Mas ele permanece no nível do ato, do gesto, da vida arbitrária, ao menos nos filmes feitos com Stewart, filmes de apostas furiosas, sem dúvida, mas de apostas, se alguma vez houve uma. Stewart joga por sua vida, ainda que seu jogo esteja mais próximo de uma maratona do que de um jogo de pôquer, de um bildung do que de uma festa. Ele está em uma posição de risco soberano, limitado ao seu próprio corpo, à velocidade de seu tiro, à precisão e à rapidez de suas intuições. Ele nunca morre, porque é muito raro em Hollywood o astro escapar do happy-end e o jogo do homem americano é sempre confrontado com a positividade de uma história e de uma civilização que ele precisa tornar possível; mas no instante em que Stewart enfrenta a morte de forma real, e isso, para nós que somos convidados ao espetáculo, é o essencial enquanto a luta durar. Estamos diante de um homem sem referência externa: preso no jogo de sua própria vida dentro do mundo da aventura, dedicando-se a ele para o bem ou para o mal. Daí a sensação de uma precariedade extraordinária: ganhando ou perdendo, Stewart anda na corda bamba, na vigilância perpétua de alguém que sabe que o jogo nunca termina e sempre pode ser virado de ponta cabeça. Comparemos Wayne em Rastros de Ódio e Stewart em Região do Ódio: na pior tempestade de neve, no combate mais desesperado, frente aos elementos e aos homens, a invencibilidade épica se choca com o jogo trágico. É inegável que ambos compartilham aquele conhecimento técnico sutil e prodigioso, praticamente mágico, que torna o heroísmo plausível e justifica um resultado bem-sucedido. Todavia a técnica, no primeiro caso, refere-se à ordem transcendente do universo moral e o herói assume a validade de uma série de imperativos categóricos aos quais a ação responde fielmente; ao passo que, no segundo, refere-se a uma ordem quase autônoma do sujeito. Tal antinomia pode ser lida nos rostos dos atores, no ritmo e na preocupação das duas mises en scène, na relação que estabelecem, por exemplo, entre o homem e a natureza, o herói e as outras figuras da ação, a ideia e sua encarnação.

O jogo, para Mann, lida com a ordem do presente. Ele está duplamente ameaçado, tanto pela nostalgia incessante de uma vida anterior, pré-histórica, quanto pela seriedade do futuro, quando o sujeito, fatalmente, termina como um signo precursor da história americana. Daí a pluralidade dos tempos, a profundidade romanesca, uma singular tragédia. E a impressão, para mim, de que Mann encarna uma espécie de essência do western, visto que o gênero está no momento de seu maior sofrimento. James Stewart – ele é o verdadeiro herói de Mann, antes dos sinais progressivos de abandono que definiram Henry Fonda, Glenn Ford e Gary Cooper em seus últimos faroestes. Stewart personifica aquele instante no qual o herói, com uma forte obstinação, pretende ter o mundo longe de si. A história e a sociedade o aguardam, ele cede à utopia de uma vida com acordos virgilianos, debate-se entre a integração moral e ideológica e o desejo pelo impossível. Esse divórcio é evidente na arte altamente versátil da encenação, na ocasião deste ou daquele diálogo e no desfecho que sempre marca uma derrota sorrateira e implícita, ainda que de forma feliz; Mann, com grande habilidade, situa as categorias sensíveis e intelectuais que determinam seus heróis. Mas a ação em si, que durante todo o filme detém o privilégio da realidade em um nível primário absolutamente decisivo, a ação impõe a ideia mais trágica da subjetividade do jogo. Stewart se põe como a lei; a aventura é a realização de um projeto inicial que serve como uma aposta. A partir desse instante, esse herói está rigorosamente vinculado aos seus meios de ação, por isso é tão comovente, quando em sua cabana solitária cercada de neve, Stewart, ferido na mão, levanta o rosto desfeito pela dor para contemplar seu cinto pendurado em um prego. Se ele não consegue segurar a arma entre os dedos, não é um princípio moral e intangível que entra em colapso, mas um homem que morre por ter jogado mal a única carta que possui: sua vida. Se gosto tanto de Região do Ódio é porque ele incorporou ao extremo a alternância do individualismo desesperado e triunfante ao qual o cinema americano tanto deve. E, além desses momentos furiosos de ordem do desafio mítico, onde o herói existe apenas em sua feroz autonomia, gosto sobretudo do final, quando Stewart, depois de suas batalhas particulares, aceita o cargo de xerife na comunidade que se forma já sinalizando a marcha em direção à história, embora ainda mantenha algo de um impulso primitivo. É uma dupla contradição, contra a qual, uma vez terminada a aventura, os heróis lutam irremediavelmente: pois são apanhados, seja qual for a direção em que olhem, entre as ondas destrutivas do tempo. Daí a razão e a fascinação de um eterno retorno da aventura, um recurso sempre à ordem do sujeito, que encontra na trovejante possibilidade presente da morte uma resposta à aparentemente grande leveza do que está em jogo.

