Assim, logo de início, prevenir honestamente o leitor: estas notas não pretendem de forma alguma expressar um ponto de vista definitivo sobre Lubitsch. São simplesmente impressões de espectador. Impressões pouco satisfatórias: eu preferiria “digerir” essa retrospectiva, rever dois ou três filmes particularmente importantes. Ver também os que infelizmente Henri Langlois não pôde encontrar, e que não são menos característicos, A loja da esquina ou O círculo do casamento, por exemplo (Lubitsch tinha uma preferência confessa por esse último filme). O que se segue deve então ser tomado sob a reserva de uma verificação posterior.
Sente-se, já no começo, que Lubitsch soube muito rapidamente o que queria fazer. Ele adquiriu muito cedo um ponto de visto e um estilo, e se ele foi obrigado a fazer algumas distensões em seu programa, pelo menos elas foram veniais. Ninguém, menos que ele, foi incomodado pelos entraves da produção capitalista. Ele soube acomodar-se, na Alemanha assim como em Hollywood, aos métodos existentes, e, longe de submeter-se passivamente, soube dobrá-los a suas próprias intenções. A bem da verdade, esses métodos (e particularmente os que estavam em vigor nos estúdios de Hollywood) lhe convinham perfeitamente pois ele não tinha a alma de um contestador. Ele era, antes de tudo, homem de espetáculo, um executive que havia assimilado perfeitamente as regras do jogo da produção, e em particular as leis do mercado. É possível que, em um momento ou outro, ele tenha sofrido problemas (em Carmen ou em Rosita): surpreende-nos sobretudo a habilidade com a qual, quase sempre, ele soube preservar suas qualidades próprias. Eu logo tentarei explicar as razões dessa facilidade tão desconcertante, mas creio que seja útil especificar um ponto essencial. Lubitsch (como Murnau, Renoir, Lang e tantos outros) é um europeu que chegou à América. Devemos então distinguir em sua obra um período alemão e um período hollywoodiano? Sim, na medida (e somente na medida) em que os estúdios de Hollywood lhe ofereciam meios de que ele não podia dispor na Alemanha: é justamente esse enorme aparato técnico que lhe permitiu (sem renunciar a nenhum artigo de seu código moral e estético) apurar seu estilo e libertá-lo das escórias do expressionismo. Não que ele não tenha sabido tirar proveito do expressionismo (eu creio mesmo que ele é um dos raros a ter percebido a sua verdade íntima), mas lhe era indispensável passar dessa fase, e apenas a minuciosa divisão de trabalho das “Major Companies” lhe permitiu isso. A obra americana de Lubitsch é a ilustração das benesses do taylorismo artístico. Seu ponto de vista realmente não é o de um criador independente: é o de um produtor que precisa das vantagens e das restrições da produção comercial.
Lubitsch não tem nenhuma dúvida a respeito disso. Desde Sapataria Pinkus, ele demonstra cruamente 1) que todos os meios são bons para realizar suas ambições artísticas, pois 2) é preciso muito dinheiro para realizá-las, ou seja 3) fazer e fazer apenas o espetáculo. Pinkus tem o rigor de um silogismo. Quando Pinkus Lubitsch inaugura o Palácio do calçado, acreditamos que assistimos a um filme hollywoodiano. A mesma atitude é retomada, de maneira menos crua, em A princesa das ostras. Não é somente em A boneca do amor que Lubitsch expõe sua arte poética, é também em Pinkus e em A princesa.
Nesses últimos dois filmes, Lubitsch se dirige diretamente à América. Ele lhe faz suas ofertas de serviços. Ele conhece a mitologia americana, e dela zomba, mas de modo a colocar os americanos do seu lado. Ele dá a entender que, sem ter atravessado o Atlântico, ele sabe tudo do “business”. Pinkus não é somente a história de um pequeno arrivista, é a história de um pequeno arrivista (de meios particularmente sórdidos) que só quer crescer e tornar-se um artista. Pinkus é o filme do desprendimento, interpretado pelo próprio Lubitsch (moleque preguiçoso, mas depois um sedutor dedicado). Ele se reveste de um caráter pessoal, e, no entanto, se poderia dizer que Lubitsch fala de um outro, de tão incomparável que é sua desenvoltura. Entretanto não basta oferecer seus serviços para ser aceito pelos magnatas de Hollywood. É preciso surpreendê-los com um sucesso mundial. Mas não seja por isso: Lubitsch realiza uma superprodução, com uma superestrela: Madame DuBarry.
