A guerra de posições entre a sétima arte e as estranhas claraboias, com seus encontros perdidos e suas toneladas de ressentimento não está acabada. Esse velho casal não disse sua última palavra. O cinema se reanima? Sim, mas em qual estado? Podemos ainda dizer sem rir: o cinema, a televisão? Sabemos hoje que a sobrevivência do cinema depende em boa parte da televisão. Que o cinema é, simultaneamente, a renda, a dançarina e o refém da TV. O que sabemos menos é que, esteticamente também, o cinema perdeu sua bela autonomia. A TV não ganhou, no entanto. É um híbrido, o telefilme, que ganhou. O telefilme e a novela. Em Nice, esse ano, na ocasião de um festival do cinema italiano, um jurado revoltado insistiu em salientar isto: ele nunca teve a sensação de julgar filmes, mas telefilmes. Sinal dos tempos.
Pois há uma história da nossa percepção das imagens e sons pré-gravados (“o audio-visual”, palavra tecnocrática e feia). Nossa percepção do cine-visível e do cine-audível, como diria Dziga Vertov, passou pelo cinema, surdo depois falado, e então pela televisão. Ela começa a ser trabalhada pelo vídeo. É nessa “história do olho” que o casal cinema-televisão ainda se mantém como protagonista.
Flashback. Anos 50: começo da televisão. A TV não veio depois do cinema, para o substituir. Ela veio quando o cinema cessou de ser eterno. Quando lhe ocorreu a suspeita de que ele era mortal — logo, moderno. Ligado à atualidade. Sem recuo. Foi preciso uma guerra mundial (a segunda) e um continente (a Europa, mais Orson Welles que é um continente por si só) para isso.
Ser moderno, não é “transtornar a linguagem” do cinema (ideia ingênua), é sentir que não estamos mais sozinhos. Sentir que um outro meio, uma outra maneira de manipular as imagens e os sons, está prolongando os interstícios do cinema. O cinema foi primeiramente muito seguro de si (basta reler os textos de Gance ou de Eisenstein), ele começou por “devorar” tudo que o precedeu: o teatro, a dança, a literatura foram impiedosamente filmados. E então, um dia, um, dois, três cineastas sentem que é menos verdade, que o cinema tem menos apetite, que um monstro ainda mais voraz surgiu.
Há poucos filmes tão perturbadores quanto Um rei em Nova York (1957). Chaplin se coloca em cena como um rei deposto, tendo abandonado seu reino (o cinema, a América), obrigado a ganhar sua vida atuando em uma publicidade (para uma marca de whisky, seu único diálogo é “miam-miam!”). O maior cineasta do mundo indica apenas, com uma ironia mordaz, que o centro de gravidade do cinema acaba de se deslocar. Ele não é o único. Entre o fim da guerra e a irrupção das nouvelles vagues (ou seja, uma quinzena de anos), os cineastas mais modernos foram frequentemente, avant la lettre, grandes teleastas. A televisão estava no fim de suas linhas de fuga, seus horizontes, seus inconscientes.
Por que isso? Hipótese: depois da guerra, na Europa, não era mais uma questão fazer o cinema servir às grandes causas e aos ideais tolos, não era mais uma questão de “uma arte total” ao serviço da “guerra total”, estava fora de questão uma música ou uma dança que nos submetiam a um ritmo. Começa a época da “caméra-stylo”, o gosto pelas microanálises, amostras anônimas, da queda das stars e, através das técnicas do direto, a era da vigilância. O cinema põe-se à espreita. Encontramos tudo isso em Rossellini (o primeiro grande repórter-viajante: Alemanha, ano zero), em Tati (o primeiro grande repórter esportivo: Carrossel da esperança), em Welles (o primeiro grande apresentador de programa, manipulado de preferência: Grilhões do passado), em Bresson (o primeiro inventor de jogos-dispositivos sádicos: Pickpocket). E mesmo no velho Renoir (o primeiro a filmar com várias câmeras, para a televisão: O testamento do doutor Cordelier). E, claro, no velho Lang-Mabuse, o primeiro chefe regente do vídeo-paranoico. Eles todos, de perto ou de longe, sabendo-o ou não, anteciparam o que deveria ser o normal da televisão.
Pois a televisão, logo, é isso: um monstro brando que está de olho em nós e que nós, também, estamos de olho nele! Mas não mais nem menos que um gato ou um peixe dourado.
Cômico: a parte mais vivamente dilacerada, a mais “artista” do cinema (do neorrealismo italiano a Nouvelle Vague francesa) está sincronizada com um novo continente de imagens brutas, bárbaras, ainda mal delineadas. Anos 50: a TV (que ainda não sabe nada dos seus poderes) e o cinema (que começa a refletir sobre os seus, que se dedica a introspecção) se cruzam. Pois não haverá intermediário entre eles. Salvo nos sonhos obstinados de alguns visionários como Rossellini ou Godard que – escândalo — farão televisão: de O Absolutismo: A Ascensão de Luís XIV à France Tour Détour Deux Enfants.