Mas a condição mesma da razão trágica desaparece com o advento do capital americano. O jogo individual deixou de ser real – ao menos para o herói que se deixa levar por ele até estabelecer as regras, e o diretor que passa a ser mais ou menos cúmplice – o jogo não é mais do que uma sombra nostálgica, quando não uma ilusão, uma caricatura. Os últimos filmes de Mann mostram isso muito bem, O Homem do Oeste e, sobretudo, Cimarron – Jornada da Vida. E três filmes que mostram um espelho impressionante do questionamento de Mann. Primeiro, O Homem que Matou o Fascínora, não tanto por desmistificar o suposto heroísmo de Stewart, quanto por seu clima político e social e seu enredo quase totalmente retrospectivo. Ford passa sem problemas da seriedade da epopéia onírica para a crônica histórica, e a América subitamente assume sua face atual. Quanto a Liberty Valance, ele não passa de uma caricatura do assassino, do homem do jogo, um fantoche no universo da nova América, e Ford, escolhendo Lee Marvin sem mudar em nada sua figura lendária, confere a imagem exatamente oposta à do personagem inesquecível lançado por Boetticher no mundo clássico de Sete Homens Sem Destino. Depois há Sua Última Façanha, de David Miller, no qual o herói anacrônico vive o sonho delirante de um heroísmo pessoal edificado sobre o código aventureiro do Oeste de outrora, montado em seu cavalo, armado com seu rifle, através de uma América de autoestradas e helicópteros. Por fim, estou pensando em Pistoleiros do Entardecer, em que Peckinpah, com um talento admirável e uma sensibilidade muito semelhante à de Anthony Mann, precipita radicalmente a ruína do herói. É o fim do jogo, a morte da aventura, e quando a câmera se eleva acima do campo para o duelo final, vendo esses dois atores idosos avançarem miticamente em direção a seus adversários para o mais clássico dos encontros, alguma coisa nos avisa, em alguma parte, como que em um estremecimento secreto, que esse duelo talvez seja o último do western. Porque uma vez mortos esses homens, que a história em certo sentido já depôs, nunca mais haverá outros como eles e é até difícil imaginar como, sem esses atores ligados à era de ouro do cinema americano, o faroeste pode realmente continuar a sobreviver.




