Por Serge Bozon
I: O COTIDIANO DA CRÍTICA LIBERADA
« O que eu espero de um crítico literário, é que ele me fale a propósito de um livro, melhor do que eu poderia fazer sozinho, de onde vem que a leitura me dá um prazer que não se presta a nenhuma substituição. » Julien Gracq
E é aqui, para o cinema, que Skorecki é maravilhoso, quando ele responde, tão intuitivo, engraçado e rápido à questões clássicas como: o que faz com que tal cineasta seja aquele que filma melhor tal coisa; como reavaliar hoje a importância de X; que charme é esse « que não se presta a nenhuma substituição » liberado pela obra daquele outro; por que a ideia do casting em Kazan ou Huston constitui hoje um sedutor abismo para as quimeras; como compreender ainda o tipo de ambição que animava Y; por que cada filme faz inevitavelmente ressoar a história inteira do cinema… ? Nada muito novo, vocês me dirão: avaliar e descrever. Devemos esperar mais de um crítico hoje?
Skorecki acredita nisso, erroneamente. Pelas razões já em curso no Contra a nova cinefilia, o crítico deve segundo ele ser contemporâneo de um devir-merchandising unindo o que resta do cinema ao que nasce (entre outros) dos videogames. E por que não uma tal assistência destes novos objetos indignos e populares em uma « arte do comentário que adere aos novos imperativos das novas imagens universais » (Skorecki)? O problema é que uma vez que o slogan é batido repetidamente, o que resta à (d)escrever? Nada, e a invocação religiosa, senão desencantada, dos Power Rangers não esconde o fato de que ele, como qualquer outro, não pode dizer nada disso. O dispositivo teórico se desliga sozinho.
Outra decepção relativa: Skorecki considera com frequência os filmes sob o ângulo único da obscenidade impossível que ali se revela, empenhando-se em descrever o excesso emocional que quebra os corpos dos atores e as memórias dos espectadores, excesso solidário desta impureza estilística caracterizando, para sua grande sorte, as obras que nunca serão acadêmicas. Todos os bons filmes são para ele grandes filmes doentes. Mas o que vale idealmente para Marnie, Rio violento, Réquiem para uma mulher, Sublime obsessão, Meu pecado foi nascer, Num ano de 13 luas, Le cri du hibou, Jornada tétrica, O inocente ou Mulher cobiçada não é para Seu último comando, Vivamos hoje, Êxtase de amor, O homem errado, Rio Grande, O rio da aventura, A nova saga do Clã Taira… O que une estes últimos filmes (entre os meus favoritos), senão o grande ausente destas crônicas, a saber o que Rohmer chamou de « classicismo »? (Rohmer justamente, que só é considerado aqui sob um ângulo libido-sitcomesco bem distante da maturidade de Minha noite com ela, de Conto de outono…). E quando Skorecki fala de filmes que não são doentes, sua escolha geralmente lhe direciona à obras como Os 39 degraus, a descrição se limitará ao registro jazzy (muito justo) do flerte swingado e da leveza febril. Portanto, todo um continente ético, corneliano, de um certo cinema clássico, permanece na sombra. E se todos os cineastas severos não fossem sádicos, e se os filmes que nós não podemos louvar apontando a ruptura que os ultrapassa fossem os mais misteriosos…
II: MITOLOGIAS E BRIOCHES
Para ir rápido (demais), o que eu amo menos em Skorecki é a herança, reivindicada ou não, de Barthes, quer dizer, uma tripla certeza muito contemporânea:
1. A certeza de que é preciso valorizar sistematicamente o que excede a obra, punctum da obscenidade dando enfim a palavra a estes corpos, significantes ingratos e perdidos, cowboys veados e grandes frígidas hollywoodianas, de uma história do cinema revista sob o ângulo insolente de um pós-cinema que a Nouvelle Vague não soube (ou não podia) adivinhar no fim da carreira dos grandes clássicos (Hitchcock, Hawks…).
2. A certeza de que o crítico deve ter um discurso sobre as mutações da sociedade e da indústria do entretenimento. Bem longe de lançar paradoxos singulares, os versos de Skorecki sobre a aldeia global, os guetos new age, o virtual generalizado, o reino do pensamento pixelizado… me parecem como simples tiques virilio-baudrillardianos.
3. A certeza de que a sexualidade é o coração deste excesso, desta violência, que, por (I), dá o que escrever. Depois de ter amadurecido um pouco graças aos aforismos da voz off do último Breillat, aprendemos também, felizes de sermos advertidos, que « os cineastas amantes das crianças como Kiarostami deveriam sempre ser submetidos a uma única e mesma pergunta: por quê estas crianças lhe interessam? Por quê? ». Dickens só tem que ficar atento, sem falar do Ozu de Bom dia. É verdade que a obra consensual deste último anunciaria o videoclipe (do qual Sternberg seria o inventor) como A carruagem de ouro as novelas mexicanas, O rio sagrado o cinema filmado, e Eustache, Beineix, que lhe é evidentemente superior! Esta insistência sobre os corpos me evoca frequentemente a forçação de Barthes escrevendo, com menos gírias, sobre a Kleisleriana de Schumann. E consagrar uma nota ao sublime Rio das almas perdidas para falar apenas da homossexualidade warholiana de Mitchum e do estupro consentido como chave do desejo feminino tem a ver com este dogmatismo psicologizante que, tendo invadido o espaço cultural, tornou impossível levar em consideração este classicismo tão misterioso (e não quebrado!) que Rohmer ou Biette, por exemplo, tentaram descrever: equivalência realizada entre natureza e teatro, para o segundo, num filme póstumo, colorizado, de Murnau; serenidade sem pressa do olhar caracterizando, para o primeiro, a plenitude goetheana do cinema de Preminger. E não podemos imaginar Bazin ou Rivette julgando-se obrigados a atuar como gurus psicólogos da sociedade!
