O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Condutoras de emoção

Por Victor Cardozo

Aqui está. Não esquecerei nunca. As mãos de Shelley Fisher. O perfil sombreado e sereno do pianista, sua voz em perfeito acordo com o piano. Ele toca uma canção, mas não é uma canção qualquer. É um transbordar emocional, tão mais desconcertante por vir de uma figura assim contida. Uma canção onde cabem todos os sonhos de amor e bem querer do mundo, sem que nenhuma decepção seja esquecida. Um contraplano nos mostra que ele está tocando seu piano em um restaurante finlandês, regido pelos olhos resolutos de Kati Outinen. Estamos em 1996. A Finlândia se recupera de uma crise econômica severa e das consequências do fim da União Soviética. Os atores de Kaurismaki, tantos rostos estóicos e fluentes no humor que seu cinema nos ensinou a reconhecer e se afeiçoar. Eles envelhecem, bebem, trabalham, sobrevivem. Impreterivelmente, fazem isso mais juntos do que sozinhos, com tácita solidariedade. Nessa Finlândia de cinema, ser contido é elemento estruturante de uma poética, é uma postura existencial, mas é também uma questão de pragmatismo. Por isso mesmo, seus gestos de apreço e a tenacidade do seu vínculo uns com os outros não falham em comover.

Também não devo esquecer tão cedo de Hideko Takamine, entre a adolescência e a maioridade, afinando seu ofício. O ano é 1941. A Segunda Guerra Mundial segue. A ordem do dia no cinema japonês são filmes que exaltam valores patrióticos do Japão sob o culto do imperador Hirohito. Mikio Naruse, nessa altura já um veterano com 11 anos de carreira como diretor, faz comédias e melodramas populares. Trabalharia com Takamine quase até seus últimos anos. O último filme dessa fértil parceria, Midareru (1964), como tantos outros, merecia páginas sem fim para uma tentativa minimamente decente de descrever suas riquezas. Mas aqui, estamos no começo. É preciso dizer também que esse encontro acontece pela primeira vez quando Takamine já tinha também um considerável trabalho (e celebridade) como atriz infantil, já era uma estrela. Não é por acidente que o filme leva seu nome ao invés do nome da sua personagem: Okoma. A tímida cobradora, do alto de seus 17 anos, por lealdade ou senso de autonomia, se inspira a tentar salvar a precária companhia de ônibus onde trabalha. Para isso, quer tornar-se uma “condutora”, isto é, uma guia que descreve os lugares notáveis do trajeto das antigas paisagens de Kofu e sua história para os passageiros entediados. A história do seu aprendizado se entrecruza com a história de sua amizade com o colega motorista e o escritor que escreve o seu roteiro. Entra também no caminho das práticas nada honestas do proprietário da companhia. Okoma precisa aprender a transmitir emoção nas palavras e nos gestos sem perder de vista as contingências materiais e espaciais do seu papel (abrir e fechar portas, acompanhar paradas do itinerário, recolher ingressos e pagamentos). Vemos o seu desabrochar de intérprete, em obstinada contradição aos imperativos materiais e ideológicos do contexto que a cerca.

O que une esses filmes, lugares, artistas e momentos tão aparentemente distantes é em primeiro lugar o seu caráter de exceção. Diante de contextos bastante sufocantes, são filmes que têm a audácia de reclamar para si alguma leveza e autonomia em meio a precariedade e exaustão imposta a corpos, máquinas e lugares. São testemunhos também de cinema como trabalho modesto e paciente, no qual a graça vai sendo construída um pedaço por vez, no qual as condições materiais da produção são encaradas com a liberdade dada justamente pela repetição e pelas restrições. Há uma solidariedade comum entre os trabalhadores da ficção e os trabalhadores do real.

São, sobretudo, filmes construídos em volta de atrizes, Hideko Takamine e Kati Outinen. No encontro entre melodrama e comédia, essas duas condutoras de emoção que vão encontrando beleza, humor e significado no gesto mais discreto e fazem dele uma epifania. Evocam uma utopia possível no âmago da desolação.

Make a world that’s peaceful
And everyone is free
Send it to my baby
Tell her it came from me

A liberdade total


Por Leodoro Camilo-Fernandes

a) Estamos no inferno: diabos na forja, diabos num cartório, diabos no forno: diabos que trabalham, diabos que brincam. Surge um táxi e dele escorrega uma fileira de animais: patos, galinhas, gansos, cabras, cães, ovelhas + dois homens. Um sujeito cai, um buraco se abre: petróleo! Um sopro bem dado, um fumacê danado: táxi destruído! Alô, projecionista! Volta a fita!

b) Estamos em Paris: do topo dum prédio haussmanniano, desce a câmera até parar num rosto de mulher loira que nos olha — que já nos olhava: antes que soubéssemos que estava ali, ela já nos olhava. É uma esquina movimentada: gente vai, carros passam, gente vem. E a loira nos olha, e a loira nos sorri: brinca e se maquia. Os passantes não entendem: não sabem se olham para a mulher ou se olham para a câmera.


