O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Vinte anos depois: o cinema americano, seus autores e nossa política em questão




Por Jean-Louis Comolli, Jean-André Fieschi, Gérard Guégan, Michel Mardore, André Téchiné e Claude Ollier.

A política dos autores e o cinema americano sempre foram e são os pontos mais ardentes, as passagens mais difíceis na história e geografia da cinefilia. A defesa e a ilustração de uma e de outra, conduzidas paralelamente pela “Cahiers” desde seus primeiros números até agora, se tornaram opções fundamentais, preliminares e necessárias a toda vontade de reconhecimento pleno do cinema como arte maior.

Ora, é chegado o momento de fazer o balanço dessa luta: o combate iniciado simultaneamente pela aceitação da política dos autores e aquela do cinema americano tem por saldo dois resultados – contraditórios.

Por um lado, tudo conduz, parece, à publicação de um comunicado de vitória: à exceção de alguns burros da crítica cujas ideias, dada sua falta, não eram nada suscetíveis de se renovar, tudo o que faz profissão de fé no cinema, crítica, revistas, cineclubes, amadores, a partir de agora tem em conta a realidade da noção de autor e os fundamentos de sua política, bem como a importância do cinema americano, historicamente e esteticamente. Neste fronte, a batalha foi vencida além de toda previsão. É importante, então, persegui-la em outros frontes: é a vez do jovem cinema pegar o bastão.

Por outro lado, à medida que elas triunfavam, a política dos autores e aquela do cinema americano logo transbordaram, como é fatal para as causas sedutoras, o quadro inicial de suas definições. Em nome de uma ou de outra, abusos, excessos, errâncias e delírios tiveram condições de se multiplicar. Quanto mais elas perdiam sentido, mais elas tomavam valor mítico; quanto mais elas despejavam no particular, mais elas ganhavam força do absoluto. Enfim, o que era escolha e aposta se tornou dogma e sistema.

É por tais abusos que aqui estamos. É a dogmatização da política dos autores e a valorização sistemática do cinema americano que nós colocamos em questão, na medida em que nos parece – e os filmes recentes, tanto americanos quanto europeus, como a evolução inteira do cinema constantemente nos confirmam – que se ater a regras que não admitem exceção, a sistemas que recusam de antemão toda contradição, termina por restringir a riqueza do cinema e a compreensão que podemos ter dele.

Não se trata então de queimar o que nós adoramos. Ao contrário: trata-se de não cessar de acompanhar o cinema em sua descoberta de si mesmo. O tempo dos autores passou e não passou: aquele do cinema americano talvez esteja sempre por vir. Mas importa, para o presente, perceber que a beleza no cinema não conhece regras nem limites, que ela desmente as leis às quais acreditávamos submetê-la, que ela se manifesta nos primeiros filmes tanto quanto nos últimos, que ela é infiel e caprichosa enfim, e que importa menos encontrá-la como ela poderia ter sido do que ser por ela surpreendido a cada vez. Não somos nem os professores nem os juízes de um cinema concluído, somos as testemunhas de um cinema em vias de se fazer. Também o debate que segue não possui outra ambição além de colocar ou recolocar algumas questões que nos parecem graves. Nós andamos em círculos por muito tempo para não termos alguma vertigem, agora que a rodada acabou e é preciso partir de novo. O cinema, essencialmente, está sempre por descobrir, mas não cabe também a nossos leitores nos dizê-lo?

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Jean André Fieschi É importante esclarecer o ou os mal-entendidos que, por alguns anos, distorcem as relações que os cinéfilos em geral mantém com o cinema americano e as noções de Autor ou de Mise en Scène tais quais elas foram consideradas, muitas vezes confusamente, às vezes de maneira excessivamente teórica, nessa mesma Cahiers. O primeiro desses mal-entendidos concerne o que poderíamos chamar de uma sacralização abusiva do cinema americano em seu todo, cinema mais ou menos considerado pela maior massa de amadores do cinema como um objeto não somente essencial e privilegiado, mas ainda mágico. Digamos que, sobre esse ponto particular, foi efetuada uma mudança bastante radical: uma vez liberado de sua função mágica, tributária em grande parte dos charmes do exotismo (não estamos falando aqui, é evidente, de Chaplin, Welles ou Hitchcock, mas, sobretudo, de Walsh, Hathaway ou Stuart Heisler, de todos os artesãos, pequenos ou grandes, a quem se deve a qualidade do cinema comercial, do cinema de gêneros ou industrial), foi necessário se render à evidência de que para nós, jovens europeus que queremos fazer filmes, o cinema americano não é um cinema exemplar, como foi afirmado com certa leviandade, é um cinema que, com notáveis exceções (Sternberg, Welles, Hitchcock, Lang e todos nossos “autores”) nos diz menos respeito, senão como simples amadores ou consumidores, do que os filmes atuais italianos, poloneses, franceses ou brasileiros. E que a qualificação de autor, na medida em que ela implica um julgamento de valor (voltaremos a isso), não se aplica a uma centena de cineastas, mas a um número muito mais restrito que faltou delimitar o mais exatamente possível.

