Um breve exame da coleção dos Cahiers du Cinéma revela uma grave lacuna: Ernst Lubitsch. Só uma nota de Luc Moullet lhe é consagrada no Petit Journal do nº 68 na ocasião da reprise de O leque de Lady Windermere e Sócios no amor, na Cinemateca. Não é que os redatores dos Cahiers ignorem Lubitsch. Eles o têm, pelo contrário, em alta estima. Não contente de inscrever seu nome nos créditos de Uma mulher é uma mulher, Godard batiza de “Lubitsch” o personagem de Belmondo. Mas La Revue du Cinéma dedicara a esse grande cineasta um de seus números especiais (nº 17) algum tempo após sua morte, ocorrida em 1947. Esse número hoje pode parecer ultrapassado. Mas, aguardando que uma homenagem da Cinemateca permita um estudo aprofundado, aproveitemos que há uma reprise simultânea de Ser ou não ser e O Diabo disse não em duas salas parisienses para esboçar uma ou duas ideias.
Lembremos antes de tudo que esses dois filmes datam de 1942 e 1943. Lubitsch fica então gravemente doente. Ele confia seus próprios projetos a dois jovens cineastas de nome Preminger e Mankiewicz. Perceba que não faltavam nem discernimento e nem gosto a um homem que fora, em seu tempo, frequentemente acusado de não possui-los. Crendo-se curado, Lubitsch realiza em 1947 um último filme, O pecado de Cluny Brown, e morre antes de terminar A condessa se rende, finalizado pelo grande Otto. Essas minúcias históricas parecerão supérfluas aos cinéfilos. Elas não são, contudo, inúteis. Elas querem dizer que Ser ou não ser e O Diabo disse não podem ser considerados como ápices desse artista, e a concretização de sua arte.
Ver Ser ou não ser ou O Diabo disse não é assistir a uma combustão, não olhando para a fogueira, mas, ao contrário, olhando para a extremidade das chamas. Apreendemos o jogo, a dança, a corrida tão ágil quanto incessante que se alimenta de cada instante para impedir-se de morrer. O instante – entregar-se inteiramente a seu capricho e estar somente nele – determina uma comédia obrigada a galopar a seu lado, com medo de que um segundo de desatenção, um instante ofertado e não aproveitado, possa afundá-la na tragédia.
E no entanto, sorrateiramente, a tragédia, sob a forma branda do drama, desliza para dentro do coração da ação e dos personagens. Como estar no instante, já que ali estar é não ser, em Ser ou não ser? Como conjugar um sentimento profundo e durável, que é justamente o amor conjugal, com a necessidade de saborear a vida em cada um de seus instantes em O Diabo disse não? Em suma, os personagens de Lubitsch são animados por um sentimento aparentemente contraditório: eles querem experimentar a permanência da vida quando se entregam ao efêmero, ou se entregar ao efêmero quando eles experimentam a permanência. Mas o malicioso Ernst tem um jeito bem próprio de resolver esse princípio de angústia.
Em Ser ou não ser, ele interliga três tipos de vida possíveis: a vida profissional, a vida privada, e enfim o que se poderia chamar de vida pública. Cada personagem passa sucessivamente por essas três fases (cf. o monólogo de Shylock). Mas as duas primeiras são apenas uma maneira de usar a vida sem realmente aproximar-se dela. Ela não permite que esses efêmeros, eternamente atraídos pelo superficial e pela pura aparência, sintam as suas ligações profundas. Também é preciso fazer-lhes defender esse bem tão precioso, sua vida, para que eles sintam sua grandeza e apreciem seu valor inestimável. Mas mudar o modo dessa vida lhes está fora de questão. Atores eles são, atores eles permanecem, ou seja, mais do que qualquer coisa, entregues ao capricho do instante. É no e pelo instante que eles revelam e protegem sua vida. Queimam-se ali até “se torrar”. Cada instante, que se tornou vital, reúne o todo da vida profissional e da vida privada para sublimá-lo em algo que poderia muito bem ser a consciência apurada da vida.
Pode-se muito bem aplicar tudo o que já foi dito ao Diabo disse não. Não é então normal que o herói, Don Ameche, que não deixa que o menor instante passe sem aproveitá-lo, roube por exemplo sua noiva de seu primo que limita sua vida a sua posição social? Nesse filme, não se trata somente da vida, mas de uma vida inteira, do nascimento à morte. E ela poderia muito bem ser à imagem da de Lubitsch, grande epicurista, que nos deixaria aqui seu testamento. Salientemos esse codicilo, consagrado, como em todo grande autor de comédias, ao jogo da mentira e da verdade, ligado ao da aparência e da realidade. Ora, a mentira de Don Ameche é bastante aparente. É uma falsa mentira. A verdade é a vida. Esta nos escapa em sua continuidade. Ela nos alcança de maneira descontínua, sob a forma do instante. A verdade que nós conhecemos está, portanto, ligada também ao instante. E essa verdade, sempre verdadeira no instante, muitas vezes se encontra em contradição com aquela que precede e que sucede. Há mentira? Certamente não. Mas uma sucessão de pequenas verdades dessemelhantes. Aquele que vive totalmente o instante pode parecer mentir e se travestir sem cessar, no entanto ele se mantém constantemente verdadeiro.
Sendo assim, se um ser para se sentir vivo se lança inteiramente na embriaguez de cada instante, deveria ele recusar um sentimento forte e durável como o amor? Ou, pelo contrário, ele não poderia, sem trapacear, experimentar a vida em todos seus graus de ser? Lubitsch não hesita em responder. É seu herói quem possui a verdade, todo o resto é só mentira. A ele, então, o paraíso. Mas uma linda moça torna a descer ao inferno (a versão exibida na França se encerra, infelizmente, e inexplicavelmente, pouco antes desse traço final). Mais um instante de prazer. O Céu, a Eternidade podem esperar.
Ernst Lubitsch foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma, n° 127, em janeiro de 1962. Tradução: Leodoro Camilo-Fernandes.
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