O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Como apresentar e discutir um filme








Por André Bazin

Resumo dos métodos

Apresentação
1) Título e data de realização do filme (eventualmente as condições que presidiram essa realização).
2) O realizador. Lugar do filme na sua obra cujas principais características (conteúdo e estilo) são...
3) Valor de atualidade do filme – no plano humano – no plano cinematográfico.
Discussão
1) Impressão dos espectadores; a partir dessas impressões “remontar” às:
2) Ideias expostas, o seu desenvolvimento.
3) Seu valor do ponto de vista dramático: a dramatização lhes – diminuiu – falseou – valorizou, etc...?
4) Sua expressão formal, seu valor, suas características próprias (comparação com outros estilos – cf. História do cinema).
5) Completar essa comparação com outros filmes, situando com mais acuidade a obra cinematográfica estudada, com a ajuda de livros, peças de teatro, etc...
O meio
Uma vez estabelecidas essas “regras”, é bom, senão esquecê-las, ao menos flexibilizá-las ao máximo. Tudo depende, no fim das contas, do animador, do debater (cf. abaixo), do filme projetado (que pode por vezes prescindir totalmente da apresentação), da disposição “topográfica” da sala de projeção e, sobretudo, do público, ou seja do meio social (estudantes, operários, fazendeiros etc.). Por essas razões, é indispensável consultar, a propósito desse tópico, os depoimentos de cineclubes publicados, aliás, nessa mesma obra.

Deveres e obrigações do debater

Todos os responsáveis de cineclubes concordam certamente que é necessário cercar a apresentação de filmes com comentários apropriados, mas a experiência prática deu, até o presente momento, resultados bem desiguais e incertos.

Não há nada de surpreendente aí. As pessoas vão ao cinema para ver filmes, não para escutar discursos. A psicologia de uma sala de cinema não é a mesma de uma sala de visitas, de um café, de uma conversa particular, de uma sala de aula, nem mesmo da Université des Annales*. A criação de cineclubes, e sobretudo de cineclubes populares, levanta um problema, digamos que num sentido bem amplo, pedagógico, que nenhuma disciplina, nenhuma arte conhecida havia colocado nesses mesmos termos. Geralmente saímos dessa se inspirando mais ou menos nos métodos universitários, fazendo com que o filme seja precedido de informações históricas ou técnicas com a função de oferecer ao espectador uma certa bagagem de conhecimentos, um pouco de cultura prévia.

Já é bom, mas ainda ignoramos certas exigências primordiais do espetáculo.

Dessa maneira, deixarei aqui certas reflexões relativas ao problema da apresentação de filmes, em seguida de sua discussão.

A apresentação

Comecemos pelo público. Não esqueçamos que ele espera pelo filme e que o conferencista, salvo seus dons oratórios, só será suportado com impaciência. Que a apresentação seja então curta: dez minutos bastam.

Mas o que dizer? Devemos tentar reunir nesse preâmbulo o máximo de informações? Apresentar, por mais cautelosa que seja, uma espécie de crítica prévia? Essas fórmulas têm a desvantagem de esquecer que vamos submeter ao público uma obra de arte e que é importante, antes de tudo, respeitar a sensibilidade, as reações futuras dos espectadores.




Mas respeitar sua sensibilidade não implica, pelo contrário, que abdiquemos de prepará-la. Parece-nos que está aí o objetivo essencial da apresentação: colocar o público no melhor estado para receber o filme com frescor e força total.

Por mais útil que seja a documentação histórica, estética ou técnica, ela pertence a outro lugar, depois do filme talvez, mas não antes. Basta evitar para o espectador os contrassensos, os erros de interpretação que uma certa decalagem entre a forma e a inspiração pode provocar. Se ele é pouco informado, o público será surpreendido e talvez se sentirá desamparado face uma obra antiga. Será então o trabalho do apresentador situar o filme na sua atmosfera moral e em relação à produção da época, mas nessa tela de fundo, que ele deixe de alguma maneira em branco o espaço que o filme ocupará.

Trata-se aí ainda de uma apresentação negativa, intelectual e verbal. O melhor será sempre informar o cinema pelo cinema, de formar a sensibilidade pela sensibilidade. Um curta-metragem, o fragmento de um grande filme apresentando com o programa alguma relação temática, de técnica ou de inspiração, nem que seja pelo contraste; essa seria a melhor apresentação.

Peguemos, por exemplo, O vampiro de Carl Dreyer, distribuído pela Federação francesa de cineclubes. Uma apresentação prévia, parece-me, não precisa ser muito longa: alguns lembretes do contexto artístico da época, das origens nórdicas de Dreyer e a indicação que esse filme foi, no entanto, realizado na França. Muito mais importante me parece ser a primeira parte do programa. A Federação tinha escolhido muito bem o Vampire de Jean Painlevé no qual se encontram, ainda, alguns planos de Nosferatu. Mas os complementos de programa, sobretudo no interior, não podem sempre ser assim tão perfeitamente adequados. Na falta de um filme, por que não recorrer às outras artes? Por exemplo, antes do filme do Dreyer, eu presenciei a leitura de uma página especialmente vampiresca dos Cantos de Maldoror que deixou a sala sob a influência de uma emoção própria para fazê-la levar a sério a velha e profunda mitologia dos bebedores de sangue.