Jean-Louis Comolli A noção de “autor”, tal qual ela foi defendida pela Cahiers, era no início, me parece, bastante próxima daquela de autor em literatura ou em pintura: um homem que governa à vontade sua obra, que nela se encontra inteiramente. Tratava-se para os críticos e futuros cineastas da Cahiers de afirmar que no cinema, “arte coletiva”, havia a possibilidade para os artistas de propor sua própria “visão de mundo”, de exprimir suas preocupações pessoais, e mesmo íntimas, enfim, que não havia apagamento do indivíduo, do criador na coletividade da criação, pelo contrário...

Michel Mardore Notem que, nos Estados Unidos, para pessoas inteligentes, como Richard Brooks, o verdadeiro autor do filme é o producer, ou seja, aquele que reúne as ideias, escolhe os artesãos, assume a responsabilidade da obra. Consideramos como autores os trabalhadores especializados.

Fieschi Quando lemos uma entrevista com Minnelli, que é muito gentil, mas não tem grande coisa a dizer, e em seguida uma entrevista com John Houseman, que produziu filmes de Minnelli, é evidente que o autor é Houseman e não Minnelli. Do mesmo modo, para inúmeras comédias musicais a contribuição de Arthur Freed, que escolhia roteiros, coreógrafos, atores, cenógrafos e diretores é mais importante do que a desses últimos.

Mesmo quando um cineasta se torna seu próprio produtor, ele é seu próprio patrão, mas ele ainda tem um patrão: é um pouco como o problema da autocensura dos jornais em certos países fascistas. E não é obrigatório que os filmes obtidos por este método sejam mais livres ou mais corajosos do que se eles fossem produzidos por Zanuck. Há coisas pelo menos curiosas em nosso querido cinema americano, bem como: Vidor rejeita o final, sublime, de Vontade indômita. Aí está um dos filmes, e não somente do cinema americano, onde a personalidade e a individualidade de um homem e de um criador eram afirmadas com maior força e menos concessões. Ora, o próprio Vidor, tendo ido contra sua obra-prima, é contaminado pela mentalidade de producer.

Comolli A política dos autores era uma afirmação tanto ambiciosa: reconhecer no cinema todos os prestígios de uma arte de mesmo valor que as outras; quanto muito humilde: esse autor cinematográfico era simplesmente o equivalente do escritor, do pintor, do músico, diante de sua obra como eles diante da obra deles. Mas, ao mesmo tempo, essa definição vinha acompanhada de um postulado relacionado menos com a apreciação crítica do que com o julgamento de valores: a partir do momento em que a qualidade do autor era reconhecida em tal ou tal cineasta, seus filmes se valorizavam uns aos outros, cada próximo filme deste “autor” devendo ser, senão imediatamente excelente, pelo menos definitivamente interessante.

Ou seja, reconhecíamos certa fidelidade do autor a si mesmo, certas constantes de inspiração, de temas, de expressão, etc, que não somente caracterizavam o cineasta e cada um de seus filmes, mas faziam o essencial de seu interesse.

A partir daí, uma espécie de derrapagem se produziu. Uma confusão se instalou entre a noção de autor e a noção de tema: bastava que notássemos constâncias e obsessões em um cineasta para lhe nomear “autor” – o que é justo – e para lhe crer grande – o que frequentemente era abusivo.

Inversamente, quando amávamos (por uma razão ou outra) tal ou tal cineasta até então não reconhecido como autor, nos obstinávamos – com sucesso, aliás – a encontrar em sua obra uma “temática” qualquer – esta autentificando automaticamente o autor e verificando a qualidade presumida de sua obra. Enfim, todo grande autor possuía uma temática, todo cineasta que decidíamos nomear grande autor se via dotado de uma temática, e a menor temática submetia uma obra à política dos autores.

Existe aí um fenômeno de amplificação da noção de autor. Uma valorização mútua entre autor e tema. É evidente que os piores cineastas possuem suas obsessões e que eles as abordam. Mal, certamente. E elas não são de grande interesse.




Fieschi A temática é geralmente uma grande piada, pelo menos nos termos em que é colocada: aquela de Ford caberia no breviário do pequeno reacionário. Quanto àquela de Walsh, redutível aos dois ou três princípios essenciais da aventura, ela jamais é garantia, evidentemente, do êxito particular do filme: Tambores distantes é um remake bastante preciso de Um punhado de bravos, o que não explica de forma alguma por que o segundo é um grande filme e o primeiro, não.

