Sobre Os Passageiros de Jean-Claude Guiguet
Por Axelle Ropert
Bastou, antes que os créditos aparecessem, um bonde avançando na escuridão de um túnel para que a respiração do filme fosse dada em um grande gesto de suspensão, suspensão de nossas memórias, suspensão majestosa que precede a criação de um novo mundo, e será preciso prender a respiração. Um jovem professor admite sua recusa em envelhecer precocemente, um vigia confessa sua grande timidez em relação às garotas, uma enfermeira, seu medo de relacionamentos de longo prazo, e é toda a confiança atribuída às situações e se espalhando com uma igual solicitude que logo marca Os Passageiros com sua potência de efusão. Entre as diferentes tristezas, prazeres, medos, maravilhamentos que compõem cada uma das cenas, nenhuma semelhança, pois cada situação é devolvida à sua primitiva integridade, mas também nenhuma disparidade, pois esses homens e essas mulheres têm, para além da comunidade das vidas, uma mesma qualidade de existência que faz com que, entre a tristeza desta e a dor daquela, esteja fora de questão escolher. Esse ajuste da visão que se sente operando constantemente, e que quer restituir à mesma escala ótica, em toda a flexibilidade de suas mudanças visíveis, cada uma das cenas, manifesta uma potência de metamorfose que transforma e enfileira uma sequência na outra, fazendo assim dos Passageiros o filme mais espiritual de todos, no sentido monteverdiano do termo, filme arejado pelas ascensões (funicular de Thonon-les-Bains, teleférico da Agulha do Midi) onde as cerejeiras em flor mizoguchianas e os navios de recreação de Ozu assinalam toda a amplitude da inscrição dos pequenos gestos na tranquilidade dessa natureza, pela primeira vez (em Guiguet) decididamente bondosa – a miragem estaria em outro lugar? Pois, nós o sabemos desde Robert Bresson, o vento sopra onde quer e o espírito cai onde as vidas só querem se revelar. Está aí o prodígio de uma doçura que atribui a cada um, pela virtude única de um desejo de expressão que se manifestaria, o direito de tomar a palavra. Como um tal desejo pode se manifestar? Questão, sem dúvida nenhuma, de cineasta. Entre os mais belos momentos do filme estão também aqueles em que a câmera passeia entre os passageiros, observando na indistinção desses rostos a elevação de um sonho, o sonho de ser ouvido. Pois os passageiros falam, exclamam, cantam, murmuram, reclamam, como se o campo inteiro do mundo se abrisse de repente diante de seus olhos. Talvez esteja aí a utopia guiguetiana, a doçura de um mundo onde uma canção popular, uma confissão brutal, uma cólera bastaria, silenciando aqueles que deveriam se ouvir, para suspender a catástrofe ambiente.
Num bonde, um homem elabora um quadro de todas as combinações sexuais para chegar a uma aporia tão privada quanto irrefutável: "Minha mulher é um veado." Ao lado, um belo rapaz escuta ou tenta não escutar – e é a mesma coisa. Gênio maligno do cinema francês, que faz Gérard Depardieu duvidar de sua própria existência, Jean-Christophe Bouvet, filmado contra o fundo da paisagem que desfila, a segurança de um discurso sendo assim reenviada às suas instabilidades atmosféricas e o rosto mefistofélico do ator aos seus espelhamentos interiores, tenta agarrar o olhar de sua presa (ou de seu salvador?), tal qual um navio perdido que lança sinais de angústia enquanto entoa um canto de honra. Tudo é dito, o abismo das certezas, a vertigem das possibilidades, a solidão das cóleras. A violência dos Passageiros, é aquela de uma associalidade que não pode se impedir de preocupar-se consigo mesma. Entre as velhas canções, as confissões de uma outra era, as declarações de amor e as reivindicações coléricas de todos os gêneros, uma mesma injunção emerge, que põe em risco a segurança de nossa época obrigando-a, pelo tempo de um verso, pelo tempo de uma exclamação, a combinar com sua tonalidade – necessariamente antiga, necessariamente fora de moda. No fundo, nada mais violento que a obstinação quase nostálgica que faz as vezes da doce provocação em todos os filmes de Jean-Claude Guiguet e que quer fazer a tirania da atualidade se curvar colocando diante e contra tudo seus rapazes revoltados, suas moças com gosto de açúcar de rocha, suas mulheres maduras de autoridade "operrática".
Resta um grande mistério: quem passeia entre os passageiros? Um plano nos revela, quando a narradora reenvia os mortos ao seu sono noturno com um "Boa noite, meus adormecidos". O cemitério brilha na penumbra, ao longe um bonde passa. Quem observa a cena? Um fantasma, claro, o fantasma da Mrs. Muir, o fantasma de Jean-Claude Guiguet. Ao mundo dos mortos e dos vivos se sobrepõe, ligeiramente deslocado, como uma sombra projetada, aquele dos homens e mulheres de uma outra era e dos jovens decididamente contemporâneos, mundo onde os mais velhos, graças à sua proximidade espectral com o horror da vida, protegem os mais novos. Quando a bela Marie Rousseau com os olhos verdes liquefeitos pelas tristezas, esposa desiludida fugida do Faubourg Saint-Martin, faz Philippe Garziano falar e o envia aos amores cor-de-rosa com Fabienne Babe, é uma passagem secreta que se abre diante dos nossos olhos entre dois mundos que não se comunicam, o tempo de uma transmissão – e que elegância transmitir assim o segredo de uma felicidade perdida… Entre essas mulheres já resignadas e esses jovens rapazes, um fantasma observa e comunica a todas as cenas cotidianas dos Passageiros essa qualidade tão rara de intimidade furtiva, de intensidade passageira, de louca afeição própria àquele que, certo de, em breve, não ser mais desse mundo, decide inventar uma perspectiva temporal ao mesmo tempo ultrapassada (porque o fantasma é de uma outra época) e projetiva (porque o fantasma ama imaginar a vida futura da nova geração), perspectiva que unifica os fragmentos dos Passageiros sob o peso de uma eternidade tornada sentimental.
O que pode querer um fantasma? Talvez, durante uma acusação final em forma de litania fúnebre na qual se substitui à opressão social o furor lírico das reivindicações, uma maneira de ordenar entre elas as cóleras até aí espalhadas e reunidas enfim no seio de uma frontalidade militante – porque a violência do fantasma está aí, chamar à responsabilidade pelo tempo que nos resta, a responsabilidade por um tempo mais feliz, um pagamento, em suma.
La redevance du fantôme foi publicado originalmente na revista La Lettre du Cinéma n°9, primavera de 1999. Tradução: Miguel Haoni.
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