Havia nesse filme tudo o que eles queriam ver, e também tudo o que eles não viram ali, ou seja: todo o Lubitsch.
Lubitsch não se interessa nem pela metafísica, nem pela psicologia. É um cosmopolita e um mau sujeito (um “libertino”), o que explica a compreensão bem pessoal que ele tem do século XVIII francês, e o fato de que Madame DuBarry seja um dos maiores filmes históricos de todo o cinema. Falso em todos os seus detalhes, ele é preciso em todo o resto pois, de fato, não se trata de uma anedota ou historinha, trata-se de reproduzir visualmente a verdade (o espírito) de uma época e de um povo. Partindo de uma charmosa pessoa frívola e infiel, chega-se a toda uma civilização. A contraprova, de certa maneira, dessa precisão de tom é fornecida pela parte revolucionária do filme. Claramente, Lubitsch tem pouco gosto pelo ascetismo e pela virtude revolucionários. Se ele tivesse vivido durante o Terror, Robespierre o teria classificado como inimigo e executado na guilhotina. Lubitsch sabe disso e experimenta um temor retrospectivo. Assim ele também poderia ter dito, à maneira de Flaubert: “Madame DuBarry sou eu!”. Mas ele também tem o ponto de vista de Luís XV: aprecia a insolêcia, a elegância, a voluptuosidade. Sua atitude é a daquele que Buñuel chamaria “um grande folião”: ele nunca a renunciará. De A princesa das ostras a A viúva alegre e O Diabo disse não, permanecerá assim fiel a si mesmo. Mesmo quando, em Three Women, ele parece direcionar o sedutor ao castigo, ele lhe concede uma ternura que mal conseguiu esconder. É, portanto, um homem do século XVIII que fala, mas como um homem do século XVIII (ou seja, de uma época já passada) poderia agradar aos americanos puritanos e trabalhadores?
Pois Lubitsch não somente agradou, ele triunfou. Ele foi posto no rol (e desde o início) dos “top directors”. Ele se tornou um produtor com poderes ilimitados (ou quase). Por quê?
Primeiramente, porque não desagrada aos americanos ver a Europa como uma civilização de diletantes, de estetas, uma espécie de paraíso da mulher, sobretudo porque no casal Europa-Estados Unidos, a Europa é o elemento feminino. Depois, porque o americano puritano e trabalhador, invejando inconscientemente o estilo de vida europeu (e particularmente latino), pôde encontrar, na apologia daquilo que em sua terra seria inadmissível (perder agradavelmente seu tempo), a satisfação de certas tendências energicamente reprimidas. A partir desse contexto, Lubitsch, cosmopolita, aristocrata cínico e irreverente, podia agradar a todos sendo ele mesmo. Bastava-lhe simplesmente (algo que ele cuidadosamente manteve, salvo uma exceção que poderia ser A loja da esquina) interessar-se pela vida americana e colocar em questão os tabus dessa sociedade. O que lhe era ainda mais fácil, posto que a América não lhe interessa. Como ele sugere, ele sabe o inglês, o alemão e o francês, e ele “compreende” o americano. E como ele se interessaria pela América? Ela lhe é útil, mas o que poderia significar para ele a moralidade americana, o puritanismo americano? Quer dizer que ele é amoral, ou imoral? Não, mas ele é moral à maneira de Guitry ou talvez (mais profundamente) à maneira de Renoir. Há nele uma grande generosidade. Ele sempre poupa os inocentes, os puros, aqueles que não sabem e nem querem se defender. Ele nos mostrará com prazer um trapaceiro, um ingênuo, mas não deixará que ele engane um ser puro, mesmo que esse ser puro seja um puritano.