Comolli Do mesmo modo, a temática fulleriana não é o que há de mais interessante sob o sol. Se nós procuramos as ideias nos cineastas, melhor seria encontrá-las em outro lugar. Não estou certo de que seja nos filmes que elas são expressas melhor.

Fieschi Outro exemplo: o tema de Minha bela dama é sem contestação possível mais cukoriano que o de A vida íntima de quatro mulheres, que é uma das obras-primas de seu autor, enquanto Minha bela dama é no mínimo contestável, apesar de tudo que poderá dizer um exegeta tão pernicioso quanto Téchiné.

André Téchiné Se A vida íntima de quatro mulheres é superior a Minha bela dama, isto não afeta em nada o valor de Minha bela dama, seja lá o que vocês pensam. Em relação à opereta da Broadway, Cukor opera um surpreendente esvaziamento barométrico. Existe uma recusa manifesta do espetáculo ou, mais exatamente, do espetacular. O caso de Cukor é particular e esta particularidade é a mesma para cada cineasta americano tomado independentemente, porque não há nada além de exceções, e é na medida em que essas exceções se cruzam que nós a dogmatizamos, destruindo ao mesmo tempo sua complexidade e canalizando-as. O caminho se torna então aberto aos seguidores e não aos criadores.

Comolli Tudo isto recoloca então a questão: o que é um autor no cinema? A qualidade de autor reside na fidelidade aos temas, na uniformidade de seus tratamentos? Ou deveríamos reduzir a quantidade de autores e fazê-la corresponder rigorosamente à qualidade mesma das obras? Historicamente, aqueles que chamamos de autores foram antes de tudo os grandes cineastas: Hawks, Rossellini, Hitchcock, Lang, Mizoguchi, Bergman, Buñuel, Renoir... Alargar a qualidade de autor é desvalorizá-la.

Isto significa que se a política dos autores pôde parecer fundamentada na realidade, no caso de alguns grandes cineastas, isto é devido à escolha preliminar desses cineastas, à aposta feita neles. Um certo gosto precede toda a política dos autores e a fundamenta. E quando a política dos autores é empregada a torto e a direito e se encontra então com defeito, é questão de mau gosto. Não é o interesse de uma temática que faz o valor de uma obra, mas reciprocamente. É preciso evitar confundir continuidade temática e constância estética.

Gérard Guégan Os bostonianos odiavam o Oeste e aqueles que projetavam sua conquista: a História foi então elaborada sem eles. No dia seguinte à Liberação, a recepção reservada ao cinema transatlântico é análoga. Mesmo desprezo, mesmo fervor. E, como sempre, a fé fez o resto. De sua necessidade, uma crítica retira um nome: hitchcocko-hawksiana. A época (o “L'Écran Français” havia afundado em um antiamericanismo lamentável) se prestava à violência. Uma ortodoxia nova, parecia, tomava forma: a política dos autores.

Ora, relendo essa Cahiers, concordamos em constatar a inexistência de critérios sob os quais se assentavam as razões de uma escolha. Sem dúvida, sua ausência favoreceu uma sistematização da dita política que, os anos ajudando, corria o risco de ser somente uma grade, aplicável a qualquer produto.

Bazin, em um artigo em torno do qual deveria necessariamente se organizar a crítica das críticas, deplorava ele próprio a estreiteza da teoria. “Mas isto não é o principal, ele escrevia, na medida em que a política dos autores é praticada por pessoas de bom gosto que sabem se manter vigilantes”. Quem não seria tentado de ver nessa segunda proposição a chave de todos os nossos problemas? Porque o fato está aí, do tempo de Truffaut e de Rohmer, que os erros de julgamento se contam nos dedos de uma única mão. Era preciso soldar novamente os diversos elementos, dar-lhes uma coerência orgânica; eles conseguiram.

Em sua ausência, e como era necessário viver, forjou-se um código que, a ocasião faz o ladrão, se modificou mais de uma vez diante de um Ulmer ou de um Walsh, para citar apenas eles. De deformação em deformação, o postulado se transformou em lei demasiadamente intolerável. Nós a evocávamos o tempo todo. Do cerco sagrado, Brooks, Welles, Wilder, Donen eram expulsos. Um clã que se formava lhes retomou em seu colo; melhor, pequenas tribos acampavam nos arredores dos Museus do Cinema e reclamavam um estatuto conveniente para Daves e Corman. A política dos autores se tornava um meio elegante de confundir alhos com bugalhos.