A discussão

Ainda mais importante é a parte ativa da sessão que dá sequência à exibição dos filmes. Ou seja, o debate. Há efetivamente muitas maneiras válidas de dirigi-lo. O debate numa sala, depois da projeção de um filme, é uma proeza que pertence mais ao domínio do meeting político ou do número de music-hall que da explicação de textos em sala de aula. Quero dizer com isso que se trata primeiramente e antes de tudo de “prender” uma sala. Todos aqueles que têm alguma prática dessa operação concordaram que ela depende, acima de tudo, da personalidade do orador e de “truques” de ordem empírica que ele soube, tateando, adaptar aos seus dons, que de uma teoria prévia.

A primeira lei, que não é assim tanto uma lei, do debate em cineclubes é que o debater tenha o dom desse exercício. Não é algo assim tão raro como podemos acreditar e as qualidades exigidas não são tanto físicas, mas morais. O público ignorará com mais facilidade uma insuficiência vocal que uma tendência à confusão intelectual, uma falta de tolerância em relação aos oponentes ou, sobretudo, uma ausência de autoridade. O problema sendo, definitivamente, de deixar a sala numa espécie de ilusão de liberdade crítica, lhe garantindo ao mesmo tempo um mínimo de segurança contra os baderneiros ou as digressões nitidamente supérfluas.

A partir dessa lei bem geral, podemos nos virar de diversas maneiras. Mas se for realmente necessário falar de métodos, esses podem ser reduzidos a duas fórmulas extremas: a liberal e a autoritária.

A liberal consiste em fazer com que o público fale, restringindo-se ao mesmo tempo ao papel de presidente de assembleia. Os perigos são evidentes: a desordem intelectual, colocando assim no mesmo plano intervenções de importância e de qualidade muito desiguais. Mas ela não é impraticável com um certo público suficientemente educado e disciplinado que, por vezes, corrige usualmente seus próprios erros. Percebemos rapidamente num cineclube que são sempre os mesmos que falam. Isso torna-se um fato estabelecido, um costume autorizado pelos próprios silenciosos. Um debate torna-se então uma discussão entre uma dúzia de interlocutores. O papel positivo do debater limita-se, no fim da sessão, a um resumo curto e claro das principais posições que surgiram.




A autoritária consiste em preparar cuidadosamente a análise do filme, em decidir a priori os elementos importantes que é preciso salientar e em impô-los indiretamente questionando o público sobre os aspectos da obra previamente escolhidos. Ganhamos aí em clareza, e eu não estou longe de preferir esse método no caso excepcional no qual o debater conhece a fundo seu objeto e professa opiniões penetrantes e originais.

Mas eu creio que – e, em todo caso, é o que eu tento fazer – é desejável manter o equilíbrio entre esses dois métodos opostos para conservar, de cada um deles, as qualidades, evitando assim seus defeitos.

Me parece útil que o debater tenha sobre o filme um parecer mais documentado e mais autorizado que o público e que até deseje expressá-lo durante a discussão. Mas é preciso que ele o conduza com boa fé, deixando verdadeiramente abertas as oportunidades para as opiniões formuladas pela sala. Quero dizer, ter humildade o suficiente para substituir eventualmente, durante o debate, a sua opinião pela aquela de um espectador, se essa lhe parece mais proveitosa. Quantas vezes me aconteceu de abordar a discussão sobre um filme com duas ou três ideias preconcebidas e de perceber muito rápido que a sala resistia, que ela não tinha nem sentido nem entendido o filme como eu, e de me limitar então, durante um certo tempo, a suscitar opiniões, até que eu tivesse elaborado eu mesmo uma ideia sob essa nova luz. Pois se jogamos sinceramente o jogo (e eu ousaria dizer que há mesmo uma maneira sincera e moral de roubar), se aceitamos nos engajar intelectualmente no debate, percebemos muito rápido que o público tem tanto para nos ensinar quanto temos para instruí-lo. E isso, independente da sua competência.

Mas, com certeza, é mais difícil praticar essa espécie de maiêutica que decorre de uma autoridade aberta e da liberdade dirigida que um dos métodos extremos dos quais ela se inspira. Cada um, de acordo com seu público, seu temperamento, e o filme em questão, pode, contudo, tentar dosar um em relação ao outro.

Uma última observação: um debate é como uma maionese, podemos falhar mesmo se todos os ingredientes estão lá. Mas não há motivo para se surpreender. É a prova de que não se trata de uma aula de aritmética, que é preciso outra coisa além da competência: a cumplicidade do acaso, alguns aromas imponderáveis, uma certa graça que às vezes se recusa, às vezes se precipita sobre você na hora do desespero. Eu vi debates perdidos por quarenta e cinco minutos serem salvos nos últimos quinze e todo mundo indo embora contente.

Não é apenas o filme que é uma obra de arte, a reflexão crítica também é. Ela exige amor, sinceridade, inspiração. Há uma musa dos cineclubes.

*Desde 1907, a Université des Annales foi um lugar de conferências com reputação de qualidade, que eram em seguida publicadas nos Anais políticos e literários, depois em Conférencia. Em 1972, as conferências foram retomadas pelo Figaro. (NdE)

Comment présenter et discuter un film foi publicado originalmente em Regards neufs sur le cinéma, Paris, Le Seuil, coll. « Peuple et Culture », 1953, pp. 354-359 ; republicado em Ecrits complets I, Edition établie, annotée et présentée par Hervé Joubert-Laurencin, Paris, Éditions Macula, 2018, pp. 1081-1083. Tradução: Letícia Weber Jarek.