Pois o western, que Bazin chamou tão corretamente de cinema por excelência, é autônomo em uma arte em que toda a tradição – a distribuição de filmes por gênero, a prodigiosa expansão da indústria, o aparente apagamento dos autores por trás de uma criação coletiva e de mitologias compartilhadas – dá a impressão de um certo jogo. A liberdade do cinema americano, cuja naturalidade só ele tem o fabuloso segredo, se deve à dimensão lúdica da qual a maioria dos filmes, mesmo os mais sérios, não é desprovida. O faroeste, nesse aspecto, tem um privilégio especial. Ele surgiu no alvorecer do cinema americano, quando a conquista do Oeste estava chegando ao fim; e esse humor lúdico que mais ou menos se anuncia nos filmes, na atitude do herói em relação à sua vida, irrompe na relação que o autor tem com seu próprio filme, objeto de uma aposta em relação a uma realidade que ainda é muito próxima e a uma tradição. O fato de quase nenhum cineasta americano ter se afastado do western é uma clara indicação do desejo (ou da obrigação, mas isso realmente não importa) de jogar o jogo. E não é coincidência que, de todos os grandes autores (exceto Welles, mas não é ele o homem que por excelência vai contra todas as tradições?), os únicos ou quase únicos que quiseram evitá-lo foram justamente Minelli e Donen, autores de comédias americanas e musicais, os únicos gêneros que mantêm uma relação lúdica com a tradição americana de espetáculo cinematográfico da mesma ordem. (Em termos de atores, encontramos isso em Gene Kelly e Cary Grant). É como se todo autor americano tivesse que ceder, de alguma maneira, à necessidade fascinante do jogo. A comédia é, sem dúvida, infinitamente mais lúdica em seus temas e princípios; mas o faroeste, a partir do âmago de sua seriedade histórica e moral, adornado em seus adereços puramente dramáticos, dá a impressão de um universo lúdico de outra forma, já que vive apenas de regras e mitologias, muitas vezes transgredidas, mas nunca evitadas. Fazer um faroeste, para um realizador, mesmo o mais violentamente pessoal, como Lang, Ray ou Brooks, é entrar no jogo da repetição, recomeçar a história e o cinema americanos, é, numa palavra, tentar um exercício de alto vôo no terreno da maior evidência, enfrentando o jogo mais arriscado sob os auspícios combinados da natureza e da tradição.

Em Paris, por volta de 1925, um grupo de escritores, a maioria deles poetas, formou-se sob uma questão e um tormento comuns. Entre eles estavam René Daumal, Roger Gilbert-Lecomte, Roger Vailland e Rolland de Renéville. Eles criaram juntos uma revista chamada Le Grand Jeu. Essas palavras sempre me fizeram sonhar. Esses poetas, é claro, depois de Rimbaud, que eles tanto amavam, estavam brincando com fogo. Mas quando os leio, quando contemplo a tensão dolorosa e subjetiva de sua linguagem, sua seriedade que é tão aterrorizante quanto admirável, e a alta solidão que designa mais ou menos a figura intransigente do criador nos países de nossa velha Europa, quando reconheço tudo isso, acho que as palavras muito alegres “Grand Jeu” têm algo que soa um pouco falso. Entretanto para mim elas cobrem de forma exemplar a essência do western.

Exercício do natural, ainda que mitológico, que retoma a todo momento a odisseia aventureira da história americana por meio de uma arte que é apenas um lado da mesma aventura, o faroeste pertence tanto ao universo da seriedade quanto ao do lúdico, e um sempre permanece como condição do outro. Daí sua popularidade na América que se reflete na abundância de produções televisivas. Daí para o espectador europeu a sua sedução particular. Encontramos no western a possibilidade da aventura, da aposta na qual a história é construída, é claro, mas a qual, no momento do jogo, possui o extraordinário fascínio da ação pessoal. É como funcionários do negativo que cedemos ao poder dessas epopéias por nós consideradas milagrosas, onde um homem, submetido a um código que ele conhece ainda melhor por ter ajudado a estabelecê-lo, assegura a verdade do universo pela pura realidade de sua ação. Esse é o grande jogo, histórico e filmado, um grande jogo porque é um jogo de risco natural que constrói e interpreta a realidade imediata em sua totalidade. Os americanos, penso eu, já sentem isso como um arrependimento, porque em certo sentido, para eles também, a aventura de fato acabou, e nós, do fundo de nossos velhos países, sentimos o sonho completamente ilusório de uma juventude histórica e individual que nos parece imemorial, e que sempre tornará a América um pouco distante em sua ingenuidade tão bela e perigosa.

Le grand jeu foi originalmente publicado em BELLOUR, Raymond (Org.) Le western: Approches - Mythologies - Auteurs – Acteurs – Filmographies. Paris Gallimard, 1993 (pp.7-17). Tradução: Ezequiel Antônio da Silva Stroisch.

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