Pois a partir dos anos 60, o triunfo de uma televisão que se tornou muito consciente de seu peso social e de seu papel de enquadramento vai dispersar pouco a pouco o cinema de sua modernidade. O cinema dará início a sua regressão: cinefilia, necrocinefilia, modas retrôs, gosto do kitsch, cinema celebrando o cinema como uma nostalgia, “cinema à antiga” que fazemos reviver nas velhas salas — e em breve na TV — com esquimós em estuque, lanterninhas mumificados, programações de época. O cinema reduzido ao seu rito.
Passemos à TV. No começo, certamente, é a idade de ouro. Ela é feita por artesãos. Aventureiros, amadores, animadores. A televisão é primeiramente divertida. Chega (muito rápido) o momento em que o poder central (então, gaullista) acredita ver na televisão um formidável regulador social duplicado em escola noturna. Essa reforçando aquela. Homens de poder (barões, não necessariamente gaullistas) se precipitam nesse segmento. Hoje, anciãos da ORTF como Spade ou Dumayet situam essa reviravolta decisiva por volta de 1964. Ou melhor, essa derrapagem. A televisão tornara-se menos divertida, ela perdera seu frescor. Havíamos decidido na alta sociedade que ela deveria ter, ela também, sua especificidade, nós não a encontráramos jamais, e com razão. Ela estava lá, toda encontrada, desde o início. Mas não a queríamos ver. Nós tínhamos um pouco de vergonha.
Jerry Lewis disse um dia (com um desprezo não disfarçado) que a televisão era perfeita para informações e jogos, news and games. É verdade que nos EUA, ela fora raramente outra coisa. Na França, por outro lado, ela se vê confiada a uma importante missão social. Em primeiro lugar instruir e, em seguida, divertir. Primeiramente o curso permanente de instrução cívica, a história da França repetida até vomitarmos, toda a literatura do século XIX tornada “dramática”. Em seguida: news and games.
Essa nobre tarefa, infelizmente, não tinha em conta o que havia de novo no meio televisão. Sua especificidade, se quisermos. Seus próprios pseudópodes. A lista é longa. Em desordem: o impacto e os acasos do direto, a grande reportagem e o folhetim, o esporte e as câmeras lentas que ajudam a ver melhor, os interlúdios e le petit train, a mira, os jogos frequentemente débeis mas sempre complexos, o erotismo das locutoras, a Gilbertbrushing, o tratamento diferente de uma imagem — ela mesma diferente —, as incrustações e as cores achatadas, o circo e os risos enlatados, os debates minutados e o show daqueles que nos governam, os efeitos de feedback do vídeo, etc. Todo um mundo. Ainda pouco explorado (apesar de precursores como Averty).
A televisão tinha dois futuros possíveis. O videogame e a escola noturna. Um futuro-flipper e um futuro-teatro. Duas maneiras de perceber a imagem, de fabricá-la. Em suma, duas estéticas. Por ora, é a escola noturna que o arrebatou. É a TV-reciclagem. Reciclamos as outras artes (e o cinema mais que as outras) e reciclamos o telespectador, esse eterno grande debutante. Essa situação, notemos de passagem, é bem francesa. Bem francesa, essa oposição entre TV fútil e TV responsável. Em qualquer outro lugar, isso se passou de maneira diferente. No Japão, por exemplo, podemos interrogar seu terminal sobre todo tipo de assunto, incluindo sobre o assunto “valores tradicionais japoneses”, caso tenhamos um lapso de memória! Bárbaro, o Japão. Na França, a TV-reciclagem sempre cobiçou a dignidade cultural. Ela herdou então do academicismo de um cinema francês já moribundo (a QF e a repugnante tradição do intimismo psicológico “à la française”) e fez dele, coitada, seu modelo, seu superego. A tão aclamada “dramática televisiva” simbolizou essa derrapagem e essa escolha. Ela permanecerá como uma das vergonhas do século. Ela, a propósito, ainda não soltou seus gritos mais enfáticos. Esperemos oito centésima vigésima-sétima versão dos Miseráveis, a versão Hossein-Ventura. Esperemos a TV socialista. Temamos.
A televisão, então, desprezou, rebaixou, repeliu seu futuro vídeo, o único por meio do qual ele tinha uma chance de herdar o cinema moderno do pós-guerra. Desse cinema à espreita. Do gosto pela imagem decomposta e recomposta, da ruptura com o teatro, de uma outra percepção do corpo humano e de seu banho de imagens e de sons. É preciso esperar que o desenvolvimento da vídeo-arte ameace, por sua vez, a TV, envergonhe-a de sua timidez.
