O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Montagem, minha bela inquietação



Por Jean-Luc Godard

Isto salva-se na montagem: verdade de James Cruze, Griffith, Stroheim, tal máxima quase já não era a de Murnau e Chaplin, tornando-se irremediavelmente falsa no cinema sonoro. Por que? Porque num filme como Outubro (e mais ainda em Que viva México!) a montagem é sobretudo o propósito da mise en scène. Não podemos separar uma da outra sem correr perigo. Seria como separar o ritmo da melodia. Elena e os homens, assim como Arkadin, são modelos de montagem pois, cada um em seu gênero, são antes modelos de mise en scène... Isto salva-se na montagem: logo, um axioma típico de produtor. O que elevará ao máximo a montagem corretamente realizada num filme de outro modo desprovido de interesse é, precisamente, a impressão deste ter sido expressivamente encenado. A montagem devolverá ao que foi surpreendido ao vivo aquela graça efêmera que o esnobe e o amador negligenciam, ou então transformará o acaso em destino. Há elogio mais vivo que o do público, não importa quem, que a confunde, e com razão, com a decupagem?

Se a encenação é um olhar, a montagem é a batida de um coração. Prever é próprio de ambas; mas aquilo que uma procura prever no espaço, a outra o faz no tempo. Suponhamos que percebo na rua uma moça que me agrada. Hesito em segui-la. Um quarto de segundo. Como exprimir tal hesitação? À questão: "como aproximar-se?" responderá a mise en scène. Mas para tornar explícita esta outra questão: "Irei amá-la?", concordaremos forçosamente a respeito da importância do quarto de segundo durante o qual nascem ambas as questões. Logo, é possível que não caiba à mise en scène propriamente dita exprimir com exatidão e evidência a duração de uma ideia, seu brusco florescimento no curso da narração, mas que isto caiba à montagem. Quando? Sem jogo de palavras, a cada vez que exija a situação, que no interior do plano um efeito de choque demande o lugar de um arabesco, que de uma cena à outra a continuidade profunda do filme imponha através da troca de plano a superposição de uma descrição de caráter àquela da intriga. Vemos através deste exemplo que falar de mise en scène é, automaticamente, já e ainda falar de montagem. Quando os efeitos de montagem prevalecem em eficácia aos de mise en scène, a beleza desta encontrar-se-á dobrada, de seu charme o imprevisto que desvela os segredos através de uma operação análoga a que consiste, na matemática, na colocação em evidência de uma incógnita.



Quem cede à atração da montagem cede também à tentação do plano curto. Como? Fazendo do olhar a peça-chave de seu jogo. Combinar [raccorder] através de um olhar é quase a própria definição de montagem, sua ambição suprema ao mesmo tempo que sua sujeição à mise en scène. É, com efeito, fazer ressurgir a alma sob o espírito, a paixão por detrás da maquinação, fazer prevalecer o coração à inteligência ao destruir a noção do espaço em proveito do tempo. A famosa sequência dos címbalos na versão nova de O Homem que sabia demais é disto a melhor prova. Saber até quando se pode fazer durar uma cena já é montagem, assim como preocupar-se com os raccords faz parte ainda dos problemas de filmagem. Um filme genialmente encenado dá a impressão de um simples passo-a-passo, sem dúvida, mas um filme montado de forma genial dá a impressão de ter suprimido toda mise en scène. Cinematograficamente falando, a propósito, a batalha de Alexandre Nevski não deve nada a Marinheiro por Descuido. Em suma, dar a impressão da duração pelo movimento, do close através de um plano de conjunto, seria um dos objetivos da mise en scène, enquanto seu inverso um dos objetivos da montagem. Improvisa-se, inventa-se diante da moviola como diante do cenário. Cortar um movimento de câmera em quatro pode revelar-se mais eficaz do que vê-lo tal como foi rodado. Uma troca de olhares, para retomar o exemplo de agora há pouco, apenas um habilidoso efeito de montagem poderia exprimi-lo de modo igualmente cortante, quando necessário. Quando em Um Caso Tenebroso, de Balzac, Peyrade e Corentin forçam a porta do salão Saint-Cygne, seu primeiro olhar é para Laurence: "Vamos te pegar, minha cara" - "Não saberão de nada". A brava jovem e os espiões de Fouché adivinharam de um só golpe seu mais mortal inimigo. Esta terrível troca de olhares, um simples campo-contracampo, por sua sobriedade mesma, exprime-a com mais força que qualquer travelling ou panorâmica premeditada. O que se trata de exprimir é quanto tempo durará a luta e sobre que terreno esta irá se desenrolar. A montagem, consequentemente, ao mesmo tempo em que a nega, anuncia e prepara a mise en scène; uma e outra são interdependentes. Encenar é maquinar, e de uma maquinação diremos se está bem ou mal montada.

Eis a razão em dizer que um realizador deve supervisionar de perto a montagem de seu filme, o que equivale a dizer que o montador também deve deixar o cheiro de cola e película pelo calor dos refletores. Perambulando no set de filmagem, veria sobre o quê exatamente aflui o interesse de uma cena, quais os momentos fortes e fracos, o que incita a troca de plano, e não cederia portanto unicamente no corte à tentação do raccord no movimento, a b c da montagem, admito, mas à estrita condição de não utilizá-lo de forma mecânica demais, como faz, por exemplo, Marguerite Renoir, que dá frequentemente a impressão de cortar uma cena justo quando a mesma está ficando interessante. Tais seriam os primeiros passos, com o tempo, de montador a cineasta.

Montage, mon beau souci foi originalmente publicado na revista Cahiers du cinéma, n° 65, dezembro de 1956. Tradução: Eduardo Savella.

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