Não é coincidência, como nota Rohmer no seu livro sobre a música, que seja o cientista[1] inventor de uma teoria geral da comunicação, antigamente chamada de semiologia, aquele que só pode conceber a beleza como desvio do código. E Skorecki me parece às vezes próximo (cf. seus textos sobre Bresson) desta crítica concebida como arte de apontar o ponto (sexual) cego, o verme na fruta, a mais-valia perversa… que caracteriza por excelência o gesto ainda barthesiano de um crítico que ele não parece gostar muito, a saber Lenitzer vulgo Bonitzer. Este último nunca cultivou, é verdade, esta má-fé lúdica, esta desenvoltura despreocupada, a qual Skorecki sabe muito bem que diminui o alcance de suas colagens teóricas.
Meu sentimento sendo comumente identificado, na melhor das hipóteses, a uma valorização reacionária do artesanato lourcelleano, na pior das hipóteses, a um passadismo reativo, eu só gostaria de lembrar que eu sou tudo menos contrário a uma utilização da filosofia (e não das ciências humanas) neste domínio ingrato, adolescente e hoje um pouco ridículo que é a crítica de cinema, em que o mais difícil continua a ser, muitas vezes, não radicalizar o que nós estamos falando pelo prazer do sintoma espetacular ou do paradoxo. Evidentemente, minha reprovação radicaliza, ela mesma, os supostos defeitos de Skorecki que sucumbe apenas periodicamente às tentações descritas. Sem dúvida, ele é o melhor e, além disso, ele faz cinema. O que mais querem os fãs?
III: RETRATO DO ARTISTA ENQUANTO CRÍTICO OU RESUMO DOS EPISÓDIOS ANTERIORES
A ex-mulher de um escultor lhe rouba a sua última obra, obrigando-o a expor o modelo, enquanto um complô parisiense agita os travestis enamorados.
Uma voz off conta o destino de uma ex-manequim consumida pelo seu amor por uma estátua de arte africana, enquanto o espectador assiste aos primeiros passos, às vezes cantados, de um flerte entre uma pop star lânguida e uma estudante rabugenta.
O pai espiritual de um pequeno grupo de jovens cinéfilos desaparece e reaparece enquanto seus ex-discípulos se perdem nos amores abortados entre eles, o cinema e eles.
Uma caixa de cinema pornô, depois de ter consolado sua colega, depois de esperar dançar numa boate lésbica, é trazida para casa por um Michel Delahaye elegante e perdido e acabou.
IV: UMA QUADRA DE PROVOCADORES[2]
Reconhecem-se respectivamente a sinopse de Les intrigues de Sylvia Couski (Arrieta), Fluctuat nec mergitur (Bodet), Les cinéphiles (Skorecki), Simone Barbès ou a virtude (Treilhou). Na recusa da narrativa, estes quatro filmes tem quatro coisas em comum: a sexualidade arriscada de seus personagens, a ausência de qualquer naturalismo, o gosto pelas cenas-blocos e por atores tão desamparados quanto seus papéis, enfim uma estilização secreta e frontal , tão salvadora hoje quando cada plano de A prisioneira ou de A comédia de Deus é um altar ao seu esplendor cultural autoproclamado. Os quatro provam que o risco ficcional não se mede à carga narrativa: não precisa de história para levar o espectador bem longe (de Manhattan). Foi Britt Nini, feliz desertora do Sex Stars System e co-roteirista de Cinéphiles (1° parte), que transmitiu a Skorecki esta lei do exotismo interior, este convite à viagem no mesmo lugar, o lugar dos atores no plano? Sem dúvida.
O fime de Treilhou é mais celiniano e anos 30, o de Arietta é mais onírico e maquiado, o de Skorecki é mais engraçado e minimalista, o de Bodet é mais discrepante e acidulado (sem falar da enorme presença das vozes off). Moulet filmava sobretudo o interior dos cinemas em As poltronas do Cine Alcazar. Skorecki só filma o exterior, as pequenas filas onde teimam estes cinéfilos falsamente altivos, e o interior, os grandes apartamentos onde teimam seus corpos nus falsamente oferecidos.
V: POS-CRÍTICA OU O RETORNO DE LOUIS
Entendemos que os melhores cineastas, como os melhores críticos, são maus gurus. Ufa, e vice-versa.
[1] Aproveito para generalizar a oposição em jogo: ao contrário das ideias preconcebidas, não são Gödel, Carnap, Quine, Goodman, Montague etc, que são cientistas, mas Kristeva, Lyotard, Lacan, Derrida, Badiou etc, os primeiros nunca tentaram, ao contrário dos segundos, mobilizar enfaticamente noções e resultados matemático-lógicos em domínios completamente estrangeiros (a política, o sexo, a religião, a arte…). É verdade que estes resultados se devem a eles.
[2] No original, « Un carré d'asticoteurs » contém a menção ao « Carré d'As », a « quadra de ases » da escola crítica macmahonista. (NdT)
Admirations et des poussières foi publicado originalmente na revista La Lettre du Cinéma n° 16, inverno de 2001, pp. 12-15. Tradução: Miguel Haoni.
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