Mardore Para sanear o ponto de partida seria preciso inverter o ponto de vista de Truffaut. Há mais de dez anos, Truffaut, na intenção de impor a política dos autores, exigia de seus leitores um partidarismo. Ele lhes dizia no fundo: “Vocês amam quatro ou cinco filmes de Kazan, três ou quatro de Clément. É melhor escolher de uma vez entre Kazan e Clément, ao invés de discutir frivolamente sobre a qualidade de cada filme”. Ele implicava assim uma superioridade da personalidade, da temática. Era em certa medida uma aposta, uma loteria, em que os bons valores eram jogados, enquanto os maus valores, mesmo acidentalmente triunfantes, eram rejeitados. Este ponto de vista tático se tornou caduco em nossa época. O filme começa a importar mais do que o autor, ao contrário do que imaginaram os historiadores, que acreditavam em um cinema impessoal em sua infância, e pessoal em sua idade adulta.

Guégan Há o caso do último Minnelli. A muitos pareceu que nós rejeitamos brutalmente o que foi adorado (ou parecia sê-lo). Declaramo-nos culpados, no entanto.

Não somos responsáveis, na verdade, por um terrorismo que reduz todo pensamento à aceitação de valores normativos, que exige de todo espectador sua despersonalização? Silenciar hoje sobre a insignificância do último Minnelli conduziria a não discernir em sua obra os êxitos dos fracassos. Concordemos de uma vez por todas: a arte de Minnelli retira sua grandeza da sujeição às convenções americanas. Exemplo: construir um mundo em todos os pontos parecido ao verdadeiro para em seguida deformá-lo filmando-o; suprima o primeiro elemento e você obterá Adeus às ilusões.

Os fracassos de um Welles tem outro sabor: ele nos ensina que um autor pode se enganar, mas que seus equívocos são mil vezes mais apaixonantes que os semi-sucessos de outro, que O estranho, apesar de suas falhas, prefigura, em seu interior, A marca da maldade. Do mesmo modo que ignorar a coragem esplêndida do Journal d'une femme en blanc para exaltar as falsas audácias de Minha bela dama conduz a negar a arte de nosso tempo, privilegiar o passado para autentificar o futuro é uma impostura. Função que frequentemente assumiu a crítica temática, posto que, para ela, o pensamento preexiste à obra de arte, condiciona-a em uma continuidade idealista.




Pegue Walsh, que alguns preferem a Welles, o que lhe aconteceria se nos apoderasse a vontade de falar longamente sobre a homenagem que lhe consagrou a Cinemateca? Uma ruptura... Não creio. No máximo uma fricção que, em longo prazo, perderia toda sua importância, posto que, de seu cinema, reteríamos apenas o que lhe encanta. De O ídolo do público a Um clarim ao longe, para levar em conta apenas esses 20 últimos anos, dez filmes pelos quais nós não cessaremos de lutar. Mas exigir que sejam nomeados todos os outros para sustentar a hipótese de um segundo nível, tanto quanto desejar uma morte violenta porque a beleza dos filmes de Walsh está nesta eficácia redutível à única visão, esta leitura em voz alta de uma intenção evidente durante toda a projeção... Dito isto, fomos muito exigentes diante de Um clarim ao longe?

Da situação crítica desses cineastas, uma vantagem: a de romper com uma fé fechada e impura, de reatar com o ceticismo sem o qual nada de durável se constrói. Sem o qual teríamos descartado o último Mackendrick ou o último Mulligan. Outros se preocuparão em desenvolver o que deve ser considerado aqui apenas um ponto de vista, nascido de uma discussão em torno de uma mesa, de dizer em que Straub, Bertolucci, Groulx, Forman e Skolimowski não são tanto um novo cinema, mas uma nova plata-forma crítica.

Mardore Não temos mais o direito de negligenciar os acidentes felizes em nome do absoluto de uma política dos autores, porque é chegado o tempo de entrever um cinema aberto, isto é, não dogmático. Cada um, nesta perspectiva, conserva sua oportunidade. Não se trata de uma inversão das teorias, das alianças, mas uma abordagem da totalidade do cinema. Não deve mais haver filmes “malditos” – pelo menos “malditos” para a crítica.

Além do mais, o cinema americano nunca foi “tudo”. Bergman e Buñuel tiveram seus defensores. Falamos de uma tendência da Cahiers. De fato, é preciso distinguir várias coisas, e vários períodos. Na origem, anteriormente à criação da revista, o autor de filmes é um autor completo. Ele cria o roteiro, a música, dirige os atores, controla a fotografia, etc. O protótipo é Chaplin. No limite, Welles ou Sternberg. Posteriormente, o autor é antes o inventor (ou o “rewriter”) do roteiro, que domina em segundo lugar a mise en scène, mesmo se a mise en scène toma o primeiro lugar no espírito dos cinéfilos.