No momento, a televisão manteve sobretudo em uma redoma (protegida por um corporativismo de ferro) um sub-cinema e é esse sub-cinema que se tornou dominante. Economicamente e esteticamente. Pois o divórcio institucional entre cinema e televisão fora tal que ele tivera como consequência paradoxal a restauração do cinema. Fora o caso dos circuitos que se passou durante os anos 70. Mas esse cinema restaurado é, esteticamente, um golem. Ele é menos o herdeiro do velho cinema que da forma com a qual o telefilme (e a novela) colonizaram o cinema. Então, o cinema se reanima? Sim, mas em qual estado? O que resta das verdadeiras invenções do cinema?
1. O cinema tinha levado muito longe a percepção da distância. Distância entre os personagens, entre eles e a câmera, entre a câmera e nós. Distâncias imaginárias (visto que o ecrã é plano), mas ainda assim bem precisas. Essa “profundidade de campo” era essencial ao star-system já que ela permitia isolar e iluminar figuras (ídolos ou monstros). Quando um cineasta jogava com as distâncias, isso não era nada. O travelling sobre Nana agonizante em Renoir ou o extraordinário movimento de câmera que abre A nova saga do clã Taira de Mizoguchi são hieróglifos traçados no espaço. Apenas esse traço perturbava.
O que se passou em seguida? O travelling não desapareceu mas o zoom chegou. O zoom tornou-se a forma através da qual nós apreendemos o espaço. Foi um certo Frank G. Back que o inventou para filmar o esporte à la télé. Foi Rossellini (não por acaso) que fizera dele o primeiro uso sistemático. O zoom não é mais uma arte da aproximação mas uma ginástica comparável àquela do boxeador que dança para não encontrar o adversário. O travelling veiculava o desejo, o zoom difunde a fobia. O zoom não tem nada a ver com o olhar, é uma maneira de tocar com o olho. Toda uma cenografia, feita de jogos entre a figura e o fundo, se torna incompreensível. Filmes como Francisca se tornam simplesmente difíceis de perceber para o espectador atual. Desde que a câmera não se mexa, lhe parece que nada se mexe. E se nada se mexe, lhe parece que ele não tem nada para ver.
2. Outra coisa. O cinema tinha levado muito longe a arte do fora de campo, do off. Muitos efeitos de medo, de êxtase, de frustração vinham pois certas coisas eram filmadas mais que outras que permaneciam no fora de campo. A erotização das bordas do quadro, o quadro considerado como zona erógena, todos os jogos de entrada e saída do campo, os reenquadramentos, a relação entre o que foi visto e o que foi imaginado é – eu diria – quase uma arte em si. Todo um cinema.
O que se passou posteriormente? A partir do momento que a TV passa filmes cortados, sem bordas, filmes em nemscope e em nemcolor, essa arte se tornou caduca. Boorman dizia um dia (com um desprezo não disfarçado) que ele alojava toda ação de seus filmes no centro da imagem para que, caso passassem na TV, nada se perca. Não faz muito tempo que Dançando nas nuvens viu, dessa forma, um dos seus três dançarinos ser amputado em um dos seus números musicais.
O desprezo da televisão pelo quadro é sem limites. Porque na televisão não há fora de campo. A imagem é muito pequena. É o reino do campo único. Os chroma keys permitem, aliás, respeitar esse campo único na medida em que fraturam a imagem. Perspectivas inauditas.
3. Enfim, a montagem. Ou melhor, a decupagem. O cinema clássico decompunha um espaço-tempo contínuo e o recompunha com a ajuda de raccords (com todas suas leis idiotas), todas as formas de inventar raccords aberrantes (principalmente os japoneses, principalmente Ozu), a transgressão do “faux raccord”, eis do que viveu durante muito tempo o cinema.
O que se passou em seguida? A televisão não reconstitui um quebra-cabeça, ela é um quebra-cabeça. A ordem das imagens na televisão não pertence nem ao domínio da montagem, nem da decupagem, mas de algo novo e que deveríamos chamar de insertagem. A TV reserva sempre a possibilidade de cortar um fluxo de imagens, de inserir outras, a qualquer momento, sem nenhuma preocupação de fazer o raccord.
São só alguns exemplos. Eu não digo que o travelling, o fora de campo ou a decupagem são “melhores” que o zoom, o campo único ou a insertagem. Seria idiota. As formas da nossa percepção mudam, só isso. E nessa mudança, o velho casal TV-cine ainda são, no momento, os protagonistas. Como todos os velhos casais, eles acabaram se assemelhando. Um pouco demais para o meu gosto.
A televisão, ainda prisioneira da sua vontade de “fazer cinema”, não vai talvez muito longe na sua fuga. Em direção ao videogame. O cinema, refém, dançarina e renda da TV, não vai talvez muito longe na exploração da sua memória. A mais arcaica. Há exceções, é claro. Em 1982, esperamos muito de Passion e Parsifal. Do estúdio e da trucagem. Pois assimptoticamente, a velha TV e o muito velho cinema se reencontram muito longe a frente e muito longe atrás. O lugar do encontro se chama Méliès. É preciso pedir pela lua.
18 de janeiro de 1982
Retirado do livro Ciné journal – Volume I 1981-1982, p. 104-117. Tradução: Letícia Weber Jarek.
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