Por Jean-Luc Godard
Dizer que Renoir é o mais inteligente dos cineastas é como dizer que ele é francês até o último fio de cabelo. E se Elena e os homens é “o” filme francês por excelência, é porque ele é o filme mais inteligente do mundo. A arte ao mesmo tempo que a teoria da arte. A beleza ao mesmo tempo que o segredo da beleza. O cinema ao mesmo tempo que a explicação do cinema.
Nossa bela Elena é apenas uma musa do departamento. Sem dúvida. Mas à procura do absoluto. Pois filmando Vênus entre os homens, Renoir, durante uma hora e meia, sobrepõe o ponto de vista do Olimpo ao dos mortais. Diante dos nossos olhos, a metamorfose dos Deuses cessa de ser um slogan de bazar para se tornar um espetáculo de uma comicidade desoladora. Pelo mais belo dos paradoxos, na verdade, em Elena, os imortais aspiram morrer. Para ter certeza de viver, é preciso ter certeza de amar. E para ter certeza de amar, é preciso ter certeza de morrer. Eis o que descobre Elena nos braços dos homens. Eis a estranha e dura moral desta fábula moderna disfarçada de ópera-bufa.
Trinta anos de improvisação na filmagem fizeram de Renoir o primeiro técnico do mundo. Ele faz em um plano aquilo que os outros fariam em dez. O que eles fariam num só plano, por sua vez, Renoir dispensaria. Jamais um filme foi mais livre que Elena. Porém, no mais profundo das coisas, a liberdade é a necessidade. E jamais um filme foi mais lógico.
Elena é o filme mais mozarteano de seu autor. Menos pela aparência exterior, como A regra do jogo, do que pela filosofia. O Renoir que termina French Cancan e prepara Elena é um pouco, moralmente, o mesmo homem que conclui o “Concerto para clarinete” e começa “A Flauta mágica”. Quanto ao fundo: mesma ironia e mesmo desgosto. Quanto à forma: mesma audácia genial na simplicidade. À questão, o que é o cinema? Elena responde: mais que o cinema.
1956 - Eléna et les hommes foi publicado na revista Cahiers du Cinéma, n° 78, Natal de 1957. Tradução: Miguel Haoni.
Nenhum comentário:
Postar um comentário