Cada entrevista dos cineastas americanos confirma que, para além de todo problema jurídico de participação, ou de “assinatura”, eles controlaram efetivamente o roteiro. Logo, eles são os autores. A partir daí, se desenvolveu a noção de uma escolha. Posto que os Americanos, e certos Europeus, se consideravam como responsáveis tanto pelos roteiros quanto pelas encenações, era importante separar. “A visão pessoal” e o ponto de vista sobre o mundo apareceram como critérios absolutos, assim como a mise en scène pura. A noção de “continuidade” (na inspiração, na temática) prevalecia sobre a diversidade.

Um diretor “interessante” merecia que examinássemos até o menor de seus produtos. Quanto ao diretor “não interessante”, não valia à pena dar conta da melhor de suas produções. A política dos autores consistia em um arbitrário consciente, deliberado. É contra este arbitrário que nós reagimos.

Guégan É conveniente relembrar um velho princípio próprio a esta redação: que aquele que mais ama o filme escreve sobre ele. Princípio que, tão logo emitido, provocou uma promessa de qualidade. Em muitas ocasiões, de fato, o prometido afundou em uma pedagogia do entusiasmo no mínimo duvidosa. Uma terminologia incerta, irritante, fazia tábula rasa das objeções reais ou prováveis. Seja como for, não esqueçamos que esta visão iluminada existia somente em função de um grafismo padrão, mais conhecido sob a etiqueta de Conselho dos Dez. O mistério (mas havia um?) perde sua consistência logo confrontamos a percepção do filme e a opinião dos sábios ou turbulentos Dez. Da unanimidade ninguém se beneficia. Todo o tempo encontrava-se um ponto obscuro, uma ou duas estrelas para controlar o destino, lhe retirar sua parte de desconhecido. Igualmente, os dois campos condenavam o culto e permitiam julgar de acordo com seu coração, ser partidário apenas no momento escolhido. No entanto, uma prática corrente do público de cineclubes ensina que só o elogio atinge os leitores e que a exceção é a regra. Em suma, nossos relatórios lembrarão aqueles observados por Pavlov em quadrúpedes. A ciência qualifica esses reflexos de condicionados...

Fieschi Trata-se de clarificar por exemplos, e é precisamente no nível dos exemplos que tudo se complica. Há, digamos, sessenta cineastas americanos que assinaram filmes bem feitos, interessantes, ou fascinantes em diferentes modos, seja por seu interesse pelo tema, ou porque eles eram interpretados por Bogart ou Cooper, ou por tal intuição da paisagem e outras belezas de detalhe.

Essas belezas, certamente, estão longe de ser negligenciáveis, elas entram em boa parte no prazer físico do espetáculo que a América soube conduzir à perfeição. Mas não negligenciá-las não quer dizer que seja necessário ver somente elas, em detrimento de ideias mais fundamentais. Nós conhecemos toda essa aberração cinefílica que consiste em não considerar, em um filme, nada além do momento precioso em que Jack Elam esmaga uma bituca no olho esquerdo de um chefe apache perneta, tudo isso enquanto assobia “A Marselhesa”, ou tal réplica de Lee Marvin, arrotando antes de entregar a alma sob uma rajada de tiros de metralhadora. A política dos autores rapidamente degenerou em política dos artesãos, depois em política dos assalariados. Agora procuramos comumente em Ray Enright ou Joseph Pevney as raridades que ontem nós dispensávamos em Ford ou Boetticher. Logo virá a era de Henry Levin e de Jean Negulesco.

Esses excessos testemunham a vitória irreversível do cinema americano, e é justamente porque certa batalha foi ganha que convém novamente se mostrar exigentes. Não há mais cineastas ou filmes malditos pelo público cinéfilo, se é que ainda há pelos distribuidores. É chegada a hora então de falar com mais serenidade, e de reconhecer que Adeus às ilusões, A primeira vitória ou mesmo Lord Jim são filmes ruins, o que não tira em nada os méritos de A roda da fortuna, Alma em pânico ou Entre Deus e o pecado. Reciprocamente, louvar tal filme de Gordon Douglas, Hathaway ou Stuart Heisler não indica que sua obra seja para se levar globalmente em consideração. Sem dúvida chegamos à impossibilidade de uma teoria sobre o cinema em geral e sobre o cinema americano em particular: os anos passando, para que a posição da Cahiers fosse frutífera, era necessário certamente se prender em uma espécie de camisa de força dogmática rígida, e propor classificações cômodas para separar o joio do trigo.