Aqui está o fio de Ariadne que nos permite compreender filmes tão diferentes como Beijos que se vendem, O leque de Lady Windermere, Three Women, Ladrão de alcova, Sócios no amor, Desejo e Anjo. Eles exprimem, cada um à sua maneira, a quintessência da atitude lubitschiana perante a vida. Cada vez que protagonistas da mesma espécie estão juntos, eles se entendem a fim de bagunçar os imbecis ou os esnobes, e temos então uma comédia. Se, ao contrário, um devasso está na presença de um puro, o drama se torna possível, sobretudo porque o devasso não tem escrúpulos de consciência (o que seria insensato), mas de coração. É o que acontece com as mulheres frívolas (devassas por definição) que podem ter filhas que só desejam parecer-se com elas. O drama de O leque de Lady Windermere não vem tanto do fato de que Madame Erlynne, para fazer sua entrada na sociedade inglesa (da qual ela se excluiu em arroubos de juventude), deve esconder de Lady Windermere que ela é sua mãe e tirar proveito desse silêncio, ele vem do fato de que Lady Windermere quer no fundo de seu coração (mesmo que ela se diga puritana) fazer como sua mãe: não porque, justamente, ela é a filha de sua mãe, mas porque para Lubitsch (e não necessariamente para Oscar Wilde) as mulheres são assim. Mesmo tema em Three Women.
Lubitsch nunca mostrou o natural da mulher melhor do que em Design For Living (Sócios no amor). Haverá algo mais natural do que uma mulher ter dois amantes, sobretudo se ela é sedutora e inteligente como Miriam Hopkins? Por que negar-lhe algo que se aceita em qualquer garanhão? Uma sociedade civilizada não saberia assim ter dois pesos e duas medidas.
Logo, Lubitsch está do lado das mulheres (contanto que elas afirmem sua feminilidade), ele está do lado dos ociosos, dos libertinos. É por isso que ele está do lado das sociedades passadas e (não há um sem o outro) da opereta vienense e do vaudeville. Nós dissemos acima que ele teria sido como um peixe dentro da água na sociedade francesa do Antigo Regime, e que ele se sentiria à vontade (como Stroheim) na Áustria dos Habsburgo, e à vontade também (como Renoir e como Guitry) na França do Segundo Império ou da Belle Époque, de leões à la de Morny.
Uma restrição porém, e que basta, apesar de semelhanças puramente formais, para opô-lo a Stroheim: ele não deixará, sob nenhum pretexto, que os leões (mesmo revestidos de elegantes uniformes) humilhem as gazelas. Daí a escolha, para as operetas vienenses, de Maurice Chevalier, que, ainda que revestido do mesmo uniforme de Stroheim, não apresentaria nenhum perigo, e da suntuosa Jeanette MacDonald, que jamais se passaria por vítima.
Ao cabo desse ciclo, teríamos omitido o essencial se não disséssemos que apesar do laxismo que professa, que apesar de sua predileção pelas sociedades arcaicas e ultrapassadas, que apesar de um conservadorismo que pode parecer irritante (o que seria de Lubitsch se condenado ao realismo socialista?), mas talvez também por causa de tudo isso, Lubitsch é um dos cineastas mais puros. Talvez mais puro que Murnau, Mizoguchi, Chaplin ou (a fortiori) Eisenstein. Mais puro porque ele conta apenas com o cinema. Em Murnau ou Mizoguchi há os encantos da pintura, da música. Nada disso em Lubitsch, pois os cenários rococó que ele aprecia têm um papel menos estético que significativo. Aponto brevemente que ele é o único que compreendeu a função cômica do expressionismo (cf. A boneca do amor, Beijos que se vendem), já que o esquematismo do cenário expressionista, nos casos ruins, comove menos do que faz rir.
Desejo é, ainda que assinado por Frank Borzage, quanto a sua concepção, seu roteiro e sua decupagem, integralmente de Lubitsch (isso me foi confirmado por Mrs Lubitsch). É interessante não apenas porque nos mostra como Lubitsch sabe passar inconscientemente do prazeroso ao severo, mas porque utiliza, antes de Hitchcock, todos os ingredientes (sim, todos) da mise en scène hitchcockiana. De fato, trata-se, muito precisamente, de um tipo de primeira versão de Interlúdio. Não terá sido uma pequena emoção nessa retrospectiva poder constatar que Hitchcock tinha um antecessor.
Lubitsch, como Molière, como Guitry, morreu no trabalho. Sempre se deverá reconhecê-lo por ter sabido perfeitamente metamorfosear uma peça ou uma opereta ou um roteiro em cinema. Ele foi ao mais simples, mas o mais simples, como todos sabem, é o mais difícil.
L’homme de partout foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma, n° 198, fevereiro de 1968 ; e republicado no livro Ernst Lubitsch, coletânea organizada por Bernard Eisenschitz e Jean Narboni, Paris, Cahiers du Cinéma, 2006, p. 171-180. Tradução: Leodoro Camilo-Fernandes.
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