Apesar de cenários tão diferentes entre si (e aqui deixa claro o autor que não interdita — pelo contrário: endossa — associações espirituosas entre o inferno e Paris) e de tempos narrativos tão aparentemente divergentes, o que salta da tela, em ambos os casos, é a mesma entidade: a liberdade.

A) LIBERDADE: O DESCARAMENTO

De 1941, fruto da Universal Pictures, é o Hellzapoppin’ (o Pandemônio, título em português que recebeu; Um estouro de inferno, como eu gostaria que se chamasse): originalmente um espetáculo de revista da dupla Olsen e Johnson, chega ao cinema pelas mãos de um grande estúdio. Piadas, esquetes, danças, malabarismos: no pandemônio a liberdade é calculada. 1) Uma queda 2) abre um buraco 3) que libera o jorro de petróleo. Ou: 1) a câmera acompanha Olsen e Johnson, 2) vê uma mulher bonita perto da piscina e nela se demora: 3) os dois percebem que a câmera não os acompanha mais e chamam-lhe a atenção para que ela siga em seu movimento original, como já fora ensaiado: como manda o script.

A dupla aqui (em constante brincadeira com o tempo — música, piada — e o espaço — palco, plano) quer se livrar da narrativa: do roteiro. “Todo filme precisa de uma história! Nunca houve um filme sem história!”, afirma o diretor do filme dentro do filme já anunciando qual será o inimigo principal desse pandemônio: a noção de uma história bem-estruturada. Rocambole que se enrola e se desenrola constantemente durante seus 80 minutos de duração, é um estouro de inferno para todo mundo que compunha a intelligentsia da época: o Rosebud do Orson Welles, as coreografias do Busby Berkeley e o universo temático dos musicais de Astaire e Rogers tampouco escapam da mira hellzapoppiniana — This is Hollywood, we change everything in here: o mote, dito como ameaça logo no início do filme, é usado neste pandemônio a favor de seus próprios intentos: como sempre na comédia, o sujeito que recebe uma rasteira vai passar a perna em quem o sacaneou.

B) LIBERDADE: A AUTONOMIA

Um cartaz escrito à mão anuncia que o filme a seguir é ganhador do grande prêmio no festival de Toulon em 1974. Tela preta: uma voz masculina, de espanhol que tem o francês como língua adicional, lê os créditos. Começam as intrigas de Sylvia Couski. Ou não: até que Sylvia e seus planos astutos surjam na tela ou sequer sejam mencionados, o filme já nos terá levado a uma praça parisiense para que sentássemos e trocássemos olhares, já nos terá feito admirar a loira que já nos admirava, já nos terá mostrado o jogo de sedução (cores, texturas) entre uma travesti e um sujeito deambulador. Num constante vai-e-vem/acelera-e-freia narrativo, Arrieta opera como Sterne no Tristram Shandy (Pandemônio avant la lettre): o que torna único um relato não é o êxito duma mera cronologia plena, mas sobretudo o controle das durações.



Todavia não se deixe enganar pelo que acaba de ler: Les intrigues não se trata de um elogio ao rigor da mão pesada do autor, muito pelo contrário — vejamos a própria tramoia de Sylvia Couski: ela quer que seu novo namorado invada o ateliê de seu ex-marido, escultor em processo de montagem de uma exposição, e roube a sua principal escultura a fim de que o artista precise exibir em seu lugar a modelo que deu origem à obra (a loira que antes já vimos atravessar a rua, provocar a câmera, perturbar o trânsito): a troca de uma escultura (visão estilizada da realidade filtrada pela sensibilidade do criador) pela exibição da mulher cujos traços lhe são a gênese (a objetividade da beleza sem o filtro do artista).

= LIVRE: SOLTO

A ficção                       é testemunha de seu tempo

               liberta!

                           absolvida!

               quando os corpos dos atores
               testemunham o chão que pisam


— mesmo que não tivéssemos James Stewart ou Grace Kelly
ainda assim teríamos uma Janela indiscreta

Silvia Prieto (Martín Rejtman, 1999), as palavras e as coisas



Por Paula Mermelstein

São muitas as vezes que ouvimos o nome da protagonista de Silvia Prieto, Silvia Prieto. Logo perceberemos que a repetição trata-se não de um estudo acerca de sua protagonista, mas do nome que a precede; o filme parece ser menos sobre a pessoa Silvia Prieto (Rosario Bléfari) do que sobre o “dar nome às coisas”. Afinal, como descobrimos junto com Silvia ao longo da trama, ela não é a única Silvia Prieto existente. E este princípio, de que as palavras vem antes das coisas, parece ditar o modus operandi do filme.