Hoje em dia, precisamos tornar a ser sensíveis ao filme em si, o que não implica absolutamente, de resto, em um abandono de nossas opções fundamentais concernindo pessoas como Hawks, Hitchcock, Ford ou Kazan. É preciso se manter vigilante, e saber reconhecer que Lilith (e The Brave Bulls não muda nada disso) é um dos mais belos filmes americanos desses últimos anos.


Mardore A cinefilia é estranha às verdades mais elementares da existência. Se houveram excessos na política dos autores, na idolatria da mise en scène, isto se deve talvez à personalidade das pessoas, que não tinham nenhum contato com a realidade. Não se trata de saber se a mise en scène de Tourneur transcende a imagem de um homem que abraça uma mulher, mas o que Tourneur pensa do amor, do grão da pele dessa mulher, de seus lábios, do desejo do homem, etc. Tudo coisas que não se encontram na análise dos estetas. As pequenas ideias de mise en scène, aquelas definidas por Truffaut, e a transcendência do tema pelo olhar do cineasta não são mais suficientes para nos satisfazer. O tema vem antes dos artifícios que o valorizam.

Comolli Se retornamos à aceitação mais banal e mais modesta do termo autor: autor de seu filme, nós podemos praticar uma política de bons e maus autores no que concerne os cineastas europeus, todos estes que nos interessam sendo, independentemente do êxito de seus filmes, necessariamente autores de início. Mas o cinema americano continua colocando os mesmos problemas, cuja complexidade termina por interditar toda sistematização da política ou da qualidade mesma de autor. Cada caso é um caso particular. Encontramos nele autores completos, não autores completos, e todos os graus entre uma liberdade total e uma submissão total, entre a expressão pessoal e a criação anônima.

O que concluir disso? Além de que é impossível tentar uma política rigorosa e dogmática dos autores para esse cinema? O cinema americano, fundamentalmente, não é um cinema de autores. Ao contrário do europeu. Os autores, na América, são exceções, que confirmam a regra não de uma constância, de uma invariabilidade das obras, mas de sua extrema fragilidade, de sua complexidade, de sua plasticidade que os faz se metamorfosear incessantemente para se adaptar a toda nova situação, e que os torna, no final das contas, rebeldes a toda definição global, estranhos a todo esquema temático. Cada grande cineasta americano é uma exceção que contradiz até as outras exceções.

Quanto à norma do cinema americano, à sua trupe, ela é feita de filmes de produtores nos quais, como por milagre (e é este milagre que fascina todo cinéfilo), aparece de tempos em tempos uma parcela de expressão pessoal do realizador do filme. Que tudo seja conjugado contra a expressão própria desse cineasta faz com que ela pareça tanto mais admirável e exemplar, tão pouco ela tenha se manifestado.

Mas esse “milagre” não é suficiente para fazer de todo cineasta americano um grande cineasta, nem do cinema americano atual um cinema da expressão pessoal, um cinema de autores próprio à sua política. O cinema americano é grande pelos cineastas que lhe escapam. O cinema americano que nos interessa é aquele de filmes que nos fazem conhecer os homens. Bastou rever alguns filmes de Capra para reavaliar esse cineasta até aqui caído em desgraça. O mesmo para Ford. Bastaria ver todos os filmes de Walsh para contradizer esse tipo de reavaliação precipitada e obrigar a considerar apenas uma política da obra reduzida ao que ela tem de melhor.

Por outro lado, e isto não é menos importante, o cinema americano que nós amamos e defendemos não é todo o cinema americano. Basta ver alguns filmes de Lubitsch para recolocar Preminger em seu verdadeiro lugar, mais modesto. A batalha está para ser travada no que concerne Lubitsch, DeMille, Capra e mesmo Ford.

Fieschi No limite, de fato, o verdadeiro autor é impensável no cinema americano: veja o silêncio de Sternberg e Chaplin, o exílio de Welles, as renúncias de Ray ou de Mankiewicz.

Téchiné Um ponto de vista, digamos mais objetivo, mais histórico, indica claramente a evolução do cinema americano e por aí mesmo a vaidade das teorias um pouco precipitadas que ele suscitou. A turbulência econômica provocada pela emigração crescente dos estúdios hollywoodianos e ligada à falência de grandes empresas de produção não modificou somente as condições industriais. O fenômeno de descentralização que progressivamente se manifestou não teve por única consequência a renovação das regras do mercado. É evidente que a perturbação das condições de filmagem engendrada pelo colapso interdita ou limita certos gêneros como a comédia musical, sem introduzir propriamente falando os gêneros de reposição.

A permanência do cinema americano não é uma permanência de constâncias, de analogias onde distinguimos as linhas de força suscetíveis de ser erigidas em sistema. É, ao contrário, mais do que uma sobrevivência ou uma franca ruptura, um movimento contínuo, um desvio lógico em referência a um contexto preciso.

Filmes assim tão diferentes, por sua anedota, seu tema, seu objeto, como A vida íntima de quatro mulheres, Lilith ou Clamor do sexo testemunham a mesma preocupação de fazer rebentar a narrativa, ensinando mais sobre a América e seu cinema do que a subsistência de formas acordadas verificando ou fingindo verificar as teorias estabelecidas. É neste nível que é possível dizer que os três filmes citados correspondem. A concepção inovadora que podemos tentar retirar nesse segundo momento parte dessa simples constatação.

Comolli Definitivamente, se colocamos a questão: o que caracteriza um autor, o que faz com que um cineasta seja um autor no sentido forte do termo, caímos em uma nova armadilha: é seu “estilo”, ou seja, a “mise en scène”, noção tão perigosa, proteiforme e inapreensível quanto aquela de autor.

Mise en scène quer dizer duas coisas: uma, evidente, a operação que consiste em colocar em cena; a outra, misteriosa, o resultado desta operação. Ora, quando o crítico fala da “mise en scène” de um filme, julga-a, descobre nela tal ou tal beleza, ele alimenta uma confusão – que talvez seja apenas de vocabulário – entre o que ele vê na tela, isto é, um resultado, e ao que esse resultado supostamente remete, isto é, um conjunto de meios, uma série de atos. Mas, precisamente, estes atos, estes meios, não possuem valor intrínseco: eles não valem nada além do que vale o resultado, o filme. Este valoriza aqueles, e não o contrário. Ou seja, a mise en scène tem por destino se abolir em sua própria coroação. O filme, enquanto resultado de uma mise en scène, a substitui em todos os pontos, repõe a realidade operacional por uma realidade artística. Somente ele – e graças a ela – ascende à existência concreta do objeto estético. A mise en scène, uma vez o filme feito, não tem mais existência senão abstrata e fantasmática. Ou somente dogmática.

Dito de outra forma ainda, a mise en scène não é e não pode ser o objeto de uma apreciação estética. Seu resultado, que é o filme, pode pretendê-lo. A mise en scène não é um objeto, nem uma obra de arte, nem uma expressão, mas um meio de expressão estilístico, retórico, técnico, etc. Não julgamos um meio. E, reciprocamente, a essência do cinema não reside em seus meios. A mise en scène então não participa da ordem dos valores. Ela fez, na Cahiers, o papel de um artefato: nós a ostentamos pretendendo encontrar nela os critérios de beleza do filme, mas ela era apenas uma explicação ilusória: é preciso buscar a beleza dos filmes na realidade mesma dos filmes enquanto objetos.

Mardore Não se trata de negar a “mise en scène”, em benefício de um “estilo” que não deve ser, no fundo, tão diferente, mas diferenciar as pessoas que tem uma personalidade verdadeira daquelas que tem “obsessões”. O caráter, como diria Welles, se mantém o único critério. Não consideramos suficientemente a personalidade, isto é, tudo o que o autor carrega consigo, o que ele representa no mundo, o poder que ele detém para expressar este mundo. Não existem critérios estéticos, somente critérios de pessoas. Os cinéfilos negaram isto em nome da “pura mise en scène”, que é a noção menos definível que podemos imaginar. Na verdade, o ser dotado do menor talento estético, se sua personalidade “eclode” na obra, se sobreporá ao técnico mais habilidoso. Descobrimos que não existem regras. A intuição e a sensibilidade triunfam sobre todas as teorias.

Fieschi Essa noção de “caráter” que assinala Mardore é, na verdade, capital para a definição justa do autor. Eu acrescentaria que é melhor ter mau-caráter do que não ter caráter algum. Com o tempo, pessoas como Huston ou Wilder, que fracassaram em mais filmes, quantitativamente, do que Wyler ou Preminger, tem em si a vantagem de uma linha seguida com obstinação, senão sempre com rigor, e que essa linha resulte em filmes como A noite do iguana ou Beija-me, idiota mostra bem sua validade.