Não há qualquer preocupação em um aprofundamento das personagens, formadas por um amontado de informações e detalhes superficiais. Chamar de indiferença soa frio demais, mas há um desprendimento de ordem mais leve em Silvia Prieto, tanto no que diz respeito a cada indivíduo ali representado, quanto às suas relações intercambiáveis. As personagens são introduzidas por meio destas relações entremeadas: Silvia começa a namorar o ex-marido de Brite uma vez que a mesma começa a namorar o seu - sem qualquer ressentimento de nenhuma das partes, pelo contrário, por sugestão da própria Brite.

Com esta mesma leveza se dá este tratamento bidimensional das personagens. Achatadas, assim, figuras e palavras equivalem-se em peso e podem permutar quase indistintamente; com ênfase, aqui, no “quase”, pois se para o filme estas trocas acontecem com leveza, é justo de sua estranheza para o espectador que emerge o sentido cômico. Se em dado momento descobrimos que existe mais de uma Silvia Prieto, o mesmo acontece com a palavra “ex-marido”, que inicialmente se refere ao ex de Silvia, Marcelo Echegoyen (Marcelo Zanelli), mas logo é também repetidas vezes proferida por Brite (Valeria Bertuccelli), em referência ao seu próprio ex, Gabriel Rossi (Vicentico). Brite, por sua vez, é simplesmente chamada pelo mesmo nome da marca para a qual trabalha distribuindo amostras de sabão em pó.

O mesmo vale para a palavra “abajur”. A princípio, surge a partir do objeto, um abajur feito de garrafa por Silvia para presentear sua xará. Logo, descobrimos haver sido o apelido de Gabriel nos tempos de escola. Sem o motivo por trás da brincadeira nunca ser explicitado, uma vez que a palavra se desprende do objeto e associa-se ao personagem, irá gradualmente se proliferando nesta rede de trocas do filme, para o desespero do ex-marido de Brite, cada vez mais incomodado com sua menção.

Há ainda um terceiro casal, Martha e Mário, que não entra no troca-troca e, como o abajur, adentrará a trama aos poucos. Sua primeira aparição se dá em um programa de televisão, voltado ao casamento dos participantes até então desconhecidos entre si. Primeiro vemos Martha descrever seu homem ideal, e depois são apresentados seus pretendentes, dentre os quais se encontra Mário, quem Marcelo reconhece da escola. Nas próximas aparições de Mário, em carne e osso, ele já estará noivo, ainda que não pareça se dar muito bem com Martha, que continua repetindo suas expectativas para um homem ideal. A palavra não apenas dá início a este encontro amoroso mas continua pairando sobre o casal, como uma assombração.

O signo mais emblemático desta rede de trocas é provavelmente o paletó da Armani. Quando Silvia viaja a Mar del Plata, encontra um homem em um café que lhe encobre com seu paletó, “um Armani”, por conta do frio. Silvia volta à Buenos Aires com o paletó, o qual o homem tenta repetidas vezes recuperar ligando para ela. Em dado momento, Silvia dá o casaco para Gabriel, que acaba o vendendo para Marcelo por 75 pesos. Por fim, Marcelo o veste em um jantar com Brite, onde o dono original do Armani o encontra, mas para reavê-lo deverá pagar 100 pesos.

O valor que o paletó adquire em sua jornada de mão em mão é arbitrário e circunstancial; não há um fio condutor guiando Silvia Prieto, mas objetos, nomes e personagens se chocando. Enquanto a personagem de Brite ganha nome de marca, o paletó, que passa a ser referido simplesmente como Armani, ganha nome de gente. A atenção do filme não se volta para nenhum grande sentido, mas para os pequenos detalhes: as Silvias Prietos, os ex-maridos, os abajures, os paletós Armani, as amostras de sabão em pó Brite.

"Meus Queridos Espiões" (Vladimir Léon, 2020)

Por Gabriel Linhares Falcão

Para além da máxima “todo documentário é uma ficção”, podemos nos aprofundar e perceber que alguns verbos intrínsecos a composição prática do documentar revelam componentes de ficção presentes na realidade (na vida, na mente, e onde mais quisermos ir). Investigar, rememorar, contar, narrar, apresentar, visitar, entrevistar, refletir são alguns exemplos de ação que nos remetem a necessidade de um interlocutor, que mesmo quando realizadas solitariamente, em pensamento, pressupõem um outro imaginário a receber essas ideias enquanto ouvinte ou até mesmo agente, formulando assim desejos ficcionais.

Vladimir Léon, já no início de Meus queridos espiões, revela, ao introduzir o filme, que espera encontrar os mistérios da família que excitam sua imaginação desde a infância. Narrador, protagonista e diretor francês do filme, decide abrir o baú sobre o passado de seus avós russos, deportados da França nos anos 1930 por suspeita de “atividade política perigosa”. Eram eles espiões soviéticos? A memória da família não responde essa pergunta. Documentos, cartas e fotos, não clareiam em nada a história, mas foram deixados em uma mala organizada pela família como se demandassem uma investigação futura. Pelo menos este é o sentimento de Vladimir, que convida seu irmão Pierre Léon, cineasta ficcionista de marca maior, para dividir e comungar junto com ele os papeis de protagonista e condutor, ajudando na atividade documental do irmão-diretor nunca presa a esquemas fáceis de classificação.