Mardore A definição arbitrária da “mise en scène” refutava a priori todas as heresias, todas as variantes. Há cinco ou dez anos, um filme como Lilith teria sido muito criticado, em nome precisamente da política dos autores e da mise en scène. Ora, Lilith utiliza efeitos óticos, ângulos de tomadas, construções na decupagem que teriam parecido antiquados e antiestéticos. O cinema americano se limitava, no espírito da política dos autores, a uma negação de toda intervenção espetacular, “demiúrgica”, do dito autor. Essa simplicidade forçada condenava a priori todas as formas preciosas, barrocas, não convencionais finalmente (porque a simplicidade e o apagamento são variantes da convenção). Não podemos saber, em Lilith, em que nível se situa a intervenção de Rossen. Um escritor que emprega uma orientação arcaica, uma preciosidade de outra época, não é necessariamente um débil ou um imbecil. Ele pode ter escolhido este estilo para se dar um certo recuo narrativo. Não temos o direito de decidir, de privilegiar uma forma em detrimento de outra. É preciso defender a ideia de um pluralismo de formas, de estilos, contra um classicismo ressecado, que além do mais nunca existiu no espírito dos cineastas americanos. O importante é rasgar uma camisa de força estética e moral.

Guégan Mas, diremos, para onde vai a Cahiers? Tomando como pretexto o filme de Allio, Jacques Rivette, em “Les Lettres Françaises”, sugere uma via. O reverso da crítica brechtiana (ou que supõe sê-la) dos anos sessenta não implica uma recusa do pensamento original. Ainda é preciso meditar sobre seu ensinamento e não cair em uma crítica de roteiro. O efeito deve ser nosso ponto de interrogação. De onde e como?

Viagem à Itália coloca uma tal questão. Lembrem-se, George Sanders e Ingrid Bergman assistem a uma festa. Feliz, Ingrid nos sorri. Plano seguinte: Sanders a olha. De novo, Ingrid no quadro. A significação é invertida. Os temas captados nessa série de planos remetem a uma ideia geral, mas o próprio estilo de Rossellini a torna particular. Eis onde devemos ir. Em um movimento análogo, O demônio das onze horas recoloca as questões. Responder é compreender. É recusar os anos de incerteza, retomar as terras conquistadas, colocá-las na cultura. Em um prefácio notável para “La Vie de Rancé”, Roland Barthes indica que o gato amarelo de Chateaubriand é talvez toda a literatura. Cabe a nós encontrá-lo no cinema que nós amamos. Então virá um tempo em que ficaremos à vontade de se colocar na companhia de Um preço para cada crime, O fugitivo ou Sombras do mal, filmes sem autor, certamente, mas filmes que faziam Bazin escrever: “O admirável do cinema americano é justamente sua necessidade na espontaneidade”.

Nós estamos mais perto do que nunca de uma verdadeira política dos autores.




Claude Ollier Falando de autores, é preciso sublinhar o fato de que Jerry Lewis é, com Penn, o único autor que se manifestou nos últimos cinco anos no cinema americano. A razão disto não é, em minha opinião, tal consideração de ordem temática ou tal outra de figuração obsessiva, mas, bem mais precisamente, porque ele criou formas novas. Eu acredito que a noção de autor, isto é, de estilo, desemboca inevitavelmente na necessidade de uma análise semelhante. Esta afirmação implica diversos desenvolvimentos que seriam:

1) um inventário dessas formas ao longo das obras necessárias;

2) uma análise elementar de cada uma dessas formas (por exemplo: uma análise das gags baseadas na utilização intermitente do som);

3) um estudo comparativo dessas formas com aquelas do burlesco anterior a fim de determinar em quais pontos precisos reside a invenção;

4) a classificação dessas invenções formais de acordo com o que elas contribuem: a) para a plástica, b) para a narração, c) para a distância estabelecida pelo ator entre ele e sua criação;

5) um exame das significações, das implicações envolvidas pelos signos previamente repertoriados e analisados.

Talvez seja indispensável, na verdade, no ponto em que estamos, de falar de cinema em termos de invenção formal; porque não se deve haver engano: se tal filme nos concerne, é porque ele propõe um tom novo, o que Céline chamava “uma pequena música”. Mas o que é uma “pequena música” senão a arte de reunir por metáfora e metonímia formas tradicionais e formas novas em um discurso pessoal?

A originalidade de uma mise en scène criadora, inovadora, marca de um autor, deve então ser analisada em termos de signos e de significações. Se, na produção atual, certo número de filmes (brasileiros, poloneses, italianos, franceses) nos interessam, é porque as formas que eles criam nos intrigam. Nossa tarefa é determinar em quê elas nos intrigam e quais ligações podem se estabelecer entre elas e as formas antecedentes.

Não há nenhuma razão para que não seja no domínio do cinema como é na música ou na literatura. O problema, por mais complexo que seja, é não obstante o mesmo: existe um tornar-se das formas, uma evolução irreversível, e o papel da crítica é determinar em qual ponto preciso reside a inovação e – por contragolpe – a caducidade. (Depoimentos recolhidos no gravador).

Vingt ans après: le cinéma americain, ses auteurs et notre politique en question foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma nº 172, novembro de 1965. Tradução: Luiz Fernando Coutinho.

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