No caso de Meus queridos espiões, investiguemos as indicações concisas já presentes no título: a troca de cartas e a espionagem. Da primeira, ficamos com o contar, comunicar, esconder, inventar, relatar, registrar. Claro, é necessário aqui o tal interlocutor imaginário, que assume no processo de escrita o papel do referido destinatário distante. Do segundo, ficamos com o observar, aproximar, investigar, descobrir, falsear, revelar, além dos verbos presentes já na primeira parte, utilizados agora a serviço de um poder ou ideal maior. Claro, é necessário aqui que o interlocutor não perceba o espião por completo, para que assim algo passe despercebido.

Os irmãos partem de uma dúvida acerca de seus avós, e já na primeira conversa com os amigos franceses alguns questionamentos ramificados escapam de suas palavras enquanto certeza, por impulso ficcional. “Você agora está afirmando?”, Léon questiona o outro Léon. Com a dúvida e o impulso debaixo dos braços, seguem em jornada para a Rússia em busca de arquivos, conhecidos, locais e histórias, almejando antes de tudo a verdadeira reposta.

Os entrevistados confirmam o nevoeiro cultural a respeito dos passados de suas famílias. A lição difundida no período stalinista em que era melhor não investigar suas origens ecoa até hoje. Prisões, exílios e mortes têm justificativas imprecisas e duvidosas. A Rússia se apresenta receptiva, porém impenetrável, tão clara quanto vigilante. Em poucos dias, a dupla é apresentada na TV local, Pierre é entrevistado inofensivamente e conta mais sobre sua família e o projeto do filme francês. Se havia da parte dos irmãos alguma pretensão espiã ficcional em sua empreitada, esta foi por água abaixo. Suas caras estão estampadas publicamente. Esta abordagem por parte da televisão, seria uma receptividade planejada para que algo passe despercebido? Uma aproximação para se observar mais de perto? Por que um filme independente ganha tanto destaque?

Os órgãos estatais como a sede da antiga KGB e a Direção Geral de Segurança Nacional em pouco ou nada ajudam. É subentendida nas respostas uma queima de arquivo. Memoriais que investigam o horror do período stalinista e defendem os direitos humanos na Rússia são qualificados como “agentes estrangeiros” por Vladimir Putin por conta de seus financiamentos internacionais, termo que remete à Guerra Fria. Após uma série de tentativas inconclusas de adentrar um passado blindado, os dois irmãos parecem ser aos poucos e transparentemente qualificados pelo Estado ao papel de espiões. Aqueles que querem saber demais. Civis inquietos. O pessoal é negado pela política. Por motivos de força maior, o filme é constantemente relegado à categoria de ficção, para que a espionagem dos avós pareça uma invenção dos netos, agora “agentes estrangeiros”. Os irmãos Léon precisam, por fim, ir contra seu impulso inicial, esquecer os desejos ficcionais da imaginação excitada e seguir com aquilo que se torna sua maior força enquanto cineastas: o documental. Mesmo que cada vez mais longe da verdade por trás de suas linhagens.

A utopia do passado contra a distopia do presente






The Watermelon Woman (Cheryl Dunye, 1996)

Por Samy Benammar

“Sometimes you have to create your own history. The Watermelon Woman is fiction.” Assim se conclui o filme cult de Cheryl Dunye invertendo a percepção da narrativa e confirmando, como davam a entender os indícios disseminados no filme, que esse personagem, essa Watermelon Woman, figura libertadora da história das mulheres negras no cinema, lésbicas ainda por cima, era apenas uma construção, um arquivo fabricado do zero. Nessa frase, de uma simplicidade desconcertante, se condensa a potência de uma obra em que se misturam imagens de uma ficção onde a cineasta se põe em cena e o falso documentário que ela desenvolve partindo de uma cena deslumbrante. Ao pé da árvore, a Watermelon Woman que vem reconfortar a mulher branca é evidentemente relegada ao lugar de serva quando, contudo, sua candura, sua postura e sua mão serena colocada sobre o ombro invadem a tela. A cineasta que vê esse filme na televisão de tubo da videolocadora onde trabalha se apaixona por essa cena mas se dá conta de que sua ídola não foi identificada nos créditos, exceto por um apelido que nega sua identidade, transformando-a em um objeto intercambiável. No decorrer dos movimentos de Cheryl, a história entretanto se desenrola, a Watermelon Woman se torna Fae Richards e a fantasia prossegue através de um romance que ela teria tido com a realizadora Martha Page. Uma fronteira frágil se constitui entre o filme e sua produção porque essa escolha de inventar uma atriz negra dos anos 1920 e de chegar a criar documentos artificiais é o resultado de uma pesquisa infrutífera nos arquivos do congresso, onde as mulheres negras são apenas arquétipos, personagens funcionalistas e sem intimidade.

Se o letreiro final de Watermelon Woman é tão perturbador é que, diante dele, eu sinto um desejo de resistência: afirmar que uma pesquisa satisfatória permitiria fazer ressurgir verdadeiras imagens, que foi por falta de recursos que Cheryl não conseguiu encontrar uma fonte real à qual se apegar. Eu repenso então nas minhas aulas de cinema, na minha memória se sucedem os irmãos Lumière, Murnau, Méliès, Gance, Keaton, Vidor, Eisenstein, minhas notas sobre o cinematógrafo são cobertas de nomes e a única figura negra que se encontra ali é a tinta, o resto foi apagado. Eu me obstino, tento perceber entre os quadros da universidade um fragmento de Micheaux, uma migalha, mesmo que seja apenas uma cena de Within Our Gates (1920), mas a realidade é bem aquela de Cheryl Dunye: eu vi tão pouco desses raros filmes de uma outra época, na qual isso que se chamará de “race film” já era apenas uma página anedótica, um pedaço esquecido da história do cinema, nunca reconhecido pelos grandes pensadores, os grandes estúdios ou os grandes professores, relegado a algumas salas de periferia para que as pessoas negras tenham seus filmes e deixem Hollywood em paz.

E depois eu penso na textura, nas imagens em vídeo de baixa qualidade que nos levam de volta ao tempo do VHS. Essa jovem cineasta e seu material rudimentar, emprestado por uma amiga, me remetem inevitavelmente a uma nova acessibilidade da imagem até então confinada a certos orçamentos hollywoodianos ou a alguns cineastas experimentais que roubam pedaços de película 16mm. O rosto de Sherley, esse nome dado a todas as mulheres cujo retrato servia de imagem de referência para a colorimetria das películas Kodak, se sobrepõe então àquele da Watermelon, provocando um contraste insuportável entre a bem visível e real Sherley e a invisível ficção de Fae. Foi só nos anos 90, especialmente através da televisão em que novas tecnologias do vídeo são desenvolvidas para calibrar a imagem dependendo da cor da pele que ali aparece, que a Kodak Gold foi comercializada adaptando enfim os padrões químicos do 35mm à diversidade dos rostos que devem ser representados. Até então e até na sua matéria prima, o cinema apagava certos traços em benefício de outros e é ainda mais perturbador imaginar que essa tomada de consciência intervém tão tarde, no momento em que Cheryl Dunye realiza suas primeiras pesquisas.





Eu acredito que é necessário, aliás, dar um pouco de espaço ao sujeito que produz esse comentário, porque Cheryl nos lançou, me lançou, uma mensagem direta nesse letreiro final que traz o filme de volta ao humano que o produziu, àquele que o recebe, que é interpelado, convidado a seguir o combate. Então eu me autorizo um pequeno desvio no comentário para falar um pouco de mim. E se eu não compartilho a cor de Cheryl, nem a da Watermelon Woman, se esse filme marcado tanto pela identidade negra quanto lésbica me escapa por certos aspectos, pois só poderíamos imaginar, pensar uma opressão que nós mesmos não sofremos e a dor dos outros não nos pertence. Contudo eu me reconheço também nesse rosto porque vindo de uma imigração algeriana, eu tenho apenas poucos traços da história do meu cinema (esse “meu” soa tão justo quanto falso). É a mesma coisa para as populações chinesas da América e seus “race films” que também não tiveram direito a um cuidado arquivístico até os anos 1980. Então eu não posso me impedir de compreender esse filme como uma chamada geral, não apenas por todas as Fae Richards que nunca existiram mas também todos os estrangeiros cuja tez se afastava um pouco demais daquela de Sherley.

No vazio desses documentos ausentes, as palavras de Susan Sontag em Regarding the Pain of Others se carregam de sentido. Ela sinaliza ali a ausência do museu da escravidão, em 2003, no território americano e evidencia o problema comparando-o ao grande número de museus da Shoah. Essa constatação surpreendente de uma história recente melhor documentada que uma passagem mais antiga e mais fortemente ancorada na América faz com que ela formule a hipótese de que ainda hoje a constituição americana repousa sobre a exploração desses corpos sub-representados, tanto no cinema quanto em qualquer lugar. Aliás, essa memória é perigosa demais para o equilíbrio social porque ela põe em dúvida o poder vigente (ao contrário do holocausto que permite criticar os bárbaros da Alemanha nazista sem questionar a América de hoje). Isso era verdade em 2003, ainda mais em 1996 e o problema, tendo em vista os acontecimentos do ano 2020, é ainda, talvez mais do que nunca, atual. É por esta razão também, que na falta de um arquivo oficial, The Watermelon Woman construiu seu próprio museu, certamente falso mas que preenche o vazio deixado pelo apagamento, faz sobreviver uma fantasia no pesadelo da história.

A questão aqui é menos de estudar em detalhe todas as pistas que questionam o lugar dos afro-descendentes na história do cinema, mas talvez simplesmente de evocá-los, evidenciar a multiplicidade de questões complexas que dizem respeito tanto à técnica da imagem quanto a seus atores, tanto aos estúdios de produção quanto aos cineastas, sem encontrar o responsável pois, como Cheryl Dunye propõe, parece necessário em algum lugar acompanhar a acusação de um pouco de humor, de esperança sobretudo. E se podemos discutir mais profundamente Watermelon Woman, e toda a sutileza de sua proposição – o personagem da artista branca por exemplo é tanto criticado pela sua aristocracia quanto valorizado pois seu olhar externo estabelece um diálogo com Cheryl -, eu prefiro aqui me deter sobre esse letreiro final cuja potência reside na autenticidade, na transparência e na presença bruta de uma realizadora que rompe, durante alguns segundos, o contrato da ficção estranha de seu filme. Ela vem então nos falar, no silêncio dos créditos, através de algumas letras sobre um fundo negro, de urgência e esperança.

Durante essa época, em 1996, o homem branco persegue sua Missão: Impossível para salvar o mundo da destruição, proteger Oklahoma de um Tornado e São Francisco de ataques terroristas. Quando ressurgem as narrativas catastróficas com Independence Day no topo da fila, Hollywood constrói o horror do futuro, a enésima guerra contra a qual a potência americana nos salvará para restabelecer a ordem precedente. De novo e sempre a invasão, uma luta que por muito tempo foi conduzida contra aqueles que são chamados de aliens, um termo que se traduz tanto por extraterrestre quanto por estrangeiro, alguém que não pertence à população estabelecida – aquela que deseja que nada mude. Um simples escorregão é suficiente para iluminar o silêncio ao qual uma parte da humanidade já está submetida, quando não se trata mais de preservar o mundo, mas de mudá-lo, as narrativas não se voltam mais em direção ao pior que poderia nos acontecer mas àquilo que já foi produzido. Nalgum lugar eu também me construí uma ficção na qual Cheryl Dunye, além de si, se constitui em Will Smith do passado, enviando uma mulher numa viagem no tempo para restabelecer a ordem entre os fotogramas e permitir oferecer alguns arquivos para decantar os germes de uma história voltada para o futuro. O dia da independência está no passado, as guerras foram perdidas mas a Watermelon Woman, como um fantasma, parece murmurar, no desvio de um letreiro final, que a ausência, o apagamento suportado por tanto tempo deve ser um motor e não um freio para as câmeras do futuro, aquelas que ainda têm todo o tempo para escrever sua própria versão do cinema.

L'utopie du passé contre la dystopie du présent foi publicado originalmente no site "Panorama-Cinéma" (Watermelon Woman, The - Critique (panorama-cinema.com)) no dia 31 de dezembro de 2020. Tradução: Miguel Haoni.

Resposta a “C.N.C”



Por Pascal Kané

Que Skorecki, no texto precedente[1], veja na escolha dos autores operada pelos Cahiers apenas reflexo culturalista, submissão à imagem de marca imposta por esses filmes, seria certamente uma tese admissível (mas sem ser, de resto, totalmente nova, já que integrada a um certo número de textos que se reportam a esses autores), se aquilo em nome do que essa tese é formulada operasse na atual produção cinematográfica algum corte, constituísse um suporte metodológico (ou ético) a partir do qual se tentasse repensar o que deveria ser, o que deve ser hoje – pois hoje, talvez mais do que nunca, isso nos falta – uma crítica de cinema viva. Em vez disso, o texto, em nome de uma certa verdade cinéfila, estabelece somente uma lista diferente de vencedores e indica uma direção: seria na televisão, mas em suas zonas mais obscuras, que “algo da lucidez alucinada da cinefilia de ontem”, que um retorno mínimo à paixão pelo cinema, seria possível.

Essas posições, deliberadamente polêmicas, mas muito coerentes, evidentemente convocam um debate. Debate histórico, certamente, já que a cinefilia desde então perdeu seu sentido, mas que abrange, na verdade, questões muito atuais (não somente em relação a este ou aquele cineasta do presente, cujos procedimentos são justificáveis, mas em relação à revista, da qual a cinefilia constituiu o núcleo formador de um certo número de colaboradores).

Como veremos, a cinefilia não é simples: ela seria, antes, dupla. Skorecki, na verdade, se expressa em nome de um aspecto da cinefilia contra um outro. Está na hora, portanto, de restabelecer essa dualidade histórica, e não mais passar complacentemente por um certo obscurantismo e um certo terrorismo cinéfilo (segunda tendência que o artigo acima não deixa de reviver, e que pode conduzir a propostas tão extravagantes, tão privadas de sentido quanto dizer que Jacques Tourneur é o maior cineasta do mundo, ou a alucinar perpetuamente, em tal ou tal detalhe de mise en scène invisível para o neófito, toda a “verdade” do cinema). Seria melhor reconhecer, nessas atitudes demasiadamente apaixonadas, uma incapacidade manifesta de falar verdadeiramente do cinema, de produzir algo em matéria de uma visão, em vez de reproduzir dessa maneira estéril e finalmente masoquista uma fascinação pelo objeto – fascinação que hoje sabemos ter sido a palavra-mestra dessa cinefilia (é nomeadamente da mais antiga, da mac-mahoniana, de que falo).

Essa cinefilia atinge seu grau de exposição mais perfeito e definitivo com o artigo de Michel Mourlet, “Sobre uma arte ignorada” (Cahiers nº 98), o qual expõe a vaidade de todo trabalho crítico, de todo ponto de vista. Ele escreve, particularmente: “A absorção da consciência pelo espetáculo se nomeia fascinação: impossibilidade de se arrancar das imagens, movimento imperceptível rumo à tela de todo o ser tencionado, abolição de si nas maravilhas de um universo onde até mesmo morrer se situa no extremo do desejo. (...). O movimento, domínio específico de nossa arte, deve se adensar de um jogo ou se encher de uma graça tais que ele impede a irrupção da consciência crítica no encadeamento dos atos filmados[2]. Que fique claro: não é o “anti-brechtismo” sistemático de Mourlet (!) que é criticável (o brechtismo teria sido provavelmente liquidador), é que, ao negar a distância às obras, ele abole todo ponto de vista presente e, portanto, toda possibilidade de aferir algo delas (o que ele postula, no fundo). Também a “mise en scène” (cf. acima), cuja função habitual de máscara e de revestimento, em Hollywood, opera através das figuras tão diversas quanto a elipse temporal, a narrativa em primeira pessoa, o controle e domínio da profundidade de campo, nunca é analisada como tal, mas é sempre referida a um Mistério em torno do qual giraria toda a magia do cinema. É o que reproduz o artigo de L.S., quando ele vê na “cinzelagem de um detalhe”, na “iluminação de um gesto”, a única marca verdadeira de um autor. Ora, essa magia, ao contrário, residia na perfeita integração das diferentes fases produtivas entre si: daí a importância do produtor, e particularmente na obra de certos cineastas (como Jacques Tourneur, justamente).

As proposições e pressupostos de Skorecki vão muito no sentido da reprodução dessa fascinação da qual, em última instância, os cinéfilos não souberam fazer nada, antes de serem varridos por uma crítica política (pois a política não deixava de produzir algo, ela, e em todos os campos).



A cinefilia mac-mahoniana nunca foi, a meu ver, uma escola crítica, em função de uma “política dos autores” que a cegava para tudo que fosse estranho a seus critérios (e que fazia Mourlet escrever, por exemplo, que “podemos predizer sem grande perigo de ser desmentidos que Welles, Kazan, Visconti, Antonioni e outros senhores atuais se tornarão intoleráveis em vinte anos”, sendo, ao mesmo tempo, “desde sempre aos mais sensíveis” (op. cit.)).

Voltemos um pouco, então, a esses critérios mac-mahonianos, muito velados no artigo de Skorecki. O primeiro mal-entendido concerne a noção de autor: não se trata de forma alguma do cineasta que escreve um roteiro antes de filmá-lo, mas, ao contrário, praticamente exclusivamente, do diretor de roteiros que são escritos por outros e que são propostos por um produtor. Os autores eleitos, então, são, paradoxalmente, os que menos o são; os que deixam o funcionamento da máquina hollywoodiana o mais intacto possível, de forma que possam provocar o sentimento de que se apropriam dela em sua totalidade. Junto às justificações dadas (amor pela mise en scène pura, isto é, justamente por aquilo que os literatos da crítica de cinema da época deixavam escapar), a cinefilia mac-mahoniana se baseava, na verdade, em uma fascinação pela máquina hollywoodiana, em que a mise en scène, totalmente integrada às outras fases produtivas, representava o momento de exposição privilegiado – momento onde nada deveria ser atribuído a uma determinada vontade (“toda ruptura da impassibilidade do cinema com fins expressivos trai precisamente esses fins”, sempre Mourlet)[3]. Daí esse ódio ao Autor, isto é, àquele que converte a maquinaria a seu favor ou que quer se opor a ela, o que explica tanto o famoso panteão mac-mahoniano quanto o desprezo no qual couberam a quase-totalidade dos grandes cineastas, de Rossellini a Hitchcock, de Eisenstein a Renoir (uma exceção importante foi Lang, porque ele foi, de fato, o único a se identificar com o conjunto da máquina cinematográfica como seu Criador).

Foi essa vontade contemplativa que isolou o mac-mahonismo e lhe retirou toda produtividade, impedindo-o de compreender para onde se dirigia o cinema no final dos anos cinquenta: cegueira a tudo que não era mise en scène pura (isto é, “integrada”), mas também ignorância grosseira diante de porções inteiras da história do cinema. Essas deficiências graves acabaram dividindo a cinefilia, abrindo-a a uma abordagem mais culta e, sobretudo, mais operatória, que foi a dos Cahiers (e outros) a partir daquele momento. Skorecki cita apenas Douchet, mas Rivette, Rohmer e Truffaut são aqueles em que pensamos primeiro (todos ansiosos para tocar no essencial da questão), sem falar de Bazin, que, justamente por ser um crítico e um teórico, permaneceu muito distante da cinefilia pura (além disso, é notável que continuemos a encontrar genialidade em Bazin, quando uma boa parte de suas escolhas críticas foi abandonada nos Cahiers. Mas a crítica, mesmo positiva de um filme ruim, pode resguardar mais inteligência do cinema do que a mais inteligente escolha de filmes).

Para que a cinefilia pudesse desempenhar um papel na história do cinema, ou seja, para que ela se tornasse uma escola crítica e uma escola de diretores, foi preciso, então, que outras considerações – concretas, políticas no sentido mais amplo – interviessem. Foi preciso que a cinefilia fosse confrontada a um presente, a um desejo de cinema.

Desse novo aspecto da cinefilia, igualmente autêntico, Skorecki não fala. Seu artigo parece reter (além da famosa inteligência do cinema) apenas seus aspectos menos recomendáveis e mais irritantes, como essa incapacidade de sustentar qualquer escolha que seja compensada por uma hiper-valorização maníaca de alguns autores e alguns filmes (Tourneur e outros para ontem, e para hoje uma escolha interessante que gostaríamos de saber o que lhe sustenta para além do fato de não conceder aos seus fabricantes o estatuto de autores). Pois é precisamente na eleição que tudo sempre foi jogado: há uma certa cinefilia que nunca foi mais do que atribuir estrelas, estabelecer rankings, derrubar quadras de ases
[4]. Paradoxais e terroristas, esses gostos foram suficientes para distinguir o cinéfilo dos espectadores em geral. É por isso que o cinéfilo detestava toda norma de produção diferente, toda forma de marginalidade no cinema (cinema experimental, correntes emergentes como o neorrealismo, Godard, como o diz muito bem L.S., etc). Ele precisava se situar no mesmo terreno que o grande público para tornar sensível a distância de sua visão, e a cinefilia antiga, no fundo, não é senão a valorização dessa distância: pequena perversão cuidadosamente cultivada, e tornada cega à sua natureza parasitária, como o diz Skorecki novamente.

Me parece que a televisão desempenha, nesse sistema de Skorecki, um papel mais ou menos análogo ao do cinema clássico para os cinéfilos de então – a questão tornando-se mais complexa hoje, visto que não se trata mais simplesmente de salvaguardar essa perversão, mas de atualizá-la: a produção cinematográfica atual não podendo mais desempenhar esse papel, já que o “Autor” tornou-se preponderante nela, mesmo nos filmes mais ordinários e menos pessoais, era preciso recorrer à televisão, onde não são os autores, de fato, que constrangem a maquinaria: mas por trás do apagamento do autor na televisão, já não é mais tão difícil, hoje, discernir o lugar que ocupam outros poderes, os quais não podemos mais fingir ignorar, como nos dias áureos de Hollywood.

Com uma grande diferença, no entanto: a fantástica máquina hollywoodiana era fascinante como tal; o dispositivo televisivo, por outro lado, é execrável, e se a televisão ainda pode fascinar, é precisamente porque a máquina não pára, justamente, de derrapar (e os efeitos de verdade, de surgir). Aí está o único ponto comum: desfrutar da televisão também implica um ponto de vista perverso e Skorecki sabe bem disso.


[1] O texto de Kané, publicado na mesma edição de Contra a nova cinefilia, vem logo após o texto de Skorecki (N.d.T).

[2] Os trechos em português de Sobre uma arte ignorada são retirados da tradução feita por Luiz Carlos Oliveira Jr. (N.d.T).

[3] Skorecki não se engana, aliás, quando diz preferir os filmes entravados de Losey àqueles ditos “livres” (o argumento seria também ainda mais forte com Preminger que realizou grandes filmes no início de sua carreira – Whirlpool, Angel Face, até Anatomy of a Murder -, e que se perdeu em seguida, pouco a pouco, num estilo paranoico e estreitamente ideológico. Mas essa evolução era inelutável, e a liberdade concedida aos diretores correspondia a uma nova forma bem geral de conceber o trabalho de cena...

[4] Prática retomada pelo famoso “Conselho dos dez” dos Cahiers: opondo alguns críticos conhecidos da equipe dos Cahiers, era precisamente o gosto dessa última (ah, tão intuitivo e original, apesar dos seus pontos cegos) que se sobressaia, e que justificava a meu ver essa prática numa revista que não passava seu tempo a celebrar cultos (como Présence du cinéma por exemplo, da qual Skorecki, a propósito de Tourneur, oferece involuntariamente um modelo, baseado em citações banais e paradigmáticas do autor, divinizadas em seguida por seus turiferários).
Quanto às atuais distribuições de estrelas nas revistas de cinema, elas não têm mais o mesmo status: todo paradoxo e agressividade cinefílica desapareceram, são apenas resumos de pontos de vista, digestos de subcultura.

Réponse a “C.N.C.” foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma, nº 293, outubro de 1978. Tradução: Luiz Fernando Coutinho.